Aplicação do sistema de cotas raciais nos concursos públicos
Tema criado em 18/10/22.
Constituição Federal
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; "
Lei 12.990/2014
“Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.”
Destaques
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TJDFT
Autodeclaração étnica – eliminação do candidato – impossibilidade de permanência na lista de ampla concorrência
"1. Não deve o Poder Judiciário substituir a banca examinadora na análise do mérito administrativo, sobretudo quando observadas as previsões legais e do edital, bem como concedida ao postulante oportunidade de contraditório e à ampla defesa. 2. A heteroidentificação do candidato observou os critérios objetivamente estabelecidos na Lei no. 12.990/2014 e no Edital. A ausência de traços fenótipos, conforme constatado pela banca especializada, torna o candidato inapto para integrar a lista de cota racial. Inexistindo claros e evidentes elementos que infirmem as conclusões da banca, resta vedado ao Poder Judiciário se pronunciar de modo diverso, sob pena de ingressar no mérito do ato administrativo. 3. O critério para o candidato concorrer nas vagas de negros e pardos foi fixado objetivamente, ou seja, 'o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE' na forma da Lei no. 12.990/2014, e repetido no item 4.2.3 do Edital. Desconsiderados pelo candidato no momento de declarar sua etnia, a verificação a posteriori que seu fenótipo não atende as condições previamente especificadas, forçoso reconhecer a falsidade da declaração. 4. Havendo a previsão no edital de eliminação do candidato, caso seja constatada a falsidade de sua declaração como negro ou pardo, mostra-se impossível assegurar sua permanência no certamente nas vagas de ampla concorrência. Tal regra do edital está em conformidade com o art. 2º da Lei no. 12.990/2014."
Acórdão 1718452, 07284108920228070000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 1/6/2023, publicado no DJE: 30/6/2023.
Concurso público – cota racial – candidato autodeclarado pardo – remanejamento para a lista da ampla concorrência
“2. Embora o candidato não tenha sido considerado pardo pela comissão avaliadora, os elementos coligidos aos autos não levam à conclusão de que houve má-fé de sua parte em sua autodeclaração, tampouco se pode presumir a má-fé no preenchimento da autodeclaração no ato de inscrição. 3. Nos casos em que não se vislumbra o objetivo de fraudar a política de cotas raciais, é cabível a intervenção do Poder Judiciário a fim de que o agravante possa figurar na lista de aprovados de ampla concorrência, caso a nota obtida lhe permita.”
Acórdão 1612072, 07096491020228070000, Relatora: LEILA ARLANCH, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 31/8/2022, publicado no DJE: 16/9/2022.
Candidato cotista em concurso público – autodeclaração parda – procedimento de comprovação – previsão editalícia – heteroidentificação – elementos fenótipos
“2. O mérito administrativo dos atos emanados da banca organizadora do certame, em regra, não deve ser objeto de ingerência do Poder Judiciário, especialmente diante da presunção de legalidade dos atos administrativos, sendo certo que tal presunção somente pode ser afastada mediante prova inequívoca em sentido contrário, inexistente no caso concreto, a princípio. 2.1. Precedentes desta Corte de Justiça: "(...) 1. A participação de candidato cotista em concurso público que se autodeclara pardo não implica em automática aprovação ou em garantia de reserva de vaga, pois incumbe à Banca Examinadora a verificação da condição declarada (heteroverificação), com base na legislação e previsão editalícia, bem como nos quesitos cor/raça utilizados pelo IBGE, que avalia tons de pele, texturas de cabelos e traços fisionômicos. (...).”
Acórdão 1605239, 07172861220228070000, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 10/8/2022, publicado no DJE: 29/8/2022.
Concurso público – cláusula de barreira – reserva de vagas para cotistas – observância do critério de classificação – aplicação do princípio da eficiência
"1. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE n. 635.739, ao qual foi atribuída Repercussão Geral (Tema 376), fixou tese no sentido de que é constitucional a regra inserida no edital de concurso público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame. 1.1. Levando-se em conta o entendimento firmado pela Suprema Corte, não há que se falar em ilegalidade do item editalício que estabelece cláusula de barreira, tendo em vista que esta tem amparo constitucional, porquanto viabiliza que a Administração Pública selecione os candidatos mais bem colocados, seja na livre concorrência, seja nas vagas reservadas, em observância ao princípio da eficiência. 2. A Lei n. 12.990/2014, em seus artigos 1º e 3º, determina que, apesar de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos serem destinadas aos negros, estes concorrerão concomitantemente em duas listagens: na lista de classificados da ampla concorrência, e na listagem de classificados cotistas negros. 2.1. Os candidatos negros que forem aprovados dentro do quantitativo de vagas destinadas à ampla concorrência não serão computados para fins de preenchimento das vagas reservadas, isto é, constarão apenas da lista final de aprovados para a ampla concorrência e serão excluídos da lista final de aprovados para as vagas destinadas aos negros. 3. Não há qualquer ilegalidade no fato de candidatos negros constarem tanto na listagem da ampla concorrência, quanto na listagem destinada aos cotistas, tendo em vista que a própria lei assim estabelece, consoante se vê da redação do caput, do artigo 3º, da Lei n. 12.990/2014.”
Acórdão 1437782, 07095979120218070018, Relatora: CARMEN BITTENCOURT, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 13/7/2022, publicado no DJE: 8/8/2022.
Eliminação de candidata de concurso público – sistema de cotas raciais – aferição do fenótipo – fisionomia incompatível com pardo ou negro
"1. Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato administrativo, que desclassificou a parte autora do concurso para provimento do cargo de Vigilante Ambiental em Saúde do Distrito Federal. (...) 5. O item 7.7.4 do edital é claro ao adotar, como requisito da comprovação da cor negra ou parda, o fenótipo (por exemplo, cor da pele e textura do cabelo, ou seja, como a pessoa é vista pela sociedade), e não o genótipo (composição genética, independentemente da aparência). Portanto, o certame abriu cotas para o ingresso de negros e não afrodescendentes, não havendo que se falar em adoção de critérios mais objetivos ou violação ao princípio da legalidade e/ou isonomia. 6. Por outro lado, ao contrário do que alega a autora, a decisão que a excluiu do certame foi motivado, nos seguintes termos: "(...) A verdade é que o pleito da candidata em comento não merece guarida, uma vez que não há traços fenotípicos que a identifique com o tipo negro, aliado ao fato que o mesmo estava totalmente ciente das regras editalícias, as quais estipularam as diretrizes que necessariamente todos os candidatos concorrentes seguiram". (...) 8. No caso específico dos autos, a comissão de heteroidentificação analisou o fenótipo da parte autora e entendeu, de forma unânime, que este não se encaixaria no fenótipo de negro ou pardo, tendo sido a autora consequentemente excluída do concurso na condição de negro ou pardo. Portanto, não houve ilegalidade comprovada que pudesse ensejar a declaração de nulidade do ato administrativo.”
Acórdão 1425150, 07084061120218070018, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 23/5/2022, publicado no PJe: 5/6/2022.
Ilegalidade na eliminação de candidata considerada negra/parda – avaliações antecedentes de heteroidentificação pelo organizador do certame em outros concursos públicos – contradição e incoerência – possibilidade de controle judicial
"7. Absorvida a necessidade de o estado promover o cumprimento efetivo da igualdade como princípio constitucional, mediante a reserva conferida ao legislador ordinário, a percepção e imposição de assegurar o percentual de vagas para pessoas negras e pardas como forma de inserção no serviço público federal, nos termos estabelecidos na Lei 12.990/2014, possui o condão afirmativo de possibilitar a ascensão social e equilibrar a proporção da população negra na administração pública federal, em salutar e necessário enfrentamento à discriminação racial, conferindo privilégio positivo àqueles que se autodeclaram negros ou pardos a concorrerem às vagas destinadas em separado como instrumento de reparação discriminatória. 8. (...). 9. Subsistente a legitimidade da etapa do certame da heteroidentificação do fenótipo da candidata que se autodeclarara negra para concorrer às vagas reservadas, notadamente com o propósito de conferir autenticidade à declaração do candidato sobre sua condição de pessoa negra/parda, o resultado da averiguação possui legitimidade presumida, contudo, ressoando a ilegalidade da avaliação que norteara a inabilitação da concorrente inexorável dos elementos coligidos, especialmente porque em outros três exames de heteroidentificacão realizados pela mesma entidade executora do concurso público fora considerada apta à condição de pessoa negra/parda, sua inabilitação ressoa desguarnecida de sustentação legal, configurando ato discriminatório e abusivo, restando desguarnecido da presunção de legalidade e legitimidade relativa que o recobria. 10. Sobejando elementos que atestam que a autodeclaração da candidata negra é legítima, guardando conformação com sua ascendência e com o fenótipo que ostenta, o que é corroborado pelas 03 avaliações antecedentes realizados por técnicos da mesma entidade organizadora do certame em certames distintos, ressoa indene que sua desqualificação como se autodeclarara, inclusive porque permeada por critérios estéticos dissonantes dos parâmetros legais, encerra ato abusivo e ilegal, pois desguarnecido de motivação subjacente, legitimando que seja sindicalizado judicialmente, não como controle do mérito do ato, mas da sua legalidade, pois a infirmação da autodeclaração não encerra ato discricionário, mas vinculado, devendo guardar vinculação aos motivos que o desencadearam. 11. O controle de constitucionalidade promovido sobre o sistema de cotas advindo com a edição da Lei 12.990/2014 (Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC 41/DF), conferindo constitucionalidade à norma infraconstitucional de imposição de cotas raciais em concursos públicos e ao exame de heteroidentificação de fenotípico dos candidatos do certame que se autodeclararam negros, estabelecera que, além do exame visual do concorrente, é imperioso, para o juízo de convicção da banca examinadora, o cotejo de todos os elementos possíveis para aferição da identificação da raça negra/parda, e, conflagrada dúvida ou divergência entre os integrantes da comissão acerca da condição de pessoa negra da candidata, o resultado deve privilegiar a identificação de raça que a própria candidata firmara em autodeclaração, determinando que, não observado os parâmetros e a salvaguarda pela comissão avaliadora, configurando inobservância dos critérios ilegitimidade na heteroidentificação, o ato de desqualificação é passível de exame e controle judicial em concreto, porquanto não correspondente à concretização de estabelecimento dos critérios de igualdade constitucionalmente garantidos."
Acórdão 1273378, 07029916920198070001, Relator Designado: TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 19/8/2020, publicado no DJE: 3/9/2020.
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STJ
Concurso público – política de ações afirmativas – vagas reservadas para candidatos negros – percentual incidente sobre o total de vagas ofertadas – preterição configurada
"É entendimento consagrado no âmbito desta Corte Superior que "as regras editalícias, consideradas em conjunto como verdadeira lei interna do certame, vinculam tanto a Administração como os candidatos participantes. Desse modo, o concurso público deverá respeitar o princípio da vinculação ao edital" (...). 3. O quantitativo de vagas reservadas às pessoas negras (pretas e pardas) deve considerar a totalidade das vagas ofertadas para o cargo em disputa. Precedentes do STJ e do STF. 4. Conforme o Edital de Concursos nº 01/2013, da Secretaria Estadual da Saúde, foram oferecidas três vagas para o cargo de jornalista, na área de Porto Alegre ou Viamão/RS; por isso que, levando-se em conta o percentual da população negra no Estado do Rio Grande do Sul por essa época, consoante censo do IBGE, restou alcançado, nos termos da legislação gaúcha, coeficiente necessário à reserva de uma dessas vagas para candidato inscrito pelo regime de cota racial. 5. Tendo sido nomeados dois candidatos oriundos da concorrência ampla e um terceiro proveniente da vaga reservada a candidato com deficiência, caracterizada restou a preterição na convocação do ora recorrente - primeiro colocado na lista de candidatos negros -, em desenganada afronta não apenas à regra editalícia, como também à Lei Estadual 14.147/2012 e ao seu Decreto n. 52.223/2014." RMS 62.185/RS
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STF
Reserva de vagas para negros em concursos públicos – Constitucionalidade da Lei 12.990/2014
"1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014. 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”." (grifamos)ADC 41/DF