Organização da Justiça – pacto federativo – competência absoluta
Tema criado em 20/7/2023.
Constituição Federal
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
(...)
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
§3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.
§4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
§5º Compete aos juízes de direitodojuízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.
§6º O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.
§7º O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.
Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias.
Parágrafo único. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio.”
Código de Processo Civil - CPC
“Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
(...)
§5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado.(Vide ADI nº 5737) (Vide ADI nº 5492)
(...)
Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado. (Vide ADI nº 5737) (Vide ADI nº 5492)
(...)
Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes.”
Lei Complementar 35/1979 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional
“Art. 16 - Os Tribunais de Justiça dos Estados, com sede nas respectivas Capitais e jurisdição no território estadual, e os Tribunais de Alçada, onde forem criados, têm a composição, a organização e a competência estabelecidos na Constituição, nesta Lei, na legislação estadual e nos seus Regimentos Internos.
Parágrafo único - Nos Tribunais de Justiça com mais de vinte e cinco Desembargadores, será constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administravas e jurisdicionais, da competência do Tribunal Pleno, bem como para uniformização da jurisprudência no caso de divergência entre suas Seções.”
Lei 11.697/2008 - Lei sobre a organização do Distrito Federal
“Art. 4º O Tribunal de Justiça, com sede na Capital Federal, compõe-se de 48 (quarenta e oito) desembargadores e exerce sua jurisdição no Distrito Federal e nos Territórios.
(...)
Art. 26. Compete ao Juiz da Vara da Fazenda Pública processar e julgar:
I - as ações em que o Distrito Federal, entidade autárquica ou fundacional distrital ou empresa pública distrital forem autores, réus, assistentes, litisconsortes ou opoentes, excetuadas as ações de falência, as de acidentes de trabalho e as de competência da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública;
II - as ações populares que interessem ao Distrito Federal, a entidade autárquica ou fundacional distrital ou a empresa pública distrital;
III - os mandados de segurança contra atos de autoridade do Governo do Distrito Federal ou de entidade autárquica ou fundacional distrital ou empresa pública distrital, ressalvada a competência originária do Tribunal de Justiça.
Parágrafo único. Os embargos de terceiro propostos pelo Distrito Federal, entidade autárquica ou fundacional distrital ou empresa pública distrital serão processados e julgados no juízo onde tiver curso o processo principal.”
Destaques
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TJDFT
Ente federativo no polo passivo – aplicação da Lei de Organização judiciária do próprio estado – competência absoluta – observância do princípio republicado
“2. O art. 4º da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios (Lei nº 11.697/208) estabelece: ‘Art. 4º O Tribunal de Justiça, com sede na Capital Federal, compõe-se de 48 (quarenta e oito) desembargadores e exerce sua jurisdição no Distrito Federal e nos Territórios.” 3. A presença do estado de Goiás no polo passivo da demanda atrai a incidência da respectiva Lei de Organização Judiciária (Lei nº 9.129/81), uma vez que se trata de competência absoluta, de natureza constitucional, devendo ser preservada a aplicação das suas regras de distribuição dos serviços judiciais. 4. Trata-se de lei especial em relação à regra prevista no Código de Processo Civil, uma vez que a atividade hermenêutica não pode desconsiderar o pacto federativo previsto no arts. 18, 125 e 126 da CF/88 e no art. 16 da Lei Complementar nº 35/79. 5. Como a demanda objetiva a declaração de nulidade de ato administrativo, com pedido de condenação ao cumprimento de obrigações que seriam advindas do contrato de compra e venda de ações da CELG, após leilão de privatização da empresa goiana de distribuição de energia elétrica, não há legitimidade para a sobreposição do princípio republicano ante a autonomia inerente ao poder constituinte derivado decorrente. 6. A competência da 3ª Vara Cível de Brasília não abrange as atribuições conferidas por Lei à Justiça Estadual de Goiás, não tendo nenhuma razão jurídica para as partes agravantes, que têm sede em Goiás e em Niterói, RJ, com advogados de Goiás, elegerem o foro Distrito Federal para processarem o Estado de Goiás, que não participou dessa eleição, nem poderia. 7. Em exercício de interpretação lógica e sistêmica, a regra contida no art. 52 do Código de Processo Civil deve circunscrever-se ao âmbito territorial de cada ente da Federação. A excepcionalidade do parágrafo único depende de convênio entre os entes federativos, inexistente, o caso, nos termos do § 4º do art. 75 do mesmo Código, que não contempla o foro de eleição.“
Acórdão 1432373, 07111855620228070000, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 21/6/2022, publicado no PJe: 6/7/2022.
Declínio de competência – impossibilidade de escolha aleatória de foro – ponderação entre as normas constitucionais e processuais
"1. A análise de questões relacionadas à competência requer perspectiva constitucional. O primeiro artigo do Código de Processo Civil - CPC estabelece justamente que‘O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”’2. Competência, conforme clássica definição, é medida da Jurisdição. Os diversos critérios para delimitar a competência (matéria, territórios, valor da causa etc.) atendem, antes de tudo, ao interesse público de bom funcionamento da atividade jurisdicional. O propósito maior é a eficiência do Poder Judiciário, que os litígios sejam resolvidos com qualidade e em tempo razoável. 3. Nessa linha, a própria Constituição Federal já realiza distribuição inicial de competência no Poder Judiciário. Define competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Federal (Militar, Eleitoral, Trabalhista e Federal comum). O objetivo constitucional - de interesse público - de dividir o trabalho do Poder Judiciário entre diferentes juízes é, reitere-se, obter solução rápida solução. 4. O interesse público é princípio norteador tanto da definição constitucional/normativa como da intepretação de temas relativos à competência. A distinção entre competência absoluta e relativa não afasta a ponderação. As situações que indicam competência relativa também exigem análise sob ótica do interesse público, do bom funcionamento da Justiça e de eventual exercício abusivo do direito. 5. Todos que participam do processo devem se comportar de acordo com a boa-fé objetiva (art. 5º, do CPC), o que significa exigência de comportamento que colabore para ‘solução integral do litígio’ em prazo razoável (art. 6º, do CPC). Em casos em que há foros concorrentes cuja escolha cabe ao autor, é necessário e possível examinar abuso na seleção do foro competente (forum shopping). Nesse raciocínio, as condutas individuais relativas à escolha de competência devem ser examinadas em perspectiva global e em suas consequências para a boa manutenção do sistema: cabe verificar se as escolhas isoladas podem, ao serem multiplicadas, afetar o interesse público de exercício eficiente do Poder Judiciário. 6. Na análise de eventual abuso na escolha do foro competente, deve-se ponderar as facilidades trazidas ao processo pelas inovações tecnológicas que anularam as distâncias físicas. Os atos processuais são eletrônicos, sem qualquer necessidade de deslocamento físico. Audiências e contatos com os juízes, inclusive para entrega de memoriais podem ser realizados por vídeo conferência. (...) Aliás, o que ocorre neste caso e em tantos outros é uma opção distante do domicílio do consumidor, o que, em termos, globais tem trazido desequilíbrio equitativo em ações ajuizadas contra o Banco do Brasil que possui agência e representações em todo o país. 8. O ajuizamento em Brasília de milhares de ações contra o Banco do Brasil para cumprimento de sentença de ação coletiva é desproporcional, o que ensejou alerta do Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - CIJDF, do TJDFT, que, para demonstrar a dimensão do problema, em agosto de 2022, emitiu a Nota Técnica 8/2022 - CIJDF. (...) 11. Em juízo de ponderação das normas constitucionais e processuais aplicáveis à determinação da competência, conclui-se que a natureza relativa do critério de determinação da competência não autoriza a escolha aleatória de foro por parte do autor, seja ele consumidor ou não, quando tal procedimento implica indevido forum shopping. 12. O abuso de direito processual é matéria de ordem pública e, por isso, a possibilidade de declínio da competência de ofício, ainda que antes da citação, é medida essencial para o devido exercício da jurisdição. O exercício abusivo de direito de escolha do foro, viola os critérios norteadores da fixação da competência no processo civil. Por isso, a competência, ainda que relativa, está sujeita ao controle jurisdicional.”
Acórdão 1724689, 07199005320238070000, Relator: LEONARDO ROSCOE BESSA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 28/6/2023, publicado no DJE: 17/7/2023.
Pretensão previdenciária – estado do Amazonas – competência absoluta – inaplicabilidade do estatuto do idoso
“2. Nos termos do artigo 62 do Código de Processo Civil, a competência em razão da pessoa (ratione personae) é absoluta. 2.1. Os Estados têm a prerrogativa de organizar o próprio Poder Judiciário, desde que respeitem os princípios estabelecidos na Constituição Federal. A competência dos tribunais é definida pela Constituição do respectivo Estado. A iniciativa da lei de organização judiciária pertence ao Tribunal de Justiça (art. 125, caput e § 1º, da Constituição Federal). 2.2. O art. 152, inc. I, alínea a, da Lei de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar Estadual n. 17/1997) atribui aos Juízos das Varas da Fazenda Pública do Estado do Amazonas a competência para processar e julgar as causas em que o Estado do Amazonas e os seus respectivos órgãos autárquicos forem interessados, seja como autores ou réus. 2.3. Veda-se que o Poder Judiciário de um Estado ou do Distrito Federal analise a validade de atos administrativos ou de contratos firmados por outro ente federativo, sob pena de violação ao pacto federativo previsto na Constituição Federal. 2.4. A presença do Estado do Amazonas no polo passivo da demanda, bem como da fundação autárquica Amazonprev, atrai a incidência da Lei de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar Estadual n. 17/1997), tratando-se de competência absoluta, de natureza constitucional, devendo ser preservada a aplicação das suas regras de distribuição dos serviços judiciais. (...) 3. O art. 53, inc. III, alínea e, do Código de Processo Civil prevê o foro da residência do idoso para as causas que versarem sobre direito previsto no Estatuto do Idoso, na mesma linha do art. 80 do estatuto. 3.1. Não basta que o idoso figure no polo ativo da demanda, é necessário que o objeto da demanda seja a efetivação de um dos direitos garantidos pelo Estatuto do Idoso. (...) 3.3. O caso concreto trata apenas de pretensão previdenciária e patrimonial, não versa sobre objetos da proteção do Estatuto do Idoso. 4. Impõe-se a declaração de incompetência absoluta da Justiça do Distrito Federal, com consequente declaração de nulidade da sentença e remessa dos autos para um dos Juízos da Vara da Fazenda Pública do Estado do Amazonas.”
Acórdão 1715766, 07018190720208070018, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 21/6/2023, publicado no DJE: 7/7/2023.
Ente municipal no polo passivo – estado do Rio de Janeiro - aplicação da lei especial – interpretação das regras de competência conforme a Constituição Federal
“4.1. A presença do Município de Arraial do Cabo/RJ no polo passivo da demanda atrai a incidência das normas de organização judiciária do respectivo estado que integra a pessoa jurídica de direito público interno ora demandada. 4.2. Desta feita, incide sobre o caso em apreço o Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro - Lei Estadual nº 6.956/2015, devendo ser preservada a aplicação das regras de distribuição dos serviços judiciais, conforme atribuição prevista pela Constituição Federal. 4.3. Cumpre ressaltar que a mencionada lei é especial em relação à regra prevista no Código de Processo Civil. Além disso, a atividade hermenêutica não pode desconsiderar o Pacto Federativo previsto nos artigos 18, 125 e 126 da CF/88 e no artigo 16 da Lei Complementar nº 35/79. 4.4. Observa-se, ainda, que o artigo 62 do Código de Processo Civil estabelece que a competência em razão da pessoa (ratione personae) é absoluta, admitindo a sua declinação de ofício. 5. Enfim, questões relativas à competência devem ser sempre interpretadas em conformidade com a Constituição Federal, sob pena de violação ao Pacto Federativo. 5.1. Precedente: "A presença do estado de Goiás no polo passivo da demanda atrai a incidência da respectiva Lei de Organização Judiciária (Lei nº 9.129/81), uma vez que se trata de competência absoluta, de natureza constitucional, devendo ser preservada a aplicação das suas regras de distribuição dos serviços judiciais. 4. Trata-se de lei especial em relação à regra prevista no Código de Processo Civil, uma vez que a atividade hermenêutica não pode desconsiderar o pacto federativo previsto no arts. 18, 125 e 126 da CF/88 e no art. 16 da Lei Complementar nº 35/79." (07052122320228070000, Relator: Diaulas Costa Ribeiro, 8ª Turma Cível, DJE: 27/6/2022). “
Acórdão 1703628, 07045784620218070005, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 17/5/2023, publicado no DJE: 5/6/2023.
Ente público no polo passivo – município de Porto Alegre – competência da Justiça Estadual do respectivo ente da Federação
“1. A presença do município de Porto Alegre no polo passivo da demanda impõe o reconhecimento da competência absoluta para apreciar a matéria. 2. A interpretação lógica e sistêmica da regra contida no art. 52 do Código de Processo Civil, deve circunscrever-se ao âmbito territorial de cada ente da Federação. 3. A fixação da competência da Varas de Fazenda Pública é em razão da pessoa, no caso em tela, o Município de Porto Alegre, revelando-se, por sua essência, de natureza absoluta e, portanto, inderrogável por convenção das partes, nos termos do art. 62 do CPC.”
Acórdão 1708870, 07093292320238070000, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 2ª Câmara Cível, data de julgamento: 29/5/2023, publicado no DJE: 13/6/2023.
Ato disciplinar militar – competência absoluta da Justiça Militar
“Apelação cível - Nulidade da sentença exarada pelo Juízo da Fazenda Pública - Competência absoluta da Vara da Auditoria Militar - Alegação de nulidades no processo administrativo de licenciamento escolar (PALE) para apurar violência doméstica que teria sido praticada pelo autor (Cadete) com arma e equipamentos da Corporação - Desligamento do Curso de Formação de Oficiais (CFO) e licenciamento da PMDF, a bem da disciplina - Atos administrativos com natureza disciplinar, cujo controle judicial é atribuído pela CF 125, § 5º ao ‘juízo militar’."
Acórdão 1696797, 07003058220218070018, Relator: FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 10/5/2023, publicado no DJE: 12/7/2023.
Ação contra o estado de São Paulo – competência absoluta – organização federativa
“2. O art. 35, inc. I do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar local nº 3/1969), lex specialis em relação à regra prevista no art. 52 do CPC, dispõe que é competência dos Juízes das Varas da Fazenda do Estado processar e julgar as causas em que o Estado de São Paulo for interessado. 3. A interpretação meramente literal do art. 52, parágrafo único, do CPC, poderia bem sugerir que o Estado de São Paulo poderia ser demandado em outro ente federado. Essa interpretação é enganosa e, a despeito da lamentável desatenção do Legislador ao elaborar esse dispositivo, a aplicação do art. 52, parágrafo único, do CPC, deve ser procedida mediante a aplicação de outros critérios hermenêuticos, além do literal, notadamente o critério da interpretação conforme a Constituição. 3.1. O tema afeto à organização judiciária da justiça dos estados está definido nos artigos 125 e 126, ambos da Constituição Federal. Com efeito, além de estar cristalinamente previsto no art. 125, caput, da Carta Política, que ‘os estados organização sua justiça’, o § 1º do mesmo dispositivo disciplina que ‘a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça’. 3.2. Em atenção ao modelo federativo adotado por nossa República, nos termos do art. 25, caput, da Constituição Federal, os estados serão regidos ‘pelas Constituições e leis que adotarem’. Justamente nessa perspectiva do federalismo pátrio é que houve a recepção, à nova ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988, da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 que, em seu art. 16, disciplina que ‘os Tribunais de Justiça dos Estados, com sede nas respectivas capitais e jurisdição no território estadual, e os Tribunais de Alçada, onde forem criados, têm a composição, a organização e a competência estabelecidos na Constituição, nesta Lei, na legislação estadual e nos seus Regimentos Internos’. 3.3. Assim, não se pode, por meio da pretensa interpretação literal do art. 52 do CPC, admitir um efeito limitado e desconexo em relação à complexidade que cerca a atividade jurisdicional e os lindes do sistema jurídico como um todo. 4. Reitere-se que a atribuição de competência para uma Vara Cível da Justiça do Distrito Federal, no presente caso, não pode ser logicamente concebida, pois, de acordo com o exposto, trata-se de competência absoluta da Justiça do Estado de São Paulo. 4.1. É necessário proceder-se à interpretação conforme à Constituição, para que a aplicação do art. 52 do CPC ao presente caso fique adstrita ao âmbito territorial de cada ente de nossa Federação.”
Acórdão 1692771, 07255926920198070001, Relator: ALVARO CIARLINI, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 19/4/2023, publicado no DJE: 19/5/2023.
Autonomia dos entes federativos – partes com sede em Goiânia-GO e Niterói-RJ – competência absoluta
"2.O artigo 1º da Constituição da República consagra os princípios estruturantes que indicam e constituem as diretrizes fundamentais que informam toda a ordem constitucional brasileira. Caracterizam-se pelo alto grau de abstração e por expressarem as decisões políticas fundamentais em relação à forma e à organização do Estado brasileiro. 2.1. O princípio federativo indica a formação de um pacto entre Estados, que abdicam de sua soberania em prol de um ente central e passam a ter autonomia nos termos estabelecidos pela Constituição. 2.2. Dessa maneira, a autonomia desses entes federados, consistente em sua capacidade de autodeterminação nos termos constitucionalmente fixados, importa no seu poder de editar normas próprias, com expressa determinação de suas competências. 3. O artigo 52 do Código de Processo Civil, estabelece que se o Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado. 3.1. Não se encontram caracterizados nenhum dos elementos elencados no artigo 52 do Código de Processo Civil que atraiam a competência para a Circunscrição Judiciária de Brasília, no caso concreto em que a demanda se refere à venda de participações acionárias de empresa pública situada em Goiânia-GO, sendo que a primeira agravante tem sede em Goiânia-GO e a segunda agravante, sede em Niterói-RJ. 4. Além de não estarem presentes os requisitos objetivos do art. 52, do Código de Processo Civil, sua interpretação não poderá impor afronta à Constituição Federal, fazendo prevalecer o entendimento de que um Estado da Federação possa ser demandado em outro, em desrespeito às suas leis de organização judiciária. A interpretação deve ser empreendida conforme a constituição, através dos critérios hermenêuticos concebidos para a estruturação do pacto federativo, consubstanciado nos artigos 18, 125 e 126 da Carta Magna, transmudando, nesse caso, a natureza jurídica da competência relativa em absoluta. 4.1. Ademais, em interpretação lógico-sistêmica, somente se poderia conceber a regra contida no art. 52 do Código de Processo Civil como circunscrita ao âmbito territorial de cada ente da Federação. Precedentes. 5. A cláusula de eleição de foro é uma hipótese de prorrogação voluntária de competência, razão pela qual somente pode afastar a aplicação das regras referentes à competência relativa, excluindo-se, ainda as situações de competência territorial com nítida natureza absoluta, como é o caso da ação real imobiliária e da ação civil pública, que se firma pelo local do dano e, igualmente, a hipótese aqui versada. 5.1. Em razão da autonomia concedia aos entes federados, não se pode conceber que as regras de competência poderiam ser afastadas por eventual cláusula de eleição de foro, sob pena de malferimento do pacto federativo. 5.2. A cláusula de eleição de foro, quando tem a pretensão de mitigar hipótese de competência com natureza absoluta, padece do vício de ineficácia.”
Acórdão 1677346, 07391310320228070000, Relator: CARMEN BITTENCOURT, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 15/3/2023, publicado no DJE: 4/4/2023.
Competência do domicílio do autor – interpretação conforme a Constituição – pacto federativo
“A Lei de Organização Judiciária do Estado de Goiás prevê que compete à Vara da Fazenda Pública Estadual processar e julgar as causas em que o Estado for parte. A interpretação conjunta das normas inseridas nos artigos 18 e 125, da Constituição Federal, e na norma de organização judiciária do Estado torna evidente que a competência, no caso, é absoluta, em razão da pessoa, o que não permite alteração pela vontade das partes, nos termos dos artigos 62 e 63, do Código de Processo Civil. Estabelecidas essas premissas, o artigo 52, parágrafo único, do Código de Processo Civil, deve ser interpretado conforme a Constituição. Ao afirmar que se o Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro do domicílio do autor, no foro de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no foro da situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado, compreende-se que essa faculdade se estende apenas às comarcas situadas dentro do próprio ente federado, não sendo admitida a escolha de outra unidade federativa, sob pena de ofensa ao pacto federativo. A interpretação do mencionado artigo 52 conforme a Constituição Federal é objeto de debate no âmbito da ADI 5492, que tramita no Supremo Tribunal Federal. Em que pese ainda esteja pendente de julgamento, a ADI, inclusive, já recebeu parecer da Procuradoria Geral da República favorável a essa interpretação conforme. A cláusula que elege foro no Distrito Federal para julgar ações envolvendo o Estado de Goiás é nula, pois ofende o pacto federativo e a legislação que determina a competência da Vara da Fazenda Pública do Estado de Goiás para julgar as causas em que o Estado for parte.”
Acórdão 1675288, 07375886220228070000, Relator: ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 8/3/2023, publicado no PJe: 4/4/2023.
Ação previdenciária - município de Ipiaú-BA - violação ao princípio republicano
"1. Estabelece o artigo 4º da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios (Lei nº 11.697/2008): 'Art. 4º O Tribunal de Justiça, com sede na Capital Federal, compõe-se de 48 (quarenta e oito) desembargadores e exerce sua jurisdição no Distrito Federal e nos Territórios.' 2. A presença do Município de Ipiaú/BA no polo passivo da demanda atrai a incidência do art. 64, inciso XVIII, ‘d’ e do art. 70, inciso II, ‘a’ da Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia (Lei nº 10.845/2007), que dispõe ser competência dos Juízes de Direito estaduais e da Vara da Fazenda Pública Estadual processar e julgar as causas em que for parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a Comarca não seja sede de Juízo Federal, nos termos do art. 109, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil e, em matéria administrativa, as causas em que os Municípios e o Estado da Bahia, suas autarquias e fundações sejam interessados. 3. Trata-se de lei especial em relação à regra prevista no Código de Processo Civil, uma vez que a atividade hermenêutica não pode desconsiderar o pacto federativo previsto no arts. 18, 125 e 126 da CF/1988 e no art. 16 da Lei Complementar nº 35/1979. 4. Como a ação objetiva o recebimento de pensão por morte, não se legitima a sobreposição do princípio republicano ante a autonomia inerente ao poder constituinte derivado decorrente. A competência da Vara Cível do Guará não abrange as atribuições conferidas por Lei à Justiça Estadual da Bahia. 5. Em exercício de interpretação lógica e sistêmica, a regra contida no art. 52 do Código de Processo Civil deve circunscrever-se ao âmbito territorial de cada ente da Federação.”
Acórdão 1383767, 07474960320198070016, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 10/11/2021, publicado no DJE: 17/11/2021.
Ação monitória - estado do Amapá - competência absoluta
"1. Conforme dispõe o artigo 30 da Lei de Organização Judiciária do Estado do Amapá (Decreto n° 0069/91), o foro competente para julgar ações em que o Estado do Amapá for parte é de uma das Varas de Fazenda Pública do referido Ente Federativo. 2. Consoante Jurisprudência deste Tribunal de Justiça, referido ato normativo trata-se de lei especial em relação à regra prevista no art. 52 do CPC, uma vez que a atividade hermenêutica aplicável não pode desconsiderar o pacto federativo previsto nos arts. 18, 125 e 126 da CF/88 e no art. 16 da LC nº 3/79. (Acórdão 1383767, 07474960320198070016, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 10/11/2021, publicado no DJE: 17/11/2021). 3. A interpretação do artigo 52, parágrafo único, do Código de Processo Civil, deve se realizar em conformidade com a Constituição Federal, sob pena de desestabilizar o pacto federativo, ao permitir que um Ente Federativo seja submetido à jurisdição de outro Ente, em ofensa ao que preceitua a Lei Maior. 4. A competência da Justiça do Estado do Amapá é absoluta para o processamento e julgamento das causas em que figure como parte, motivo pelo qual pode ser suscitada de ofício e as respectivas lides devem tramitar em uma das Varas da Fazenda Pública do respectivo Ente Federativo."
Acórdão 1625158, 07103636720228070000, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 4/10/2022, publicado no DJE: 17/10/2022.
Ente federativo no polo passivo – princípio da especialidade – aplicação da lei de organização judicial do ente
“2. O artigo 52, parágrafo único, do Código de Processo Civil, ao estabelecer que, 'se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado’, deve ser lido à luz do artigo 18, 125 e 126 da Constituição Federal, os quais prelecionam a autonomia dos estados para a organização de suas Justiças 3. A presença do Estado de Goiás na demanda impõe, pela incidência do princípio da especialidade, a aplicação da Lei n.° 9.129/81 desse ente federativo frente à regra geral do Código de Processo Civil. 4. Sob pena de indevida ingerência do Poder Judiciário de um estado na autonomia de outro, com violação do princípio republicano e do pacto federativo, o reconhecimento da competência absoluta da Justiça do Estado de Goiás, para processamento e julgamento da demanda é medida que se impõe.”
Acórdão 1607871, 07106303920228070000, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 18/8/2022, publicado no PJe: 31/8/2022.
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STF
Interpretação conforme a Constituição – competência absoluta – pacto federativo
“1. Julgamento conjunto de duas ações diretas de inconstitucionalidade contra diversos dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) (ADI nº 5.492 e ADI nº 5.737). 2. A edição do Código de Processo Civil de 2015 consagrou a compreensão de que o processo deve ser mediador adequado entre o direito posto e sua realização prática, e não um fim em si mesmo. A necessidade de se conferir efetividade aos direitos é o principal vetor axiológico do novo sistema processual, para cuja realização convergem os princípios da duração razoável do processo, da primazia do julgamento de mérito, da necessidade de se conferir coesão e estabilidade aos precedentes jurisdicionais, dentre outros. (...) 5. A regra de competência prevista nos arts. 46, § 5º, e 52, caput e parágrafo único, do CPC, no ponto em que permite que estados e o Distrito Federal sejam demandados fora de seus respectivos limites territoriais, desconsidera sua prerrogativa constitucional de auto-organização. Não se pode alijar o Poder Judiciário Estadual de atuar nas questões de direito afetas aos entes públicos subnacionais. Além disso, os tribunais também possuem funções administrativas – como aquelas ligadas ao pagamento de precatórios judiciais – que não podem, sem base constitucional expressa, ser exercidas por autoridades de outros entes federados. Tal possibilidade produziria grave interferência na gestão e no orçamento públicos, além de risco ao direito dos credores à não preterição (entendimento prevalente do Ministro Roberto Barroso, vencido o relator). (...) 11. Pedido julgado parcialmente procedente para: (...) (ii) conferir interpretação conforme também ao art. 52, parágrafo único, do CPC, para restringir a competência do foro de domicílio do autor às comarcas inseridas nos limites territoriais do estado-membro ou do Distrito Federal que figure como réu; (...). ADI 5737
Veja também
Competência relativa – abusividade cláusula da eleição de foro – declaração de ofício