Direito à alteração do nome e o princípio da dignidade da pessoa humana

última modificação: 2023-06-30T16:26:37-03:00

Tema atualizado em 30/6/2023.

Constituição Federal

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Código Civil

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Lei de Registros Públicos

Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico.

§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial. (...)

Art. 57. A alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial, a fim de:        

I - inclusão de sobrenomes familiares;

II - inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento;      

III - exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas;      

IV - inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado.      

§ 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.  (...)  

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios."

Destaques

  • TJDFT

Alteração de prenome – apelido público notório – falta de comprovação da excepcionalidade

"I - O art. 58 da Lei 6.015/73 autoriza a alteração do prenome por apelido público notório, mas o autor não comprovou a alegação de que da infância até os seus atuais 43 anos é conhecido e identificado como "Príncipe". II - Diante da ausência de demonstração das excepcionalidades previstas no art. 57 da Lei 6.015/73, improcede a pretensão de exclusão do sobrenome do autor, de modo a manter sua identificação familiar."   
Acórdão 1703834, 07019351720238070015, Relatora: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 17/5/2023, publicado no PJe: 30/5/2023.

Alteração de nome – alegação de necessidade de unificação de sobrenome – supressão de matronímico e do único patronímico – justo motivo não verificado

“1.O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, por dizer respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si mesmo, mas também no ambiente familiar e perante a sociedade em que vive. 4. Na espécie, a pretensão do autor de exclusão do matronímico e do único patronímico está lastreada na intenção de "unificar a sua forma de tratamento, tendo em vista que (..) é o nome registrado na Itália e no Reino Unido", bem como "para que fique compatível com aquele como é conhecido nos meios profissional, familiar e social". Entretanto, não se afigura motivação suficiente para exclusão do único sobrenome paterno a simples e isolada percepção pessoal do autor, ora apelante, no sentido de que se mostra necessária a unificação de sua forma de tratamento. 5. À míngua de motivação idônea para alteração do matronímico e do único patronímico do autor, ora apelante, nos moldes pretendidos na petição inicial, não há falar em alteração do seu registro civil, em atenção aos arts. 56 e 57 da Lei n. 6.015/73.”
Acórdão 1424612, 07135195220218070015, Relatora: SANDRA REVES, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 18/5/2022, publicado no DJE: 1/6/2022.

Retificação de registro civil – alteração de nome – inclusão de sobrenome de bisavó – imutabilidade relativa

“I - A imutabilidade do nome é relativa, art. 57 da Lei 6.015/73, e, diante da ausência de prejuízos aos apelidos de família ou a terceiros, não há óbice à inclusão do sobrenome da bisavó no registro civil do requerente.”
Acórdão 1362629, 07019999520218070015, Relatora: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 4/8/2021, publicado no PJe: 25/8/2021.

Alteração de nome no registro civil – acréscimo de patronímico estranho à linhagem familiar – impossibilidade

“1. O sobrenome, ou patronímico, ou apelido de família, enquanto elemento fundamental do nome civil, designativo da procedência da pessoa e sua linhagem familiar, deve estar em consonância com a veracidade dos fatos da vida, sendo descabida a pretensão de inclusão de sobrenome totalmente alheio à origem familiar da autora, que com prenome ou apelido público não se confunde.”
Acórdão 1337006, 07040407220208070014, Relator: CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 28/4/2021, publicado no DJE: 12/5/2021.

Alteração de prenome de transexual – inexigibilidade de prévia submissão à cirurgia de redesignação sexual

“2. Em inúmeras situações do cotidiano o transexual, para além do estigma social que carrega pelo simples fato de divergir da construção sexual da maioria da comunidade, é obrigado, por exemplo, a fornecer documentos integralmente discrepantes de sua identidade psíquica. A situação revela-se, portanto, incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, sobretudo no que diz respeito ao direito de formatar e implementar plena e autonomamente seu projeto de vida.
3. (...) Exatamente por se tratar de assunto atinente à autonomia do ser, construído em sua intimidade, independentemente da aparência, a exigência de cirurgia de redesignação sexual para alteração do assentamento civil mostra-se impertinente e contrária à própria natureza do problema colocado.
4. Isso porque se a identidade de gênero refere-se à percepção íntima que o indivíduo tem de si mesmo, independentemente de sua anatomia - o que inclusive legitima a alteração registral como afirmação e valorização da real situação psíquica do ser humano - é paradoxal que se exija a modificação da aparência.
5. Em verdade, a imposição do procedimento cirúrgico equivale a exigir que o indivíduo mutile seu próprio corpo para ser plenamente merecedor da proteção decorrente da dignidade da pessoa humana, o que não se pode admitir à luz da Constituição Federal.
6. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade nº 4275, redator para o acórdão ministro Edson Fachin, que assentou o direito dos transgêneros à alteração de nome e sexo no registro, independentemente de prévia realização de cirurgia de transgenitalização.” (grifamos)

Acórdão 1125834, unânime, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 19/9/2018. 

Retorno ao nome de solteira após o divórcio – ocorrência de evidente prejuízo

“3. O art. 1.571, §2º, do Código Civil prevê a possibilidade de que, após a decretação do divórcio, o cônjuge mantenha o nome de casado ou volte a adotar seu nome de solteiro, por tratar-se de um direito da personalidade (art. 16/CC). Evidenciado o prejuízo na retirada do sobrenome, em razão da distinção com o nome do filho e a ausência de prova de culpa pela separação, o que a afasta a possibilidade de ser impor a retomada do nome de solteira à ex-nubente.”

Acórdão 1080024, unânime, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 7/3/2018.

  • STJ 

Retificação de nome - duplicação de consoante inserta no apelido de família - pretendida conciliação entre assinatura artística e nome registral - princípio da imutabilidade relativa - caráter excepcional e de justo motivo - ausência - prejuízo a apelido de família

"Hipótese: trata-se de pedido de alteração de patronímico de família, com a duplicação de uma consoante, a fim de adequar o nome registral àquele utilizado como assinatura artística.

1.Atualmente, ante o feixe de proteção que irradia do texto constitucional, inferido a partir da tutela à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CRFB/88), o direito ao nome traduz-se como uma de suas hipóteses de materialização/exteriorização e abrange a garantia ao livre desenvolvimento da personalidade, devendo refletir o modo como o indivíduo se apresenta e é visto no âmbito social. Todavia, embora calcado essencialmente na tutela do indivíduo, há uma inegável dimensão pública a indicar que, associado ao direito ao nome, encontra-se o interesse social na determinação da referida identidade e procedência familiar, especificamente sob a perspectiva daqueles que possam vir a ter relações jurídicas com o seu titular. 2. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro, de modo que o nome civil, conforme as regras insertas nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado: a) no primeiro ano após o alcance da maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família; ou b) ultrapassado esse prazo, excepcionalmente, por justo motivo, mediante oitiva do representante do Ministério Público e apreciação judicial. (...)2.3 Na hipótese dos autos, a modificação pretendida altera a própria grafia do apelido de família e, assim, consubstancia violação à regra registral concernente à preservação do sobrenome, calcada em sua função indicativa da estirpe familiar, questão que alcança os lindes do interesse público. Ademais, tão-somente a discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração pretendida. 3.O nome do autor de obra de arte, lançado por ele nos trabalhos que executa (telas, painéis, etc), pode ser neles grafado nos moldes que bem desejar, sem que tal prática importe em consequência alguma ao autor ou a terceiros, pois se trata de uma opção de cunho absolutamente subjetivo, sem impedimento de qualquer ordem. Todavia, a utilização de nome de família, de modo geral, que extrapole o objeto criado pelo artista, com acréscimo de letras que não constam do registro original, não para sanar equívoco, mas para atender a desejo pessoal, não está elencado pela lei a render ensejo à modificação do assento de nascimento." 

REsp 1.729.402/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 1/2/2022.

Atribuição de nome a filho – acréscimo de prenome de forma unilateral pelo pai  – inadmissão da autotutela – exercício abusivo do poder familiar – motivação suficiente para exclusão do prenome indevidamente acrescido

“2- O propósito recursal é definir se é admissível a exclusão de prenome da criança na hipótese em que o pai informou, perante o cartório de registro civil, nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos genitores.

3- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.

4- Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.

5- Nomear o filho é típico ato de exercício do poder familiar, que pressupõe bilateralidade, salvo na falta ou impedimento de um dos pais, e consensualidade, ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual desacordo entre eles, inadmitindo-se, na hipótese, a autotutela.

6- O ato do pai que, conscientemente, desrespeita o consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser de dado ao filho, acrescendo prenome de forma unilateral por ocasião do registro civil, além de violar os deveres de lealdade e de boa-fé, configura ato ilícito e exercício abusivo do poder familiar, sendo motivação bastante para autorizar a exclusão do prenome indevidamente atribuído à criança que completará 04 anos em 26/05/2021 e que é fruto de um namoro que se rompeu logo após o seu nascimento.

7- É irrelevante apurar se o acréscimo unilateralmente promovido pelo genitor por ocasião do registro civil da criança ocorreu por má-fé, com intuito de vingança ou com o propósito de, pela prole, atingir à genitora, circunstâncias que, se porventura verificadas, apenas servirão para qualificar negativamente a referida conduta."

REsp 1.905.614/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 6/5/2021.

  • STF

 Repercussão Geral

Tema 761 –

1 – O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa.

2 – Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo “transgênero”.

3 – Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial.

4 – Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.