Prisão domiciliar humanitária - conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o interesse público
Constituição Federal
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
Código de Processo Penal
“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.”
Destaques
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TJDFT
Concessão de regime domiciliar – imprescindibilidade da presidiária – assistência ao irmão portador de necessidades especiais com saúde debilitada
“3. No caso concreto, tenho que restou evidenciada situação excepcional, uma vez demonstrado que a agravante é a única pessoa que poderá prestar assistência ao irmão portador de necessidades especiais e saúde debilitada, o qual demanda cuidados contínuos em tempo integral. 4. Embora a agravante se encontre reclusa no regime semiaberto, a situação de excepcionalidade evidenciada nos autos, enseja a concessão de prisão domiciliar humanitária, lastreada no princípio da dignidade da pessoa humana.” (grifamos)
Acórdão 1253041, 07069536920208070000, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 28/5/2020, publicado no PJe: 9/6/2020.
Suspensão da prisão civil por dívida de natureza alimentar durante situação de emergência em saúde pública – aparente conflito entre o direito à vida, à integridade e à saúde do alimentante e o direito à subsistência do alimentando
“7. Em que pese a eventual colisão de interesses legítimos e igualmente protegidos pela ordem constitucional - o direito à vida, saúde e integridade física do indivíduo, mesmo quando privado da liberdade - e de outro o interesse legítimo do filho - a paternidade responsável, a percepção da prestação alimentícia como recurso mínimo necessário à garantia de sua subsistência e dignidade - deve-se, dentro do juízo de ponderação, primar pela proteção do direito básico à vida e à saúde, até porque restarão assegurados igualmente os interesses dos alimentandos, seja quanto à fonte de custeio para sua sobrevivência, como o crédito já constituído não sofrerá qualquer abalo no que se refere à sua existência e exigibilidade. 8. A prisão civil dos devedores de alimentos não configura pena, mas tão somente meio coercitivo para o cumprimento de obrigação de natureza alimentar e a fim de garantir o sustento daqueles que dele dependem. Daí mais uma razão para se separar o joio do trigo, pois a medida coercitiva não deve acarretar ou causar mal além do necessário para compelir o cumprimento da prestação civil. 9. Dadas as proporções e magnitude de cada um dos direitos em conflito, o interesse do credor ao pagamento de prestação alimentar não pode se sobrepor à saúde e integridade do devedor, com mais razão se considerado o risco eventual de irreversibilidade do dano, na hipótese de contaminação dos presos e o desenvolvimento do quadro infeccioso mais grave.”
Acórdão 1252426, 07067779020208070000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 3/6/2020, publicado no PJe: 26/6/2020.
Manutenção da prisão no regime semiaberto – existência de risco de exposição da sociedade à contaminação pelo coronavírus
“Não cabe, na espécie, progressão antecipada para o regime aberto ou concessão de prisão domiciliar com base somente na questão humanitária e sanitária.(...). No atual cenário de pandemia os riscos de contaminação da população de modo geral são elevados e não seria diferente dentro das penitenciárias, mas é importante destacar que as providências adotadas pelas autoridades públicas se mostram eficientes para a contenção da doença nos estabelecimentos prisionais do Distrito Federal, revelando a devida preocupação com a saúde dos presos. (...) Aliás, a soltura desenfreada de presos teria duplo efeito negativo, o aumento da criminalidade e a exposição de maior número de pessoas ao risco de contaminação pelo coronavírus, sendo difícil crer que aqueles que infringiram de forma grave a lei penal atendam às recomendações das autoridades e se mantenham em isolamento social.”
Acórdão 1248134, 07095111420208070000, Relator: MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 7/5/2020, publicado no DJE: 19/5/2020.
Concessão de prisão domiciliar humanitária – presidiária com filho menor de doze anos – princípio da integral proteção à infância
“1. O artigo 117 da LEP dispõe que a prisão domiciliar humanitária consiste em benefício que somente pode ser deferido aos condenados que estejam cumprindo pena em regime aberto. No entanto, a jurisprudência pátria vem abrandando o rigor imposto pela norma legal e admitindo a concessão da prisão domiciliar humanitária aos condenados em regime fechado e semiaberto, em situação excepcional de grave ameaça à dignidade humana. 2. A prisão domiciliar para a apenada, que é primária, foi condenada pela prática de crime sem violência ou grave ameaça (tráfico de drogas) e possui filho menor de 12 (doze) anos de idade funda-se no inciso II do pedido de providências n. 0007891-31.2018.8.07.0015 da VEP/DF e prestigia o princípio da integral proteção à infância.” (grifamos)
Acórdão 1216047, 07174013820198070000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 7/11/2019, publicado no DJE: 20/11/2019
Concessão da prisão domiciliar humanitária – preso com insuficiência cardíaca grave – observância do princípio da dignidade da pessoa humana
“2. Trata-se de agravante acometido de doença grave, cardiopatia de origem chagásica, o qual foi incluído em fila de espera para transplante do coração. (...) Diante do grave estado de saúde do apenado, prudente o deferimento da prisão domiciliar humanitária nos termos do art. 117 da LEP. 3. (...) Tendo em vista o elevado risco de eventos cardíacos graves que a doença do agravante provoca, tem-se que a ausência do exame e do acompanhamento psicológico em grupo de apoio decorrente da mora do Estado não pode ser considerado mais relevante que a situação extraordinária de grave estado de saúde do apenado, em atenção ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.” (grifamos)
Acórdão 1205917, 07099730520198070000, Relatora: MARIA IVATÔNIA, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 3/10/2019, publicado no DJE: 11/10/2019.
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STJ
Substituição da custódia preventiva por medidas cautelares alternativas – direito à prisão domiciliar por presidiária com filho menor
“ 3. Haja vista o perigo de utilização do art. 318-A do CPP para, ao contrário da vontade clara da lei, manter a segregação cautelar de mulheres pela sua condição própria de mãe, sem observar se ela teria o direito à liberdade direta ante a ausência do preenchimento dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, ou, se presentes, ante a possibilidade de substituição da cautela extrema por alguma das providências indicadas no art. 319 do CPP. 4. Sempre que o art. 319 for mais favorável, isto é, quando for possível, diante do caso concreto, a imposição de medida cautelar menos restritiva que a prisão domiciliar, deverá ser esta a opção hermenêutica a se adotar, em benefício da maior proteção à criança.” HC 113778/RS
Concessão da prisão domiciliar – preso portador de moléstia grave
“Conforme consignado no HC n.º 402.488/SP, cuja ordem foi anteriormente concedida por este Superior Tribunal de Justiça, o Paciente possui idade avançada e é portador de moléstia grave, não possuindo o estabelecimento prisional estrutura para os cuidados específicos e continuados de que necessita, o que enseja a concessão da prisão domiciliar como medida humanitária.2. Esta Corte Superior, interpretando o art. 117 da Lei n.º7.210/1984, tem entendido pela possibilidade do deferimento da prisão domiciliar aos apenados que se encontrem em regimes semiaberto e fechado, quando as circunstâncias do caso recomendam a concessão da benesse.”(grifamos) HC 462.147/SP
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STF
Conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar humanitária – paciente submetido a cirurgia para remoção de câncer – dignidade da pessoa humana e preservação da integridade física e moral dos presos cautelares
“3. Consoante dicção do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, é admitida a concessão de prisão domiciliar ao preso preventivo extremamente debilitado por motivo de doença grave. 4. A jurisprudência da Corte, à luz do parágrafo único do art. 318 da lei processual em questão, afirma ser indispensável a demonstração cabal de que o tratamento médico de que necessita o custodiado não possa ser prestado no local da prisão ou em estabelecimento hospitalar.(...) 6. Em vista do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), revela-se excessivo e desproporcional aguardar que o paciente, recém operado de um câncer, alcance o quadro de extrema debilidade em face das condições prisionais inadequadas. 7. A Corte já se pronunciou no sentido de que a “preservação da integridade física e moral dos presos cautelares e dos condenados em geral traduz indeclinável dever que a Lei Fundamental da República impõe ao Poder Público em cláusula que constitui projeção concretizadora do princípio da essencial dignidade da pessoa humana, que representa um dos fundamentos estruturantes do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III, c/c o art. 5º, XLIX)” (RHC nº 94.358/SC, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 19/3/14). 8. Hipótese extraordinária autorizadora da medida cautelar excepcional.” HC 153961/DF
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