Audiência de apresentação – obrigatoriedade – interrogatório ao final da instrução processual – ato infracional
Tema criado em 3/6/2024.
“1. As normas do Código de Processo Penal são aplicadas, de forma subsidiária, no rito de apuração da prática de ato infracional, por força do art. 152 do ECA, e, sob essa ótica, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o HC 769197/RJ convalidou o entendimento já exarado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC 127900/AM, no sentido de que deve ser realizado o interrogatório do menor infrator ao final da instrução, nos moldes do art. 400 do CPP. 2. Com esse entendimento, não foi intenção do Superior Tribunal de Justiça suprimir a realização da audiência de apresentação, que é o momento em que o adolescente é ouvido e são conhecidas suas condições familiares, sociais e pessoais, assim como é realizado o primeiro contato com o seu defensor e é avaliada a possibilidade de remissão. 3. A supressão do referido ato na apuração do ato infracional reduz direitos e garantias, bem como afronta os princípios da proteção integral do adolescente e da excepcionalidade da intervenção judicial, nos moldes do art. 126 do ECA e do art. 35, II, da Lei do SINASE.”
Acórdão 1837762, 07512549620238070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 25/3/2024, publicado no PJe: 12/4/2024.
Trecho de acórdão
"Há, como visto, previsão expressa de realização inicial da audiência de apresentação, momento em que será decidido, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação; será concedida a remissão, se o caso; abrindo-se prazo, na sequência, para a apresentação de defesa preliminar.
Em tal etapa processual, todavia, é vedada a realização do interrogatório do representado, por aplicação da regra prevista no artigo 400, do Código de Processo Penal, consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, e trilhado pelo Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se ementas dos julgados paradigmas:
(...)
Ao que se colhe dos arestos, a determinação de realização do interrogatório do representado apenas quando finda a instrução não conduziu à eliminação da audiência de apresentação. Ao contrário, a orientação ‘a’ da ementa do HC nº 769.197/RJ, julgado pela Terceira Seção do Tribunal da Cidadania, expressamente indica a necessidade de realização da audiência de apresentação após o recebimento da representação, e a leitura do inteiro teor do voto condutor revela o prestígio conferido a esta etapa procedimental:
'É importante ressaltar que o art. 184 do CPP - que trata de iniciativa semelhante à apresentação do preso em audiência de custódia (e não de interrogatório como meio de prova) - não pode ser afastado. Primeiro, porque o dispositivo não foi declarado inconstitucional em controle concentrado, com eficácia erga omnes. Segundo, porquanto o preceito traz providência que se caracteriza como uma diversion, instituto traduzido para remissão no nosso ordenamento, recomendado nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing) com o propósito de evitar, quando possível, um processo nocivo e estigmatizante ao menor. O sucesso da intervenção estatal depende desse primeiro contato do Juiz com o adolescente, pois a substituição do processo normal, com a adoção de alternativas construtivas ao representado, pode ser a melhor solução ao caso concreto. A remissão concedida pelo Juiz, após o oferecimento da representação, importará na suspensão ou na extinção do processo, razão pela qual deve ser prestigiada e mantida a audiência de apresentação do adolescente, nos termos do art. 184 do ECA, que não dispõe sobre produção probatória. Eventual assunção de culpa, durante o ato, é similar ao conteúdo de confissão extrajudicial perante autoridade policial ou ministerial, sem aptidão para, per se, subsidiar a procedência da ação. (grifos no original)’
Analisadas as repercussões práticas do ato, não se pode olvidar que a supressão da audiência de apresentação é apta a ocasionar prejuízo à ampla defesa do adolescente, pois nela ocorre um primeiro contato do representado com a autoridade judiciária, que poderá, inclusive, conceder a remissão judicial, além de ouvir o jovem e seus familiares, concretizando os princípios da intervenção precoce e da atualidade (artigo 100, incisos VI e VIII, do ECA). Há contato também inicial entre o representado e a sua Defesa, que terá a oportunidade de orientá-lo adequadamente sobre a instrução processual, em atenção ao princípio da obrigatoriedade da informação (artigo 100, inciso XI, do ECA); além do que é o marco inaugural para o oferecimento da defesa preliminar, cujo conteúdo pode ser substancialmente agregado com informações amealhadas pela Defesa durante a audiência.
Nesse descortino, o que se observa é que a audiência de apresentação concretiza o direito de defesa do adolescente submetido ao processo de apuração de ato infracional, em harmonia com os preceitos protetivos que lhe são assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 3º e 4º, e pela Constituição Federal - artigo 227).
Em reforço, friso que esta Casa, em precedentes recentes, decidiu pela necessidade de realização da audiência de apresentação, enfatizando que a realização do interrogatório deve ocorrer quando finda a instrução:
(...)
Por tais razões, e considerando que os procedimentos do Sistema de Justiça Juvenil devem ser interpretados sob um viés protetivo e pedagógico, importa que o recurso da Defesa seja provido."
Acórdão 1841211, 07523712520238070000, Relator: ESDRAS NEVES, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/4/2024, publicado no PJe: 15/4/2024.
Recurso repetitivo
Tema 1114 do STJ – "O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu."
Acórdãos representativos
Acórdão 1842420, 07516697920238070000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/4/2024, publicado no DJe: 16/4/2024;
Acórdão 1841704, 07528606220238070000, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/4/2024, publicado no PJe: 12/4/2024;
Acórdão 1841324, 07537258520238070000, Relatora: GISLENE PINHEIRO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/4/2024, publicado no PJe: 12/4/2024;
Acórdão 1837948, 07535119420238070000, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 25/3/2024, publicado no PJe: 9/4/2024;
Acórdão 1828866, 07524630320238070000, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 7/3/2024, publicado no PJe: 21/3/2024;
Acórdão 1828114, 07527956720238070000, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 7/3/2024, publicado no PJe: 16/3/2024.
Destaques
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TJDFT
Audiências de apresentação e de instrução e julgamento – procedimentos distintos
"1. O rito especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), inspirado na doutrina da proteção integral, prevê a realização de duas audiências com propósitos distintos: a audiência de apresentação, em que são colhidas informações pessoais, familiares, educacionais e sociais do adolescente, com a possibilidade de concessão de remissão na fase inicial do procedimento, e a audiência em continuação (instrução e julgamento). 2. Conforme orientação da Suprema Corte (HC 127.900/AM), o art. 400 do CPP aplica-se a todos os procedimentos criminais regidos por legislação especial, de sorte que o menor, alvo de representação por ato infracional, também tem o direito de ter seu interrogatório como o último ato da instrução processual, efetivando-se, assim, os princípios constitucionais da ampla e defesa e do contraditório. 3. Imperativa a realização da audiência de apresentação à luz do art. 184 do Estatuto da Criança e do Adolescente e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (HC n. 769.197/RJ, Terceira Seção), pois a designação de audiência una viola princípios inerentes ao processo infanto-juvenil. Ademais, não há qualquer orientação jurisprudencial no sentido de suprimir a audiência inicial."
Acórdão 1823632, 07527670220238070000, Relatora: SIMONE LUCINDO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 29/2/2024, publicado no PJe: 12/3/2024.
Possibilidade de audiência una – observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa – ausência de prova de prejuízo
"1. Nos termos da jurisprudência do STJ, é vedada atividade probatória na audiência de apresentação e deve ser aplicado, de forma supletiva, o art. 400 do CPP ao procedimento especial de apuração do ato infracional, garantindo ao adolescente o interrogatório judicial ao final da instrução, perante o Juiz competente, depois de ter ciência do acervo probatório produzido em seu desfavor. 2. Na apuração de ato infracional, a realização de audiência una (apresentação e em continuação), por si só, não tem o condão de gerar nulidade do ato processual se não restar demonstrado prejuízo. Precedentes do STJ."
Acórdão 1789605, 07420060920238070000, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/11/2023, publicado no PJe: 12/12/2023.
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STJ
Impossibilidade de tratamento mais gravoso ao menor infrator – inversão dos atos instrutórios – nulidade
"1. O Supremo Tribunal Federal tem aplicado ao procedimento especial de apuração de ato infracional a orientação firmada no HC 127.900/AM, sob o fundamento de que o art. 400 do Código de Processo Penal possibilita ao representado exercer de modo mais eficaz a sua defesa e, por essa razão, em uma aplicação sistemática do direito, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído no art. 184 da Lei n. 8.069/1990 (AgRg no HC n. 772.228/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 9/3/2023). 2. Diante disso, a Terceira Seção desta Corte novamente debruçou-se sobre o tema e firmou entendimento no sentido de que como não é possível se defender de algo que não se sabe, o interrogatório deve ser realizado nos moldes do art. 400 do CPP, como último ato instrutório, de forma que o menor de 18 anos deve ser ouvido após a instrução probatória, pois não pode receber tratamento mais gravoso do que aquele conferido ao adulto. Tal entendimento, porém, não afasta o dever da defesa de apontar, em momento processual oportuno, quando o prejuízo à parte é identificável por mero raciocínio jurídico, por inobservância do direito à autodefesa. Como enfatizado no referido precedente, a alegação de cerceamento do direito, como mera estratégia de invalidação da sentença, muito tempo depois de finalizada a relação processual, revela comportamento contraditório (HC n. 769.197/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/6/2023, DJe de 21/6/2023). 3. No caso concreto, já na sentença ficou consignado que a parte suscitou a apontada nulidade, sob o argumento de que houve a inversão dos atos instrutórios, já que o adolescente foi ouvido antes da instrução processual. Assim, a tese não foi alcançada pela preclusão e o prejuízo à autodefesa está caracterizado."
AgRg no HC 871.221/SC, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024.
Veja também
Contraditório e ampla defesa – devido processo legal – processo judicial e administrativo
Tema 1114 do STJ – Interrogatório do réu - ordem do artigo 400 do CPP
Referências
Arts. 126, 184 e 186 da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente;