Desconsideração inversa da personalidade jurídica – abuso da personalidade
Tema criado em 30/9/2021.
“3. A desconsideração inversa ou invertida torna possível responsabilizar a empresa pelas dívidas contraídas por seus sócios e tem como requisito o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial (CPC, art. 133, § 2º; CC, art. 50). 4. Trata-se de medida excepcional, cabível quando se comprova que o devedor (pessoa física) utilizou-se indevidamente da pessoa jurídica para resguardar bens e valores de seu acervo pessoal, a fim de esquivar-se de seus compromissos financeiros.”
Acórdão 1367498, 07200527220218070000, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 26/8/2021, publicado no DJE: 9/9/2021.
Trecho de acórdão
“A Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica foi adotada expressamente pelo Código Civil Brasileiro de 2002, com alteração dada pela Lei 13.874/2019, ao consagrar a possibilidade de atingir bens de pessoa jurídica diversa da relação processual quando o devedor principal formalmente transfere bens para esta para se esquivar da sua obrigação material.
(...)
A abalizada doutrina preconiza que:
Para a hipótese de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o caput do art. 50 do Código Civil prescreve que os efeitos de determinadas obrigações da pessoa jurídica sejam estendidos aos bens particulares de seus integrantes. Já o § 3º, introduzido pela Lei 13.874/2019, consagra a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, cujo cabimento era reconhecido havia muito tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.
Nessa última modalidade, a desconsideração revela-se útil quando o devedor, para esquivar-se de seus credores, formalmente transfere seus bens particulares a pessoa jurídica sob seu controle direto ou indireto. Em tais casos, a extensão dos efeitos da obrigação do sujeito devedor à pessoa jurídica por ele controlada frustra a manobra fraudulenta, pois permite que o credor se satisfaça à custa do patrimônio social. Curiosamente, uma das primeiras ocorrências de desconsideração da personalidade jurídica já relatadas deu-se na modalidade inversa. Trata-se do caso First National Bank of Chicago v. Trebein Company, julgado em 1898. Para evitar que seu patrimônio fosse consumido por suas dívidas, F.C. Trebein constituiu, com quatro familiares, a empresa Trebein Company, transferindo-lhe todos os seus bens. No entanto, seus credores acusaram a manobra e afirmaram em juízo que a companhia havia sido criada com o propósito de defraudá-los. O argumento foi acolhido pela Suprema Corte de Ohio, que considerou a empresa responsável pelo pagamento das dívidas de F. C. Trebein.
(...)
Com efeito, o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica, medida excepcional, autoriza o juiz atingir episodicamente a personalidade da pessoa jurídica diversa da relação processual, para que haja a reparação do dano causado ao credor.
Entretanto, essa medida apenas encontra justificativa quando o executado, para fraudar a execução ou furta-se da sua obrigação patrimonial perante os seus credores, formalmente transfere suas propriedades ou seus bens a pessoa jurídica sob seu controle direto ou indireto.
Busca-se, desse modo, impedir qualquer ato fraudulento praticado pelo devedor, que prejudique os direitos de terceiro, devendo ser deferida mediante prova robusta da existência de abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre os bens do devedor e a sociedade a ser atingida.”
Acórdão 1352316, 07024532320218070000, Relator: LEILA ARLANCH, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 30/6/2021, publicado no DJE: 23/7/2021.
Acórdãos representativos
Acórdão 1373888, 07210989620218070000, Relator: JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 22/9/2021, publicado no DJE: 6/10/2021;
Acórdão 1369383, 07130236820218070000, Relator: GISLENE PINHEIRO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 1/9/2021, publicado no DJE: 16/9/2021;
Acórdão 1367951, 07024662220218070000, Relator: FERNANDO HABIBE, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 26/8/2021, publicado no DJE: 10/9/2021;
Acórdão 1366757, 07201627120218070000, Relator: ANGELO PASSARELI, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 25/8/2021, publicado no DJE: 9/9/2021;
Acórdão 1364076, 07140481920218070000, Relator: TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2021, publicado no DJE: 2/9/2021.
Destaques
-
TJDFT
Limitação da personalidade jurídica inversa – prejuízo aos demais sócios – direito de regresso
“3. Desconsiderada a personalidade jurídica de forma inversa, a sociedade empresária torna-se responsável pela satisfação da integralidade do débito, de forma solidária com os sócios, carecendo de lastro legal a limitação da sua responsabilidade ao percentual de participação do executado na empresa que teve a sua personalidade jurídica desconsiderada. 4. O artigo 50 do CC não estabelece qualquer distinção acerca da responsabilidade dos sócios, especialmente, no tocante às cotas sociais de cada um ou do grau de participação no desvirtuamento da personalidade jurídica. Essas são questões internas relacionadas aos sócios que não devem interferir nos efeitos decorrentes da desconsideração inversa da personalidade jurídica. O sócio que eventualmente se sentir prejudicado poderá aviar ação regressiva.”
Acórdão 1367147, 07184521620218070000, Relator: DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 25/8/2021, publicado no DJE: 10/9/2021.
Instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – impossibilidade de indeferimento liminar
“2. Depois de instaurado o incidente, deve o juiz citar o sócio ou a pessoa jurídica para se manifestar e exercer o contraditório e a ampla defesa. Somente quando finalizada a fase instrutória, é que o magistrado resolverá o incidente por decisão interlocutória, razão pela qual se mostra cabível o deferimento da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ante a impossibilidade de seu indeferimento liminar.”
Acórdão 1369155, 07174276520218070000, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 31/8/2021, publicado no DJE: 20/9/2021.
Empresário individual – impossibilidade de desconsideração da personalidade jurídica
O empresário individual não se confunde com empresa individual de responsabilidade limitada - EIRELI. O primeiro é pessoa física que exerce empresa profissionalmente (CCB 966), respondendo direta e ilimitadamente pelas obrigações empresariais, de modo que não há distinção entre pessoa física e jurídica, não havendo que cogitar em instauração de incidente de desconsideração
Acórdão 1358938, 07079940820198070000, Relator: FERNANDO HABIBE, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 4/8/2021, publicado no DJE: 10/8/2021.
Desconsideração inversa da personalidade jurídica – Teoria menor – obstáculo à pretensão do consumidor
2 - Tratando-se de relação regida pelo Código de Defesa do Consumidor, é cabível, segundo a Teoria Menor, a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que esta, no caso concreto, configurar obstáculo à satisfação da pretensão da parte consumidora (CPC, art. 113, § 2º, c/c art. 28, § 5º, do CDC).
Acórdão 1326776, 07463599720208070000, Relator: ANGELO PASSARELI, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 17/3/2021, publicado no DJE: 30/3/2021.
Desconsideração inversa da personalidade jurídica – ilegitimidade recursal do sócio
“1. Não detém legitimidade nem interesse recursal o sócio, quanto à decisão que defere o pedido de desconsideração inversa da personalidade jurídica em cumprimento de sentença contra ele ajuizado.”
Acórdão 1293195, 07049877120208070000, Relator: SÉRGIO ROCHA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 15/10/2020, publicado no DJE: 9/11/2020.
-
STJ
Utilização fraudulenta de sociedade empresária – sonegação de bens da meação – possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica
“3. ‘A jurisprudência desta Corte admite a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica toda vez que um dos cônjuges ou companheiros utilizar-se da sociedade empresária que detém controle, ou de interposta pessoa física, com a intenção de retirar do outro consorte ou companheiro direitos provenientes da relação conjugal.’ (REsp 1522142/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 22/06/2017).” AgInt no AREsp 1243409 / PR
Veja Também
Incidente de desconsideração da personalidade jurídica – procedimento