Violência doméstica e injúria racial – menção à cor da pele para atingir a honra subjetiva da mulher

última modificação: 2022-04-28T15:45:27-03:00

Tema atualizado em 9/11/2020.

A proclamação de insultos em ambiente familiar com o claro propósito de aviltar e de atingir a honra subjetiva da mulher, mediante referências preconceituosas à cor da pele e a elementos característicos de determinada raça como forma de intensificação da ofensa, constitui injúria racial em contexto de violência doméstica. 

Trechos de acórdãos

“(...) Em relação ao crime de injúria qualificada, à luz do artigo 140, § 3º, do Código Penal, o elemento subjetivo do referido tipo é o dolo de injuriar, o qual consiste na vontade livre e consciente de ofender a honra subjetiva de outrem, valendo-se de elementos como 'raça', 'cor', 'etnia', 'religião' ou 'origem'... No caso dos autos, os relatos da vítima são firmes e coesos no sentido de que o acusado, com a finalidade de ofender a companheira, por meio de xingamentos atinentes à sua raça e cor, diariamente a chama de 'negra burra', 'negra safada', 'negra porca', 'negra imunda' e 'negra sebosa', dentre outros. As provas angariadas nos autos, sobretudo as declarações da vítima e da filha do casal, que muitas vezes presenciou o pai ofendendo a mãe com os adjetivos preconceituosos acima descritos, permitem juízo seguro de que a ofendida de fato foi injuriada, com a utilização de elementos referentes à raça e cor. Assim, não subsiste o pedido de desclassificação para a forma simples do crime... Assim, constato que o réu efetivamente ofendeu a dignidade e o decoro da vítima, por meio de palavras referentes à raça e cor, bem como a ameaçou de morte por disparo de arma de fogo, causando-lhe grande temor em relação ao acusado."  (grifamos)

Acórdão 1243291, 00037082720168070002, Relator Des. WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 16/4/2020, publicado no PJe: 26/4/2020.

“(...) O fato de o réu chamar criança de menos de um ano de idade de 'neguinha safada', demonstra, de forma inequívoca, o dolo específico de aviltar e afetar a honra subjetiva da vítima em virtude da cor de sua pele, restando, por conseguinte, caracterizado o crime do art. 140, § 3º, do CP. Descabido deixar de aplicar a pena com fundamento no art. 140, § 1º, I, do CP, vez que não se pode admitir que criança menor de um ano de idade possa provocar injúria. As provas demonstram que o réu ofendeu a integridade física da primeira vítima - sua ex-companheira - e utilizou elementos referentes à raça e à cor da segunda vítima - filha da primeira - com a intenção de injuriá-la." 

Acórdão 1198956, 20170910120150APR, Relator Des. JAIR SOARES,  Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 5/9/2019, publicado no DJe: 9/9/2019.

Acórdãos representativos

Acórdão 1242208, 00039049420168070002, Relatora: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 2/4/2020, publicado no PJe: 21/4/2020;

Acórdão 1239285, 00024836920168070002, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 19/3/2020, publicado no PJe: 13/4/2020;

Acórdão 1211055, 00059238520178070019, Relator: GEORGE LOPES, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 17/10/2019, publicado no PJe: 25/10/2019.

Destaques

  • TJDFT

Arquivamento parcial de inquérito - apuração de crime conexo (injúria racial) não praticado em contexto de violência doméstica – declínio de competência

 "(...) Na hipótese dos autos, o alegado erro de procedimento consistiria na negativa de análise ao pedido de declaração de incompetência do Juízo especializado, para onde os autos do inquérito policial foram originalmente distribuídos, em razão da constatação de que, após a promoção de arquivamento do delito atinente ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os crimes remanescentes, atraídos por conexão, não se enquadrariam no regramento da Lei Maria da Penha. Razão assiste ao Juízo Reclamante. O inquérito foi originalmente distribuído ao Juízo Reclamado porque havia delito em contexto de violência doméstica contra a mulher a ser apurado, além de crimes conexos. Ocorre que o feito em relação ao crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica foi arquivado, por ausência de justa causa para a persecução penal, mas restou mantida a apuração dos crimes remanescentes (lesão corporal e injúria racial), não praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja-se que, firmada a competência inicial do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, mas, posteriormente, promovido o arquivamento em relação ao crime de sua competência, deve o Juízo declinar da competência e, por decorrência lógica do exercício da jurisdição, determinar a remessa e distribuição do feito a uma das varas criminais da localidade, para apuração dos delitos remanescentes". (grifamos)

Acórdão 1245261, 07002104320208070000, Relator: CRUZ MACEDO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 4/5/2020.

Crime de injúria racial no contexto de violência doméstica – agressor negro – irrelevância para a tipicidade da conduta

“(...) Insta registrar que, para a caracterização do delito de injúria preconceituosa, além do dolo de injuriar e ofender a honra subjetiva do ofendido, necessária a presença do elemento subjetivo específico de discriminar o ofendido em razão de sua raça, cor, etnia ou origem. Assim, o fato de o réu ser negro não tem relevância se comprovado que sua intenção era a de atingir a estima própria da ofendida, o que ocorreu no caso em comento. (...) Verifica-se, ainda, que restou demonstrada, na conduta do recorrente, a presença do elemento subjetivo especial do tipo, constituído pelo especial fim de discriminar a ofendida em razão de sua cor, pois inegavelmente o réu tinha consciência de que suas expressões potencializariam o resultado dos insultos perpetrados. (...) Assim, entendo comprovado nos autos, com a necessária segurança, o inequívoco propósito do réu de atingir a honra subjetiva da vítima em razão da cor da pele, configurando a injúria racial, não prosperando a tese defensiva. (...) Impende ressaltar que nos crimes praticados em situação de violência doméstica contra a mulher, a palavra da vítima tem especial relevo, especialmente quando a ofendida narra os fatos ocorridos de forma coerente e harmônica nas oportunidades em que é ouvida, como ocorre no presente caso, principalmente se em consonância com outros elementos de prova." (grifamos)

Acórdão 1185792, 20160210029576APR, Relatora Desª. NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 11/7/2019, publicado no DJe: 17/7/2019.

  • STJ

Conflito de competência – sobrestamento da marcha processual – excesso de prazo não caracterizado

"(...) De início, os autos foram distribuídos ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher desta Circunscrição Judiciária. No dia 29 de agosto de 2016, o Ministério Público denunciou o paciente pela prática do crime tipificado no art. 140, § 3º, do Código Penal e pelo art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/41, c/c o art. 5º I, II e III da Lei 11.340/2006. No dia 9 de setembro de 2016, a magistrada atuante no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Recanto das emas proferiu decisão declinando da competência em favor deste juízo da Vara Criminal e Tribunal do Júri do Recanto das Emas, ao fundamento de que a violência em apuração nos autos não era fruto da fragilidade ou hipossuficiência provenientes de gênero. (...) Convém lembrar que os prazos processuais não devem ser considerados segundo estrito critério aritmético, mas consoante as peculiaridades do caso concreto. É o que se observa na espécie, em que a suscitação do incidente do Conflito Negativo de Jurisdição implicou o sobrestamento da marcha processual, até que a Câmara Criminal resolva a competência do Juízo para prosseguir com a ação penal já promovida pelo Ministério Público (fl. 89, destaquei). (...)  Sob essas premissas, verifico que se mostram suficientes as razões invocadas na instância de origem para embasar a ordem de prisão do ora recorrente, porquanto contextualizaram, em dados concretos dos autos, a necessidade cautelar de sua segregação. Com efeito, não se depreende o apontado excesso de prazo das razões apresentadas pelo Tribunal local no acórdão impugnado." (grifamos)  RHC 79468/DF

Referências

Artigo 140, § 3º, do Código Penal;

Artigos 5º e 7º da Lei 11.340/2006.