Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Violência doméstica contra irmã - aplicação da Lei Maria da Penha

última modificação: 25/06/2025 16h11

Pesquisa disponibilizada em 11/6/2025. 

Responda ao Quiz sobre esse tema 

A Lei Maria da Penha é aplicável à violência praticada por irmão contra irmã, quando presente a motivação de gênero. 

Trecho de ementa

"4. Para a incidência da Lei Maria da Penha é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra de ação ou omissão baseada no gênero, no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto, tendo como consequência morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial.
5. O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o espírito protetivo da Lei n. 11.340/2006, consolidou-se no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, em todas as relações previstas no seu art. 5º.
6. Ao positivar o entendimento jurisprudencial acerca da presunção de vulnerabilidade da mulher, o legislador pátrio, recentemente, por meio da edição da Lei n. 14.550/2023, inseriu o art. 40-A à Lei Maria da Penha, in verbis: “esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida”. 
7. Nos autos, a agressão física à vítima mulher ocorreu em sua residência, por seu irmão, havendo indícios de motivação relacionada a ciúmes e contexto familiar, o que caracteriza situação de violência doméstica nos moldes do art. 5º, I e II, da Lei nº 11.340/2006."
Acórdão 2006950, 0707287-30.2025.8.07.0000, Relator(a): CRUZ MACEDO, CÂMARA CRIMINAL, data de julgamento: 04/06/2025, publicado no DJe: 18/06/2025.

Súmula

Súmula 600 do STJ - "Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima."

Acórdãos representativos

Acórdão 1995951, 0705966-57.2025.8.07.0000, Relator(a): LEILA ARLANCH, CÂMARA CRIMINAL, data de julgamento: 07/05/2025, publicado no DJe: 20/05/2025; 

Acórdão 1995964, 0708895-63.2025.8.07.0000, Relator(a): ESDRAS NEVES, CÂMARA CRIMINAL, data de julgamento: 07/05/2025, publicado no DJe: 16/05/2025;

Acórdão 1986491, 0752755-51.2024.8.07.0000, Relator(a): ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, CÂMARA CRIMINAL, data de julgamento: 02/04/2025, publicado no DJe: 14/04/2025;

Acórdão 1980917, 0702196-27.2024.8.07.0021, Relator(a): DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, 3ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 20/03/2025, publicado no DJe: 29/03/2025;

Acórdão 1977957, 0702373-20.2025.8.07.0000, Relator(a): JESUINO RISSATO, CÂMARA CRIMINAL, data de julgamento: 12/03/2025, publicado no DJe: 20/03/2025;

Acórdão 1947266, 0703511-27.2023.8.07.0021, Relator(a): SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 21/11/2024, publicado no DJe: 03/12/2024; 

Acórdão 1918433, 0724493-91.2024.8.07.0000, Relator(a): SANDOVAL OLIVEIRA, CÂMARA CRIMINAL, data de julgamento: 04/09/2024, publicado no DJe: 16/09/2024. 

Destaques 

  • TJDFT

Violência entre irmãs - ausência de violência de gênero - inaplicabilidade da Lei Maria da Penha 

"3. A relação de parentesco entre ofensora e vítima, por si só, não justifica a incidência da Lei Maria da Penha, sendo necessário demonstrar que a agressão foi motivada pelo gênero da vítima, em situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência no âmbito das relações domésticas e familiares.
4. No caso concreto, o conflito entre as partes tem origem em assuntos de natureza familiar. Não foram encontrados indícios de vulnerabilidade ou subordinação da vítima em relação à ofensora.
5. A necessidade de motivação baseada no gênero, prevista no caput, do artigo 5º, da Lei nº 11.340/2006, não foi atendida no caso, pois a agressão não se fundamenta em desigualdade estrutural entre as partes."
Acórdão 1968250, 0750715-96.2024.8.07.0000, Relator(a): ESDRAS NEVES, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 13/02/2025, publicado no DJe: 24/02/2025.

  • STJ

Lei Maria da Penha - vulnerabilidade presumida - irmão agressor

"3. A Lei Maria da Penha aplica-se a todas as situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da motivação dos atos de violência. A vulnerabilidade da mulher é presumida nas relações familiares e domésticas (art. 5º, Lei 11.340/2006), conforme entendimento consolidado do STJ e do STF, bem como pela inovação legislativa promovida pela Lei 14.550/2023.
4. No caso, a ameaça ocorreu no contexto de uma relação familiar entre irmãos, em situação de controle e imposição por parte do réu, caracterizando a violência doméstica. O nexo de causalidade entre a relação familiar e o comportamento agressivo do réu justifica a aplicação da Lei Maria da Penha e a competência da Vara Especializada.
5. A alegação de ausência de motivação de gênero não afasta a incidência da Lei 11.340/2006, uma vez que o diploma protetivo tem como objetivo coibir todas as formas de violência contra a mulher no âmbito familiar, sem necessidade de prova específica de subjugação feminina."
AREsp n. 2.457.045/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 26/11/2024, DJEN de 4/12/2024.

Violência doméstica - irmão contra irmã - aplicação da Lei Maria da Penha

"2. Na decisão monocrática ora agravada, consignei estar-se diante de uma situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, praticada por irmão contra irmã. Com efeito, consoante destaquei dos termos do acórdão recorrido, 'o acusado, segundo as declarações da ofendida, atacou-a pelas costas com socos, enquanto ela lavava louça e, depois, apossou-se de uma faca com a intenção de feri-la com o instrumento'.
3. Em que pese o entendimento do Tribunal a quo, a orientação mais condizente com o espírito protetivo da Lei n. 11.340/2006, que restou evidenciada pela inovação legislativa promovida pela Lei n. 14.550/2023 e abraçada pelos precedentes mais recentes desta Corte, é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, em todas as relações previstas no seu art. 5º (no âmbito das relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto).
4. Nesse sentido, o novel art. 40-A da Lei Maria da Penha passou a prever que o diploma protetivo será aplicado "a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida".
5. Na mesma toada, '[o] Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir' (AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022).
6. Assim, denota-se existir situação de violência doméstica e familiar contra a mulher a ser apurada no presente caso, apta a justificar a incidência do diploma protetivo pertinente e da competência da vara especializada, nos termos do art. 5º, I e II, da Lei n. 11.340/2006. Mantida, pois, a decisão agravada que, dando provimento ao recurso especial ministerial, determinou a observância da competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Aparecida de Goiânia/GO para processar e julgar o feito."
AgRg no REsp n. 2.080.317/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024.

Doutrina

"8.3 Sujeito passivo

No que diz com o sujeito passivo – ou seja, a vítima da violência – há a exigência de uma qualidade especial: ser mulher. Assim, lésbicas e transmulheres: transexuais, travestis e intersexuais, que tenham identidade social com o sexo feminino estão sob a égide da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, descabe deixar à margem da proteção legal quem se reconhecem como mulher. Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência.

Não só esposas e companheiras. Também as amantes estão no âmbito de abrangência da violência doméstica como sujeitos passivos. Filhas e netas do agressor, sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente do sexo feminino com quem o agressor tenha um vínculo de natureza familiar dá ensejo à aplicação da lei especial. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu como doméstica a violência contra a cunhada.

Hipótese que tem entretido a doutrina – a ponto de ter sido questionada a constitucionalidade da Lei – é quando são vítimas, na mesma ação, pessoas de diversos sexos. Por exemplo, quando o pai agride simultaneamente uma filha e um filho. Pela agressão à filha, aplicam-se as medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Já pela agressão ao filho, se a lesão for de pequeno potencial ofensivo, estaria ao abrigo dos Juizados Especiais. De qualquer modo, não há como instaurar dois procedimentos. Tal circunstância não pode levar à subsunção de uma prática delitiva à outra. Assim o processo é único e deve tramitar no Juizado da Violência Doméstica. Com relação à vítima masculina, aplica-se a legislação dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Quanto à vítima mulher, incide a Lei Maria da Penha.

Com relação às domésticas, a tendência é reconhecer que estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. Damásio de Jesus faz algumas distinções: a denominada “diarista”, que trabalha apenas um, dois ou três dias por semana, não está protegida pela Lei em razão de sua pouca permanência no local de trabalho. Porém, para aquela que trabalha durante a semana, diariamente, ainda que não more no emprego, a aplicação da Lei está condicionada à sua participação no ambiente familiar. Deve ser observado se ela própria e os membros da família assim a reconhecem. Por fim, a que trabalha e mora na residência da família, desfrutando de uma convivência maior com todos, deve ser considerada um de seus membros, merecendo ser receptora da especial tutela legal.

Para contornar a alegação de inconstitucional da Lei Maria da Penha, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, admitiu aplicá-la a favor do homem vítima de violência doméstica. Mas é enorme a resistência em reconhecer a possibilidade de o sexo masculino ser vítima da violência doméstica. Já na união homoafetivo entre dois homens, foi reconhecido ser possível a concessão de medida protetiva, quando um dos parceiros é vítima de violência.

Há outra possibilidade de o sujeito passivo não ser necessariamente uma mulher. A Lei prevê uma majorante ao crime de lesão corporal em sede de violência doméstica (CP, art. 129, § 11): se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. Seja de que sexo for o deficiente físico, sendo alvo de lesão corporal, a pena de seu agressor é dilatada. Aliás, a hipótese deveria estar inserida no art. 61 do CP, como agravante genérica, para todos os crimes cometidos contra pessoas vulneráveis ou deficientes, e não só na hipótese de lesão corporal. De qualquer modo, o deficiente físico poderia estar contemplado pelas agravantes inseridas nas alíneas e do inc. II do art. 61 do CP."

Lei Maria da Penha - Ed. 2015, Author: Maria Berenice Dias, Publisher: Revista dos Tribunais, 8. A VIOLÊNCIA E SEUS ATORES

Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/77954081/v4/document/106932536/anchor/a-106932536

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“8.2 Sujeito ativo 

Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados. Também na união estável – que nada mais é do que uma relação íntima de afeto – a agressão é doméstica, quer a união persista ou já tenha findado. 

A violência, para ser considerada como doméstica, não exige a diferença de sexos entre os envolvidos. O sujeito ativo – ou seja, o agressor – tanto pode ser um homem como outra mulher. Verifica-se na união heterossexual como na homoafetiva. A parceira da vítima responde pela prática de violência de âmbito familiar (art. 5.º, parágrafo único). Basta estar o vínculo caracterizado como relação doméstica, familiar ou de afetividade, pois o legislador deu prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, sem importar o gênero do agressor. 

Nas relações de parentesco é possível reconhecer a violência como doméstica ou familiar, quando existe motivação de gênero e o agressor se valha do mesmo ambiente familiar. Assim a agressão do cunhado contra a cunhada, entre irmãs ou entre ascendentes e descendentes tem admitido a imposição de medidas protetivas. Desimporta o sexo do agressor: filho ou filha, irmão ou irmã, neto ou neta. Assim pode a mãe requerer, a título de medida protetiva, o afastamento do filho agressor de sua casa. Agressores de ambos os sexos sujeitam-se aos efeitos da Lei. Necessário, no entanto, a hipossuficiência física ou econômica entre as partes. É reconhecida como doméstica a violência praticada pelo filho contra a mãe, assim como desentendimentos entre irmão e irmã. Já sendo irmãos do sexo masculino, não é possível invocar sua aplicação.”  

(Dias, Maria Berenice. Lei Maria da Penha - Ed. 2015. Editora: Revista dos Tribunais)  

https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/77954081/v4  

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7.1.2.Conflitos de competência em função do conteúdo da ação e partes envolvidas 

A outra possibilidade de conflito de competência depende da análise casuística. Isto é, aqueles em que somente a análise da situação permite determinar a existência violência baseada no gênero, conforme preceitua o artigo 5º da LMP. 

O que seria, então, violência de gênero? 

É violência que ocorre pelo fato de a vítima ser mulher. A sociedade confere papéis sociais diferenciados a homens e mulheres, o que, em princípio, não gera nenhum problema, mas, se há hierarquia e inferiorização, têm-se uma questão problemática de dominação masculina sobre as mulheres. Quase sempre, o exercício dessa supremacia masculina desencadeia situações de violência contra a mulher, notadamente quando esta deseja romper com a relação abusiva ou violenta. 

A violência baseada no gênero pode ocorrer em todas as faixas etárias da vida da mulher, inclusive na infância e na adolescência, quando meninas e meninos são educados desigualmente ou valorizados de forma diferenciada. Por exemplo, se as regras no processo educativo são diferenciadas (ou mais flexíveis) em função do gênero, conferindo mais liberdade e estimulando de forma mais acentuado a autonomia de meninos. Um ato de controle sobre corpos femininos em uma estrutura na qual não há igualdade é caracterizado como violência de gênero, seja seu autor o pai, a mãe, o próprio irmão contra irmã ou o/a companheiro/a.”  

(Mello, Adriana Ramos de, Paiva, Lívia de Meira Lima. Lei Maria da Penha na Prática -  Ed. 2022. Editora: Revista dos Tribunais.) https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/192884134/v3  

Veja também

Referência

Art. 2º, 3º, 5º da Lei 11.340/2006.

Linkpara pesquisa no TJDFT  

Quiz 

Julgue as assertivas em certo ou errado:

1 - A Lei Maria da Penha é aplicável automaticamente a qualquer situação de conflito entre irmãs, independentemente da existência de vulnerabilidade ou motivação de gênero.

2 - A coabitação entre autor e vítima não é requisito para a configuração da violência doméstica e familiar nos termos da Lei Maria da Penha.

Gabarito comentado

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