Crime de violência psicológica contra a mulher
Tema disponibilizado em 19/2/2025.
Nota explicativa
O crime de violência psicológica contra a mulher, previsto no art. 147-B do Código Penal, introduzido pela Lei nº 14.188/2021, consiste em causar dano emocional à mulher, prejudicando ou perturbando seu pleno desenvolvimento, ou visando degradá-la ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, por meio de atos que comprometam sua saúde psicológica e autodeterminação.
Trecho de ementa
"3. O art. 147-B do Código Penal encontra-se no mesmo capítulo e seção do crime de ameaça, tipificando o crime de violência psicológica contra a mulher como sendo o ato de ‘causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação’. O crime de violência psicológica é livre, admitindo qualquer forma para a prática da conduta típica, e transeunte, ou seja, não deixa vestígios.”
Acórdão 1869637, 0709598-54.2022.8.07.0014, Relator(a): LEILA ARLANCH, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 29/5/2024, publicado no DJe: 7/6/2024.
Acórdãos representativos
Acórdão 1949597, 0706042-04.2023.8.07.0016, Relator(a): SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 28/11/2024, publicado no DJe: 10/12/2024;
Acórdão 1921327, 0705536-40.2023.8.07.0012, Relator(a): DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, 3ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 12/9/2024, publicado no DJe: 25/9/2024;
Acórdão 1897186, 0700121-16.2022.8.07.0011, Relator(a): SANDOVAL OLIVEIRA, 3ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 25/7/2024, publicado no DJe: 6/8/2024;
Acórdão 1794951, 0706612-30.2022.8.07.0014, Relator(a): ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 7/12/2023, publicado no DJe: 11/12/2023;
Acórdão 1790198, 0706105-69.2022.8.07.0014, Relator(a): JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 23/11/2023, publicado no DJe: 11/12/2023.
Destaques
-
TJDFT
Violência psicológica – ação penal pública incondicionada
“1. As medidas protetivas de urgência são cabíveis quando demonstrada situação de risco contemporâneo à integridade física e psicológica da vítima. (...) 3. Ausente situação de risco à integridade física ou psíquica da reclamante, deve ser indeferido o pedido de imposição de medida de suspensão da posse e restrição do porte de armas do requerido. Ademais, considerando que o crime previsto no artigo 147-B do Código Penal (violência psicológica) se processa mediante ação penal pública incondicionada, cabe ao Ministério Público eventual representação nesse sentido.”
Acórdão 1798075, 0719969-64.2023.8.07.0007, Relator(a): SIMONE LUCINDO, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 07/12/2023, publicado no DJe: 18/12/2023.
Crimes de perseguição e violência psicológica – desígnios autônomos e independentes entre si – inaplicabilidade do princípio da consunção
“8. O princípio da consunção é aplicado quando um dos crimes é realizado como meio necessário ou fase de preparação ou de execução de outro mais grave. Na espécie, apesar de os fatos terem sido perpetrados contra a vítima no mesmo contexto fático, o crime de violência psicológica não é meio necessário para a prática do delito de perseguição, bem como não constitui fase de preparação ou de execução da perseguição. Logo, constata-se que os crimes possuem desígnios próprios, autônomos e independentes entre si. 9. Embora a conduta do apelante tenha causado danos à integridade psicológica da ofendida, levando-se em consideração as informações dos autos sobre as condições econômicas do réu e da vítima, mostra-se razoável a fixação da quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) como valor mínimo de reparação a título de danos morais para a ofendida.”
Acórdão 1846734, 0730551-33.2022.8.07.0016, Relator(a): ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 11/4/2024, publicado no DJe: 24/4/2024.
Violência psicológica contra a mulher – dano moral in re ipsa
“1. Comprovadas a autoria e a materialidade do crime de violência psicológica contra a mulher (art. 147-B do Código Penal), por meio do conjunto probatório sólido, a condenação é medida que se impõe. (...) 3. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios formulou pedido de fixação de valor mínimo reparatório, de modo que não há óbice para a condenação do acusado à reparação dos danos morais, de natureza in re ipsa, em favor da vítima, devendo o quantum observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, a situação econômica do réu não foi apurada, devendo o valor da indenização ser reduzido em atenção aos princípios mencionados.”
Acórdão 1819396, 0707804-95.2022.8.07.0014, Relator(a): WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 22/2/2024, publicado no DJe: 1º/3/2024.
-
STJ
Medida protetiva contra violência psicológica – relevância da palavra da vítima – desnecessidade de produção de provas adicionais
“6. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) autoriza a imposição de medidas protetivas de urgência independentemente da instauração de ação penal ou conclusão de inquérito, com base no risco à segurança da vítima. 7. O prolongamento das medidas protetivas, mesmo após sete meses, não configura ilegalidade, pois o tempo de vigência deve ser compatível com o risco que a vítima ainda enfrenta, conforme avaliação do juízo de origem, que está próximo dos fatos. 8. A palavra da vítima tem especial relevância em casos de violência doméstica, sobretudo em contextos de violência psicológica, sendo desnecessária a produção de provas adicionais para a manutenção das medidas protetivas.”
AgRg no RHC 201171/SP, Relatora: Ministra DANIELA TEIXEIRA, QUINTA TURMA, Data de Julgamento: 23/10/2024, Data da Publicação: DJe 30/10/2024.
Divulgação de imagens da vítima em momentos íntimos – dolo de constrangimento e ameaça – violência psicológica
“2. No caso, foi apresentada fundamentação concreta no sentido de que as medidas protetivas de urgência seriam necessárias para coibir a violência psicológica praticada contra a vítima. De acordo com as instâncias ordinárias, o ora agravante – quando, embora separado de fato, ainda residia no apartamento do casal – instalou gravador de voz na cabeceira da cama da vítima e câmeras no quarto e no banheiro da residência para monitorá-la, vindo a captar imagens dela em momentos íntimos. Além disso, enviou as imagens para ela própria, assim como às amigas dela, com o intuito de constrangê-la e ameaçá-la, aumentando sua vulnerabilidade. Como se não bastasse, mesmo após a ciência da decisão que determinou a medida protetiva que impunha a ele a proibição de manter qualquer contato com a ofendida, o ora agravante enviou-lhe e-mail, descumprindo, portanto, a determinação judicial.”
AgRg no HC 868054/BA, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, Data de Julgamento: 12/8/2024, Data da Publicação: DJe 15/8/2024.
Veja também
Perseguição ("stalking") e perturbação da tranquilidade da mulher - continuidade normativo-típica
Formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral
Doutrina
“3. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER.
3.1. Conceito e amplitude da violência psicológica.
A violência psicológica, como bem retrata Mary Susan Miller, é uma ferida invisível, um abuso não físico contra a mulher, que passa a sofrer um estado duradouro de medo, transformando a sua vida num inferno.
(...)
Causar é a conduta principal, significando a razão de ser de alguma coisa; gerar um efeito; provocar um resultado. Volta-se ao dano emocional (lesão sentimental de natureza psicológica) da mulher, prejudicando-a (qualquer tipo de transtorno ou dano) e perturbando-a (transtornar, gerando desequilíbrio ou tristeza), capaz de ferir o seu desenvolvimento (como pessoa) ou visando a degradar (rebaixar ou infirmar a dignidade) ou controlar (dominar, exercer poder sobre alguém) as suas condutas em sentido amplo (ações e comportamentos), as suas crenças (credulidade em alguma coisa, geralmente voltada à religião) e as suas decisões (resolução para fazer ou deixar de fazer algo).
(...)
Os meios eleitos pelo agente consistem em ameaça (intimidação), constrangimento (forçar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa), humilhação (usar de soberba para rebaixar alguém), manipulação (pressionar alguém a fazer algo que somente interessa ao manipulador), isolamento (tornar a pessoa inacessível a terceiros), chantagem (forma de ameaça ou coação para que alguém faça o que não deseja), ridicularização (zombar de alguém, tornando-o insignificante), limitação do direito de ir e vir (cerceamento da liberdade de locomoção). Há meios diretos e indiretos para atingir a vítima. No âmbito da agressão indireta, o agente pode atingir os filhos da mulher, seu animal de estimação, seus alunos, seus parentes, enfim, qualquer pessoa ou coisa que ela dê valor. A partir disso, o tipo abre o método: 'ou qualquer outro meio' causador de prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação da vítima.
Define-se o tipo como misto alternativo, como regra, quando há várias condutas (verbos) indicando alternância, de modo que o cometimento de uma ou de várias, no mesmo contexto, gera apenas um delito. No caso do art. 147-B, há um verbo principal (causar), mas ele pode ser associado com vários complementos, de modo que dá origem, também, a um tipo misto alternativo. O agente pode causar dano emocional à mulher prejudicando e perturbando seu pleno desenvolvimento ou visando à sua degradação ou controle das suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Já existem aqui duas possibilidades e, quando no mesmo contexto, contra a mesma vítima, configura-se um só delito. Além disso, deve-se ter a cautela de compor a conduta principal – causar dano emocional à mulher – com oito complementos específicos (mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir) e um complemento genérico (outro meio apto a causar prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação).
(...)
É muito importante diferenciar o dano emocional do dano psíquico. O primeiro é uma decorrência da violência psicológica, tal como exposta no tipo do art. 147-B do Código Penal, bastando a prova testemunhal e o relato da vítima. O segundo pode configurar uma autêntica lesão corporal (ofender a saúde de outrem), capaz de configurar a figura simples, grave ou gravíssima. Nessa hipótese, depende de exame pericial, pois deixa vestígios materiais.
(...)
3.2.Sujeitos, objetos e aspectos importantes
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, embora, como regra, seja o homem e, particularmente, aquele que tenha uma ligação amorosa, doméstica ou familiar com a vítima. Não se pode impor como sujeito ativo apenas o homem, pois uma mãe, preceptora, tutora ou responsável do gênero feminino pode praticar as condutas descritas no tipo. Mas, sem dúvida, na prática, o agente será majoritariamente o homem. E vinculado de algum modo à vítima.
(...)
O sujeito passivo (e o objeto material) da conduta é somente a mulher de qualquer idade. O objeto jurídico é a liberdade pessoal, envolvendo a paz de espírito, a autoestima, o amor-próprio e a honra. Conforme a idade da mulher, pode abranger a sua formação moral e sexual.
O crime é doloso e não há a forma culposa. Parece-nos haver o elemento subjetivo específico, pois a conduta do agente deve voltar-se a prejudicar ou perturbar o desenvolvimento da mulher ou ter por alvo degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões da mulher. Ofender a mulher pode constituir injúria (art. 140, CP (LGL\1940\2)), mas fazê-lo com o fim de controlar suas ações, dominando-a e causando-lhe dano emocional configura o crime do art. 147-B. São muitas condutas alternativas, que podem ser praticadas em brigas de casal, por exemplo, sem o intuito específico de dominar a vítima-mulher ou prejudicar o seu pleno desenvolvimento como pessoa. Nesse contexto, a embriaguez do agente não afasta a viabilidade de criminalização da conduta, nos termos do art. 28, II, do Código Penal, a menos que se trate de ebriedade fortuita (art. 28, § 1º, CP (LGL\1940\2)). Entretanto, seria rara a hipótese de alguém praticar a figura criminosa do art. 147-B em estado de embriaguez fortuita. O que se tem visto é o agente embriagado voluntariamente (de modo frequente) oprimir a mulher, em cenário doméstico ou familiar.
Somente se aplica o tipo do art. 147-B, caso não se concretize delito mais grave. Afinal, todas as condutas descritas no tipo podem gerar infrações mais severas, como, por exemplo, lesão corporal grave ou gravíssima."
(NUCCI, Guilherme de Souza. Perseguição e violência psicológica contra a mulher. Revista dos Tribunais. vol. 1034. ano 110. p. 359-380. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2021)
Referência
Art. 7º, II, da Lei 11.340/2006.
Link para pesquisa no TJDFT
#JurisprudênciaTJDFT, informação jurídica de qualidade, rápida e acessível.