Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Perseguição ("stalking") e perturbação da tranquilidade da mulher - continuidade normativo-típica

última modificação: 01/08/2025 08h59

  Pesquisa atualizada em 8/4/2025. 

Nota explicativa

A revogação do art. 65 do Decreto-Lei 3.688/1941, que tratava da contravenção penal de perturbação da tranquilidade, não configurou abolitio criminis para condutas que violem a liberdade e a privacidade da mulher. Tais condutas, quando reiteradas, seguem puníveis, por continuidade normativo-típica, como crime de perseguição ou “stalking”, previsto na Lei 14.132/2021. A contrario sensu, a importunação episódica, ocorrida uma única vez, é considerada atípica.

Trecho de Ementa 

“1. A Lei n. 14.132/2021, que entrou em vigor em 1º-abril-2021, revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais e incluiu o artigo 147-A no Código Penal, para instituir o crime de perseguição, devendo ser analisado, no caso concreto, a ocorrência da continuidade típico-normativa ou a 'abolitio criminis'.

2.A principal diferenciação entre a contravenção penal de perturbação da tranquilidade por acinte ou motivo reprovável e o crime de perseguição é a exigência expressa no novo tipo penal de que a conduta aconteça reiteradamente.

3. Se praticadas condutas de perturbação da tranquilidade por acinte ou motivo reprovável reiteradamente não que falar em 'abolitio criminis', mas em continuidade típico-normativa para o crime de perseguição. De outro lado, situações não reiteradas, singulares ou episódicas não estão abarcadas pelo artigo 147-A do Código Penal, de forma que ocorrerá “abolitio criminis” da contravenção, o que não ocorreu na presente hipótese, conforme fundamentação do Juiz Sentenciante.

4. As situações reiteradas estão abarcadas pelo artigo 147-A do Código Penal, acarretando, portanto, a mencionada continuidade normativo-típica que conduz ao reconhecimento da falta grave, conforme o art. 52 da LEP, nos exatos moldes do entendimento do Juízo da Execução.”

Acórdão 1893629, 0721154-27.2024.8.07.0000, Relator(a): SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 18/07/2024, publicado no DJe: 27/07/2024.

Acórdãos representativos 

Acórdão 1911008, 0008399-35.2017.8.07.0007, Relator(a): LEILA ARLANCH, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 22/08/2024, publicado no DJe: 02/09/2024;

Acórdão 1829015, 0704091-73.2021.8.07.0006, Relator(a): ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 07/03/2024, publicado no DJe: 26/03/2024;

Acórdão 1813879, 0713066-52.2019.8.07.0007, Relator(a): SIMONE LUCINDO, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 07/02/2024, publicado no DJe: 23/02/2024;

Acórdão 1723545, 0005815-89.2017.8.07.0008, Relator(a): ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 29/06/2023, publicado no DJe: 10/07/2023;

Acórdão 1754414, 0705187-81.2021.8.07.0020, Relator(a): NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, 3ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 06/09/2023, publicado no DJe: 20/09/2023.

Destaques

  • TJDFT 

Perseguição à ex-esposa - violência psicológica - perturbação da paz existencial 

“8. A perseguição reiterada (Stalking) à ex-esposa, invadindo sua esfera de liberdade e privacidade por meio de ações e incidentes judiciais repetitivos, infundados e temerários, aptos a lhe causar inquietação e dano emocional por prejudicar sua liberdade de determinação e degradar sua integridade psicológica, perturbando sua paz existencial e impedindo, assim, o exercício da felicidade, que são direitos fundamentais intrínsecos à pessoa humana, tipifica, em tese, assédio processual, conduta subsumida nos arts. 147-A e 147-B do Código Penal, sem prejuízo de outra classificação a ser dada pela Autoridade competente.”

Acórdão 1669606, 00034194720198070016, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 2/3/2023, publicado no DJe: 9/3/2023.  

Perseguição (Stalking) - conduta única com pluralidade de vítimas

III. RAZÕES DE DECIDIR

A continuidade normativo-típica ocorre quando a nova norma substitui o tipo penal anterior sem descriminalizar a conduta, o que exige compatibilidade entre os elementos do tipo revogado e o novo tipo penal.

O crime de perseguição (art. 147-A do CP) exige reiteração da conduta, ao passo que a contravenção de perturbação da tranquilidade (art. 65 da LCP) não possuía esse requisito, configurando-se, portanto, um tipo penal distinto.

No caso concreto, embora o sentenciado tenha sido condenado por duas infrações ao art. 65 da LCP, a conduta foi única, mas com pluralidade de vítimas, não se caracterizando a reiteração necessária para a tipificação do crime de perseguição.

Diante da ausência de continuidade normativo-típica, aplica-se a abolitio criminis, com consequente extinção da punibilidade.”

Acórdão 1980683, 0753645-87.2024.8.07.0000, Relator(a): ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 20/03/2025, publicado no DJe: 28/03/2025.

  • STJ 

Stalking – continuidade normativo-típica - abolitio criminis não evidenciada 

“3. A revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade – art. 65 do Decreto Lei n. 3.688/1941 – pela Lei n. 14.132/2021, não significa que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal.

4. In casu, considerando que o comportamento do Réu é reiterado – ação que, no momento atual, está contida no art. 147-A do Código Penal, em razão do princípio da continuidade normativo-típica –, não há falar em abolitio criminis.”

AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 2.027.073/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022.

Veja também 

O crime de perseguição (stalking)  exige a reiteração da conduta delituosa?

"Stalking"

Referências

Art. 65 do Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais);  

Art. 147-A e 147-B do Código Penal; 

Art. 312 do Código de Processo Penal.