Prazo de duração da medida protetiva – persistência de risco à vítima e limitação ao trânsito em julgado
Tema atualizado em 15/7/2024.
A redação original da Lei Maria da Penha não previu prazo de duração para as medidas protetivas de urgência deferidas em favor da vítima de violência doméstica. Nada obstante, a Lei 14.550/2023, que acrescentou o § 6º ao art. 19 daquela norma especial, preconizou a vigência “enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida e de seus dependentes”, de sorte que se mostra razoável a manutenção da medida enquanto ainda existente o risco à mulher, admitida a reavaliação periódica mediante oitiva da ofendida, limitada ao trânsito em julgado da ação penal.
Trechos de ementas
“2. O objetivo da concessão das medidas protetivas da Lei nº 11.340/06 é evitar condutas reiteradas de agressão e/ou ameaças por parte do acusado em relação à vítima, especialmente tendo em vista a situação de vulnerabilidade e desproteção da mulher. O deferimento destas medidas, portanto, está condicionado à demonstração de efetiva urgência e necessidade, detendo caráter preventivo e provisório. 3. Em que pese não tenha a legislação específica estabelecido um prazo expresso de duração para as medidas protetivas de urgência, estas apresentam caráter excepcional e devem vigorar enquanto houver situação de risco para a mulher. Desse modo, cabe ao Magistrado analisar as particularidades de cada caso a fim de manter tais medidas por um período adequado e suficiente a garantir a proteção da mulher em situação de vulnerabilidade, pautando-se sempre em critérios de proporcionalidade e razoabilidade. 4. Revela-se razoável, no caso em apreço, que as medidas protetivas deferidas perdurem até o trânsito em julgado da ação penal, garantindo assim proteção integral à mulher em situação de violência doméstica. 5. Reclamação admitida e julgada procedente.” (Grifo nosso)
Acórdão 1731714, 07229282920238070000, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 20/7/2023, publicado no PJe: 27/7/2023.
“8 - Ainda que a Lei Maria da Penha não tenha previsto prazo de duração para as medidas protetivas de urgência - por serem restritivas de direitos, ainda que em menor grau - devem ser, em regra, provisórias, pena de constrangimento ilegal. 9 - Evidenciado que ainda há risco à integridade física e psíquica da vítima e da mãe dela, somado ao histórico de violências perpetradas pelo ofensor, razoável que sejam mantidas as medidas protetivas até o trânsito em julgado da condenação. 10 - Apelação provida em parte.”
Acórdão 1716577, 07041465420228070017, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 15/6/2023, publicado no PJe: 25/6/2023.
Recurso Repetitivo
Tema 1249 do STJ: Decisão de Afetação: "1. Delimitação das controvérsias: "I) Natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha; II) (im)possibilidade de fixação, pelo magistrado, de prazo predeterminado de vigência da medida". 2. Não se aplica à hipótese o disposto na parte final do § 1º do art. 1036 do Código de Processo Civil - CPC (suspensão do trâmite dos processos pendentes), embora haja divergência jurisprudencial nesta Corte a respeito do tema, em atenção à urgência e à precariedade das medidas protetivas.3. Afetação do recurso especial ao rito previsto nos arts. 1.036 ao 1.041, todos do CPC, e 256 ao 256-X, todos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, para que seja julgado pela Terceira Seção.
ProAfR no REsp 2.070.717/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 19/3/2024, DJe de 26/4/2024.
Acórdãos representativos
Acórdão 1712901, 07067676320228070004, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 15/6/2023, publicado no PJe: 20/6/2023;
Acórdão 1704035, 07066273320218070014, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 18/5/2023, publicado no PJe: 26/5/2023;
Acórdão 1656738, 07195597420218070007, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 26/1/2023, publicado no PJe: 7/2/2023;
Acórdão 1634262, 07021279820198070011, Relator: CESAR LOYOLA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 27/10/2022, publicado no PJe: 14/12/2022;
Acórdão 1353571, 07087231920198070005, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 8/7/2021, publicado no PJe: 15/7/2021;
Acórdão 1345829, 00018341220188070010, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 27/5/2021, publicado no PJe: 17/6/2021.
Destaques
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TJDFT
Duração indeterminada - reavaliação a cada 180 dias - prévia oitiva da vítima
“2. A fixação de prazo determinado, seja ele qual for, vai de encontro com a pretensão de proteção máxima da mulher, promovendo-se uma restrição que a lei não faz, ainda mais quando atribui à mulher o ônus de realizar novo pedido, uma vez que é quem está em situação de risco e de vulnerabilidade. 3. Impõe-se, portanto, a realização de uma intelecção compatível com os corolários da referida lei, a fim de salvaguardar seus objetivos fundamentais, tais como a repressão e a prevenção das situações ocorridas no âmbito de violência doméstica e familiar. Nesse passo, a interpretação teleológica que mais se amolda com as medidas protetivas de urgência é no sentido de ser por prazo indeterminado, até que efetivamente cessem os riscos potenciais contra a integridade da vítima. 5. Se impostas medidas protetivas de urgência, elas devem ser sempre por prazo indeterminado, o que também não limita a possibilidade de sua reapreciação de tempos em tempos, mediante sempre prévio contato com a vítima. 6. Reclamação procedente a fim de fixar prazo indeterminado para medidas protetivas de urgência, como avaliação periódica de 180 (cento e oitenta) dias, com contato prévio com a vítima. 7. Havendo comprovação robusta sobre a assimetria das decisões relativas ao prazo das medidas protetivas, uma vez que a lei não estabelece parâmetro objetivo, viável a uniformização do tema pela Câmara Criminal.”
Acórdão 1741717, 07212195620238070000, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 9/8/2023, publicado no PJe: 22/8/2023.
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STJ
Oitiva prévia da vítima quanto à permanência da situação de perigo – segurança e proteção da mulher
“2. As duas Turmas de Direito Penal deste Superior Tribunal de Justiça vêm decidindo que, embora a lei penal/processual não preveja um prazo de duração da medida protetiva, tal fato não permite a eternização da restrição a direitos individuais, devendo a questão ser examinada à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação. (...) 3. Se não há prazo legal para a propositura de ação, normalmente criminal, pela competência ordinária para o processo da violência doméstica, tampouco se pode admitir eterna restrição de direitos por medida temporária e de urgência. (...) 4. Nos termos do Parecer Jurídico emanado pelo Consórcio Lei Maria da Penha, a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial. Tanto mais que assinala o Protocolo para o Julgamento com Perspectiva de Gênero, 'as peculiares características das dinâmicas violentas, que, em regra, ocorrem no seio do lar ou na clandestinidade, determinam a concessão de especial valor à palavra da vítima' (CNJ, 2021, p. 85). (...), enquanto existir risco ao direito da mulher de viver sem violência, as restrições à liberdade de locomoção do apontado agente são justificadas e legítimas. O direito de alguém de não sofrer violência não é menos valioso do que o direito de alguém de ter liberdade de contato ou aproximação. Na ponderação dos valores não pode ser aniquilado o direito à segurança e à proteção da vítima (...). 5. Antes do encerramento da cautelar protetiva, a defesa deve ser ouvida, notadamente para que a situação fática seja devidamente apresentada ao Juízo competente, que diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor. 6. Agravo regimental provido para que a agravante seja ouvida acerca da necessidade das medidas protetivas de urgência à mulher em situação de violência e, caso constatada a permanência da situação de perigo, seja a referida medida concedida ou mantida." (Grifo nosso) AgRg no REsp 1.775.341/SP
Medida protetiva tornada definitiva em sentença – ilegalidade da restrição perpétua
“1. Como cediço, esta Corte possui o entendimento segundo o qual 'as medidas de urgência, protetivas da mulher, do patrimônio e da relação familiar, somente podem ser entendidas por seu caráter de cautelaridade - vigentes de imediato, mas apenas enquanto necessárias ao processo e a seus fins' (AgRg no REsp n. 1.769.759/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 7/5/2019, DJe de 14/5/2019). 2. Sendo assim, não há como se esquivar do caráter provisório das medidas protetivas, ainda que essa provisoriedade não signifique, necessariamente, um prazo previamente definido no tempo, até porque se mostra imprescindível que a proteção à vítima perdure enquanto o risco recair sobre ela, de forma que a mudança ou não no estado das coisas é que definirá a duração da providência emergencial. Ora, fixar uma providência por prazo indeterminado não se confunde, nem de longe, com tornar essa mesma providência permanente, eterna. É indeterminado aquilo que é impreciso, incerto, vago. Por outro lado, é permanente, eterno, aquilo que é definitivo, imutável. 3. No caso, ao tornar definitiva, na sentença condenatória, a medida protetiva de proibição de aproximação da vítima, anteriormente imposta, o Magistrado de piso acabou por desnaturar por completo a natureza e a razão de ser das medidas protetivas que, por serem 'de urgência', tal como o próprio nome diz, equivalem a uma tutela de defesa emergencial, a qual deve perdurar até que cessada a causa que motivou a sua imposição. Não é à toa que são chamadas de medidas acautelatórias 'situacionais' e exigem, portanto, uma ponderação casuística. 4. O que se tem, na verdade, na espécie, é uma providência emergencial, acautelatória e de defesa da vítima, imposta em 15/1/2018, ou seja, assim que os fatos que culminaram na condenação do paciente chegaram ao conhecimento do poder judiciário, e que se eternizou no tempo para além do prazo da própria pena aplicada ao paciente (1 mês e 10 dias de detenção), sem nenhum amparo em eventual perpetuação do suporte fático que a legitimou no início da persecução penal. 5. Levando em conta a impossibilidade de duração ad eternum da medida protetiva imposta - o que não se confunde com a indeterminação do prazo da providência -, bem como a necessidade de que a proteção à vítima perdure enquanto persistir o risco que se visa coibir - aferição que não pode ser realizada por esta Corte, na via exígua do writ -, é caso de se conceder a ordem de habeas corpus, ainda que em menor extensão, a fim de que, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o Magistrado singular examine, periodicamente, a pertinência da preservação da cautela imposta, não sem antes ouvir as partes. 6. Ordem parcialmente concedida para tornar por prazo indeterminado a medida protetiva de proibição de aproximação da vítima, revogando-se a definitividade estabelecida na sentença condenatória, devendo o Juízo de primeiro grau avaliar, a cada 90 dias e mediante a prévia oitiva das partes, a necessidade da manutenção da cautela." (Grifo nosso) HC 605.113/SC
Veja também
Medidas protetivas e de assistência à vítima de violência doméstica
Referências
Art. 19, § 6º, da Lei 14.550/2023;
Art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal;
Tema disponibilizado em 20/9/2023.
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