Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Cobertura de cirurgia bariátrica – indicação médica – recusa ilegítima do plano de saúde

última modificação: 19/02/2025 10h16

Tema atualizado em 13/11/2024. 

“2. A autora é segurada do plano de saúde apelante, sendo portadora de obesidade grau II, com IMC acima de 35 kg/m², associada a diversas comorbidades em razão disto, a exemplo de pré-diabetes, esteatose hepática, apneia do sono e dislipidemia. 3. Foi solicitada ao plano de saúde autorização para a realização de cirurgia bariátrica, que foi negada, sob o argumento de que a paciente não preenche os critérios da Diretrizes de Utilização (n. 27) – DUT de Procedimentos e Eventos e Saúde da ANS. 4. O procedimento foi indicado por médicos e demais profissionais de saúde, que assinalaram a imprescindibilidade na realização da intervenção, diante do quadro de saúde da paciente, observados os laudos de nutricionista, psicólogo, endocrinologista e cirurgião geral. Os esclarecimentos e documentos trazidos pela autora demonstram que a beneficiária satisfaz plenamente aqueles requisitos. 5. Comprovada a necessidade do procedimento médico indicado, configura-se indevida a recusa da cobertura. Além disso, os outros tratamentos já utilizados não foram capazes de amenizar o quadro clínico da autora/apelada, acentuando a necessidade do procedimento em apreço."

Acórdão 1842717, 0714844-58.2022.8.07.0005, Relator(a): SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 3/4/2024, publicado no DJe: 24/4/2024.

Trecho de acórdão 

Antes de qualquer digressão, cumpre esclarecer que a obesidade mórbida é considerada uma doença crônica não transmissível, relacionada na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Logo, o tratamento desta enfermidade é de cobertura obrigatória nos planos de saúde (art. 10, caput, da Lei nº 9.656/98). Dito isso, salienta-se que a operadora de plano de saúde deve arcar não apenas com os tratamentos destinados à cura da doença, mas também com os tratamentos para as consequências da enfermidade. 

A gastroplastia, indicada para o tratamento da obesidade mórbida, bem como de outras doenças dela derivadas, constitui cirurgia essencial à preservação da vida e da saúde do paciente segurado, não se confundindo com simples tratamento para emagrecimento. 

Os contratos de seguro-saúde são contratos de consumo submetidos a cláusulas contratuais gerais, ocorrendo a sua aceitação por simples adesão pelo segurado (contratos de adesão). Nesses contratos, as cláusulas seguem as regras de interpretação dos negócios jurídicos estandardizados, ou seja, existindo cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve ser aplicada a interpretação mais favorável ao aderente, conforme o art. 423 do CC e art. 47 do CDC. 

Dessa maneira, mesmo que o contrato do seguro-saúde contenha uma cláusula que exclua da cobertura securitária o tratamento estético de emagrecimento, isso não significa que também esteja excluída a cirurgia para tratamento de obesidade mórbida (gastroplastia), tendo em vista que esta não pode ser considerada apenas como procedimento para emagrecimento, sendo, na verdade, tratamento indispensável à vida do paciente. 

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se debruçar sobre esse tema e decidiu que o plano de saúde não pode negar o custeio de cirurgia de gastroplastia (indicada para tratamento de obesidade mórbida). Assim, é abusiva a negativa do plano de saúde em cobrir as despesas de intervenção cirúrgica de gastroplastia, necessária à garantia da sobrevivência do segurado (STJ, 3ª Turma, REsp. 1.249.701/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04/12/2012). 

De acordo com a apelante, a parte autora não faz jus à cirurgia bariátrica porque não preenche os requisitos obrigatórios da Diretriz de Utilização — DUT, além do fato de o rol de procedimentos e eventos em saúde ter caráter taxativo. 

No entanto, conforme muito bem observado pelo magistrado de origem, o Anexo II da Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS estabelece os requisitos para o custeio obrigatório da cirurgia de gastroplastia por videolaparoscopia, in verbis: 

(...)

Logo, pode-se depreender, consoante acervo probatório constante dos autos, que a parte autora atende a todos os requisitos legais pertinentes ao procedimento médico em questão, de modo que ela faz jus à realização da cirurgia bariátrica, nos exatos termos da sentença. 

Acórdão 1849985, 0707812-59.2023.8.07.0007, Relator(a): CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 17/04/2024, publicado no DJe: 02/05/2024.

Recurso Repetitivo

Tema 1069 do STJ  "(i) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida. (ii) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador." REsp 1.870.834/SP

Acórdãos representativos

Acórdão 1939281, 0701343-21.2024.8.07.0020, Relator(a): CARLOS PIRES SOARES NETO, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 23/10/2024, publicado no DJe: 13/11/2024;

Acórdão 1936874, 0715687-74.2023.8.07.0009, Relator(a): ROBERTO FREITAS FILHO, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 17/10/2024, publicado no DJe: 11/11/2024;

Acórdão 1933507, 0721639-52.2023.8.07.0003, Relator(a): ALVARO CIARLINI, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 09/10/2024, publicado no DJe: 28/10/2024;

Acórdão 1904954, 0728298-83.2023.8.07.0001, Relator(a): RENATO SCUSSEL, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 07/08/2024, publicado no DJe: 23/08/2024;

Acórdão 1869821, 0744374-40.2023.8.07.0016, Relator(a): MARIA ISABEL DA SILVA, SEGUNDA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 05/06/2024, publicado no DJe: 10/06/2024;

Acórdão 1834391, 0747317-78.2023.8.07.0000, Relator(a): FÁTIMA RAFAEL, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 14/03/2024, publicado no DJe: 03/04/2024.

Destaques 

  • TJDFT

Indicação de cirurgia bariátrica – quadro clínico grave – período de carência afastado 

"1 – Doença preexistente. Obesidade grau 1. Cirurgia bariátrica. Nos termos da Súmula n. 609 do STJ, 'A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado'. A autora não omitiu doença preexistente no momento da assinatura do contrato, pois declarou corretamente seus dados, conforme declaração de saúde anexa àquele, o que afasta a caracterização da má-fé (arts. 113 e 766 do Código Civil). O plano de saúde agiu com negligência, pois incumbia a ele a exigência da realização de exames médicos na usuária previamente à contratação. 2 – Período de carência afastado. Urgência do procedimento. A cobertura de procedimentos de urgência prescinde de período de carência, por força do art. 35-C, incisos I e II da Lei nº 9.656/1998. Diante dos documentos médicos que apontaram necessidade de procedimento cirúrgico de urgência, a cirurgia não se deu em caráter eletivo, mas em caráter de urgência, motivo pelo qual a cobertura do atendimento era obrigatória."

Acórdão 1821249, 0719373-98.2023.8.07.0001, Relator(a): AISTON HENRIQUE DE SOUSA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 22/02/2024, publicado no DJe: 07/03/2024.

Doença preexistente – portadora de obesidade – negativa de cobertura lícita

“3. A contratante informou, na declaração de saúde, ostentar peso ponderal quase 50 kg inferior à sua medida real e negou ser portadora de doença endócrina e metabólica (obesidade). Após o transcurso do primeiro semestre de vigência do contrato de assistência médico-hospitalar, requereu a autorização para procedimento de gastroplastia, que foi deferido pelo Juízo sentenciante. 4. 'A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.' (STJ, Súm. nº 609). 4.1. No caso, o plano de saúde demonstrou a existência de fraude e de má-fé da então beneficiária, que, de forma consciente, omitiu informação relevante sobre seu estado clínico, na declaração de saúde exigida pelo plano de saúde contratado, e recusou o oferecimento de cobertura parcial temporária. Assim, é legítima a recusa da operadora em custear o tratamento pretendido (cirurgia bariátrica e internação). 5. 'A omissão de informações relevantes acerca do histórico de saúde da autora, demonstra a intenção dos segurados de se beneficiarem da própria torpeza, para usufruir dos serviços da ré. Portanto, é legítimo o afastamento da cobertura securitária no presente caso, pois restou demonstrada a ausência de boa-fé contratual da beneficiária'. (Acórdão 1819974, 07006381720238070001, Relator(a): LEONARDO ROSCOE BESSA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 21/2/2024, publicado no DJE: 15/3/2024.) 5.1. 'A contratação do plano de saúde mediante omissão da preexistência de moléstia configura inequívoca má-fé da contratante, razão pela qual é possível a declaração de nulidade do contrato'. (Acórdão 1681179, 07039634520208070020, Relator(a): ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 22/3/2023, publicado no DJE: 12/4/2023.)"

Acórdão 1933712, 0700830-41.2023.8.07.0003, Relator(a): ALFEU MACHADO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 09/10/2024, publicado no DJe: 23/10/2024.

  •  STJ

Negativa de cirurgia bariátrica – agravamento do quadro clínico do beneficiário – danos morais configurados 

1. A orientação desta Corte Superior é de que a recusa indevida ou injustificada pela operadora de plano de saúde em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada gera direito de ressarcimento a título de dano moral, em razão de tal medida agravar a situação, tanto física quanto psicológica do beneficiário, não se tratando apenas de mero aborrecimento. Precedentes."

AgInt no REsp 1755846 / SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, data de julgamento: 14/3/2022, publicado no DJe: 7/4/2022.

Veja também

Cobertura de cirurgia reparadora pós-bariátrica – indicação médica 

Interferência do plano de saúde sobre a adequação do tratamento indicado pelo médico - impossibilidade

Plano de saúde – cirurgia bariátrica e plástica reparadora 

Referências

Artigo 10 da Lei 9.656/1998; 

Resoluções Normativas 766/2005 1.942/2010 do Conselho Federal de Medicina – CFM; 

Resolução Normativa nº 465/2021 da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS

DUT nº 27 da ANS

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