Fornecimento de material necessário para a realização de cirurgia – obrigatoriedade de custeio
Tema criado em 8/8/2023.
“4. Ao plano de saúde é permitido o estabelecimento dos procedimentos cirúrgicos que terão cobertura, mas não o tratamento mais adequado para a cura da doença, porquanto os contratos de assistência à saúde devem compreender todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos da Lei 9.656/1998 e do contrato firmado entre as partes, além dos princípios da função social e da boa-fé objetiva, consagrados nos artigos 421 e 422 do Código Civil.
5. Nesse contexto, caso o contrato preveja a cobertura da cirurgia prescrita a paciente, não se pode consentir com a exclusão de material considerado adequado e indispensável pelo médico assistente ao êxito do procedimento, sob pena de se desconsiderar a proteção contratual a que se refere a lei de regência.
6. A recusa de fornecimento de material indicado por profissional odontólogo que acompanha o quadro de saúde da segurada, quando indispensável à manutenção de sua saúde e da qualidade de vida, constitui prática abusiva que vulnera a finalidade do pacto estabelecido entre as partes, ofendendo, assim, a boa-fé contratual e sua função social, previstas nos arts. 421 e 422, do CC.”
Acórdão 1728004, 07316854320228070001, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 19/7/2023, publicado no DJE: 26/7/2023.
Trecho de acórdão
“Cinge-se a controvérsia recursal à verificação da existência de obrigação de o plano de saúde, ora apelante, assegurar o custeio/cobertura dos materiais prescritos para realização da cirurgia indicada à paciente beneficiária do plano de saúde, bem como acerca da responsabilidade civil para indenização por danos morais.
Conforme relatado, a apelante argumenta a inexistência de cobertura contratual ou previsão do atendimento requerido pela apelada no rol da ANS, o que afastaria a obrigação da operadora do plano de saúde em custear o tratamento pleiteado. Sobre o aspecto, destaca a natureza taxativa do referido rol da ANS. Nesse sentido, acosta precedente jurisprudencial do c. STJ.
Destaca que os materiais requisitados pelo médico assistente para utilização na cirurgia indicada para a paciente apelada não são destinados a tal procedimento. Entende que, se os procedimentos cirúrgicos para os quais são indicados os materiais requisitados não possuem cobertura contratual, não podem ser custeados pela operadora de saúde.
(...)
Assinaladas essas premissas, anote-se que, à luz do que dispõem os arts. 1º, I, c/c 35-F da Lei 9.656/1998, os planos de assistência saúde destinam-se à prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais com a finalidade de garantir a assistência à saúde, nela compreendendo ações necessárias voltadas a prevenção, recuperação manutenção e reabilitação da saúde.
Da análise do contrato entabulado pelas partes, depreende-se que a operadora de saúde contratada obrigou-se a custear as despesas necessárias ao tratamento de todas as doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS), vejamos (ID 41987865, p. 11):
(...)
Nesse contexto, é ilegítimo que a operadora possa definir qual a terapêutica ou os insumos o profissional médico assistente deve utilizar para realizar o tratamento adequado da doença que acomete o paciente beneficiário do plano de saúde.
A despeito de os materiais cirúrgicos serem também indicados para tratamento de doenças eventualmente não acobertadas pelo contrato, o fato é que a doença que aflige a paciente autora, ora apelada, possui cobertura contratual e esse ponto não foi impugnado pelo réu apelante. Assim, não poderia haver restrição de custeio/fornecimento dos materiais requisitados para a realização da cirurgia indicada para a paciente, mormente diante da ausência de indicação da existência de materiais substitutivos, com a mesma eficácia e indicação clínica para atendimento da parte enferma.
Como efeito, a negativa de custeio dos materiais cirúrgicos sob tal argumento representa indevida interferência na terapêutica escolhida pelo profissional médico para o tratamento da paciente.
(...)
Cumpre ressaltar que, no dia 8 de junho de 2022, a Segunda Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência 1.886.929 e 1.889.704, entendeu pela taxatividade, em regra, do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
(...)
Além disso, em recente atualização legislativa, entrou em vigor a Lei 14.454, de 21/9/2022, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
Nos termos do art. 10, § 13º, da Lei 9.656/1998, com redação dada pela Lei 14.454/2022:
Art. 10.
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Assim, tem-se que o rol de procedimentos em saúde da ANS não representa taxatividade absoluta, podendo ser mitigado conforme a hipótese.
A despeito, a discussão dos autos ultrapassa essa análise, porquanto a negativa de custeio dos materiais cirúrgicos não ocorreu em razão da inexistência de previsão para cobertura da doença que acomete a paciente, mas do suposto uso indevido do referido material, que teria indicação clínica para tratamentos de outras doenças, estas sim excluídas do rol da ANS e da cobertura contratual, por consequência.
Assim, é inequívoco que o inadimplemento da pessoa jurídica ré é evidente, ante a negativa de cobertura integral a tratamento reputado essencial pelo médico assistente, violando as disposições contratuais que o vinculam e a expressa disposição do art. 12 da Lei 9.656/98. Portanto, não merece reparos o capítulo de sentença relativo à condenação do plano de saúde réu a custear os materiais requisitados pelo médico para realização da cirurgia na paciente beneficiária do plano.”
Acórdão 1673575, 07040023120228070001, Relatora: SANDRA REVES, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 1/3/2023, publicado no PJe: 28/3/2023.
Acórdãos representativos
Acórdão 1716489, 07365605620228070001, Relator: ALFEU MACHADO, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 14/6/2023, publicado no DJE: 3/7/2023;
Acórdão 1347394, 07121533120198070020, Relator: ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2021, publicado no DJE: 23/6/2021;
Acórdão 1236606, 07189695720178070001, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 4/3/2020, publicado no DJE: 4/5/2020;
Acórdão 1223818, 07103255720198070001, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 11/12/2019, publicado no DJE: 22/1/2020;
Acórdão 998920, 20140610089029APC, Relator: TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 22/2/2017, publicado no DJE: 9/3/2017. Pág.: 82-98).
Destaque
- TJDFT
Material indicado pelo médico – legitimidade da recusa de cobertura – ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS
“5. O material ‘Hemostático Absorvível Starsil 5G’, indicado pelo médico assistente para a realização da cirurgia, não está elencado no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS - Resolução Normativa 465/2021 de 1/4/2021, não havendo, também, Nota Técnica do Natjus/CNJ sobre a utilização dele.
10. Cabível, portanto, a reforma da r. sentença para afastar a obrigação de custeio do material Hemostático Absorvível Starsil 5G, bem como a determinação de reembolso dos valores despendidos pela Autora/Apelada com a realização de consultas e exames fora da rede credenciada.”
Acórdão 1600720, 07127264020218070007, Relator: ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 26/7/2022, publicado no DJE: 15/8/2022.
Veja também
Fornecimento de medicamento de uso ambulatorial ou domiciliar
Fornecimento de próteses, órteses e acessórios não ligados ao ato cirúrgico
Indicação médica do tratamento adequado ao paciente – obrigatoriedade de custeio
Resolução da ANS – procedimentos médicos – rol taxativo x rol exemplificativo
Referência
Arts. 1º, I, c/c 35-F; art. 10, § 13º e art. 12, da Lei 9.656/1998