Uso de canabinoides em tratamento médico – fornecimento pelo plano de saúde
Tema criado em 3/5/2022.
“4. A Resolução 2.113/2014, do Conselho Federal de Medicina, autorizou o uso do canabidiol para tratamento de crianças e adolescentes portadores de epilepsias retratarias a tratamentos comuns. 5. A conduta do plano de saúde em negar a medicação, sob o fundamento de que não é obrigada a fornecê-lo, não encontra amparo na regulamentação e aumenta o risco de piora no quadro de saúde, ensejando violação aos direitos de personalidade do menor. 6. Em razão da excepcionalidade, o caso não se amolda ao entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.726.563, sob a sistemática dos recursos repetitivos (tema 990), mormente porque, na hipótese, a ANVISA autorizou a importação do medicamento.”
Acórdão 1320280, 07205483820208070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 24/2/2021, publicado no DJE: 12/3/2021.
Trecho de acórdão
“(...) o agravante-autor, com 8 anos, é portador de ‘encefalopatia crônica não evolutiva secundária à anóxia neonatal, caracterizada por deficiência intelectual, tetraplegia espástica e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, além de epilepsia de difícil controle’ e ‘desde junho de 2019, evoluiu com quaro de síndrome neuroléptica maligna por conta das medicações em uso e desde então tem apresentado dificuldade para controle dos sintomas’; já foi submetido a tratamento com o medicamento Canabidiol, tendo o paciente evoluído ‘com controle maior das crises convulsivas, e da espasticidade, ambas de difícil controle’; que ‘no período em que fez uso, o paciente teve melhora clínica e laboratorial, sem necessitar de internação hospitalar, fato corriqueiro antes do uso da medicação supracitada. No momento, o paciente encontra-se internado, por piora dos sintomas citados logo após o término do canabidiol’; dessa forma, necessita com urgência do tratamento contínuo e ininterrupto com a medicação Canabidiol, devido a risco de progressão das crises convulsivas. (...)
O rol de procedimentos e eventos em saúde previstos pela ANS é exemplificativo, e não exaustivo, e representa listagem de cobertura mínima a ser observada pelas operadoras dos planos. (...)
Desse modo, se o plano tem cobertura para a patologia do agravante-autor, não pode recusar o tratamento prescrito pelo médico assistente, sob alegação de que não é prevista a sua ‘cobertura em regime ambulatorial’.
Na demanda, o relatório médico supracitado demonstra o exaurimento dos protocolos clínicos convencionais e a necessidade de utilização da medicação, sobretudo pela melhora significativa do quadro clínico do agravante-autor (id. 86748931, autos originários). Inclusive, o agravante-autor recebeu autorização da Anvisa para importação do medicamento à base de Canabidiol (id. 86748921, autos originários), conforme possibilita a RDC/Anvisa 335/20.
Não se olvida que o REsp 1.726.563, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 990), assentou a possibilidade de recusa do plano de saúde ao fornecimento de medicamentos não registrados na Anvisa, no entanto, faz-se necessária a distinção que excepciona a incidência do efeito vinculante produzido pelo referido precedente.
Isso porque, cuida-se de situação excepcional, pois é permitida a importação e a utilização do medicamento ainda não registrado, mas autorizado tanto pela Anvisa (id. 92031271, autos originários) quanto pela Resolução 2.113/14 do Conselho Federal de Medicina. (...)
E, diante da gravidade do quadro clínico do agravante-autor, a negativa do tratamento não encontra amparo na legislação de regência, pois se o plano de saúde tem cobertura para o tratamento da patologia apresentada pelo agravante-autor, não pode recusar o fármaco, sob alegação de que é medicamento sem previsão de cobertura em regime ambulatorial. (...)”
Acórdão 1362600, 07090648920218070000, Relatora: VERA ANDRIGHI, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 4/8/2021, publicado no PJe: 19/8/2021.
Acórdãos representativos
Acórdão 1408994, 07342952120218070000, Relator: HECTOR VALVERDE SANTANNA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 23/3/2022, publicado no DJE: 29/3/2022;
Acórdão 1398353, 07333339520218070000, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 2/2/2022, publicado no DJE: 21/2/2022;
Acórdão 1382485, 07271839820218070000, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 27/10/2021, publicado no DJE: 18/11/2021;
Acórdão 1381495, 07118674520218070000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA , Quarta Turma Cível, data de julgamento: 21/10/2021, publicado no PJe: 12/11/2021;
Acórdão 1285593, 07273898020198070001, Relator: ARNOLDO CAMANHO, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 17/9/2020, publicado no PJe: 30/9/2020.
Destaques
- TJDFT
Obrigatoriedade de fornecimento de canabidiol pelo Estado
“9. Conquanto o fármaco canabidiol não tenha sido liberado pela ANVISA para livre comercialização no país, mas tendo sido sua importação e comercialização autorizadas pelo órgão regulador, e, por conseguinte, não esteja inscrito nos protocolos clínicos do Ministério da Saúde nem relacionado nos medicamentos dispensados ordinariamente via Sistema Único de Saúde - SUS, tendo sido preceituado ao paciente portador de grave enfermidade neurológica e, segundo os relatórios médicos acostados, configurando a alternativa com a qual o infante poderia ter de volta a oportunidade de viver de modo mais tranquilo e com redução do número de crises, deve ser assegurado seu fornecimento pelo estado como forma de materialização da obrigação constitucional que lhe está afetada, porquanto, na ponderação dos direitos em colisão, sobeja o direito à saúde e à dignidade em contraponto à salvaguarda legal de que a administração somente está obrigada a fomentar medicamentos licenciados e dispensados regularmente.”
Acórdão 1392920, 07026595120198070018, Relator: TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 9/12/2021, publicado no PJe: 26/12/2021.
- STJ
Importação de canabidiol – indisponibilidade na rede pública – ausência de registro na Anvisa – legitimidade passiva da União
“II - Na origem, trata-se de ação ajuizada pelos pais de menor que sofre de paralisia cerebral com quadro grave, que após vários tratamentos infrutíferos, tiveram notícias sobre a utilização do canabidiol, associado ao tratamento para epilepsia, com melhora eficaz nos sintomas da doença.
III - Diante da indisponibilidade de tal medicamento na rede pública, os próprios pais providenciaram a importação, pugnando para que a União e Anvisa se abstivessem de ‘destruir, devolver ou de alguma outra forma fazer com que o canabidiol’ não chegasse ao destino.
IV - Legitimidade passiva da União, diante do pedido específico relacionado à importação, e também em decorrência do entendimento jurisprudencial firmado no sentido da responsabilidade solidária relativa às demandas que envolvam tratamento médico. (...)
VI - Apenas para argumentar, quanto à necessidade de registro na Anvisa, por não se tratar de fornecimento de medicamento, mas apenas de autorização para a importação, não se aplica o entendimento firmado no tema 106 deste Superior Tribunal de Justiça, decorrente do REsps. 1657156 e 1102457, julgados sob a sistemática de recursos repetitivos.” REsp 1657075/PE
Veja também
Indicação médica do tratamento adequado ao paciente – obrigatoriedade de custeio
Resolução da ANS sobre procedimentos médicos - rol exemplificativo
Uso de canabinoides em tratamento médico – fornecimento pelo Estado
Medicamento/tratamento não registrado pela ANVISA – mitigação da exigência de registro
Referências
Artigos 12 e 35-F da Lei 9.656/1998;
Resolução da diretoria colegiada 335/2020 da Anvisa;