Fornecimento de tratamento médico adequado – dever do Estado

última modificação: 2024-02-06T08:40:15-03:00

Tema atualizado em 28/1/2022. 

“I. Pessoa necessitada tem direito líquido e certo ao fornecimento de medicação prescrita para o tratamento da doença que a acomete, a teor do que dispõem os artigos 6º e 196 da Constituição Federal, 207, inciso XXIV, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e 5º, inciso III, 6º, inciso I, alínea “d”, e 19-M, inciso I, da Lei 8.080/1990.”

Acórdão 1371737, 07089825820218070000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Segunda Câmara Cível, data de julgamento: 13/9/2021, publicado no DJE: 28/9/2021.

Trecho de acórdão 

“Prefacialmente, cabe enfatizar que a saúde é direito público subjetivo fundamental, diretamente ligado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal) e, portanto, passível de ser exigido a qualquer tempo (norma de eficácia plena), independentemente da existência de regulamentação infraconstitucional ou de atendimento prévio a procedimentos burocráticos.

Desse modo, a garantia constitucional a saúde é de importância ímpar na ordem constitucional, visto que está intrinsecamente relacionada ao bem maior protegido pelo direito, que é a vida. Nesse sentido, são as lições do eminente Ministro Celso de Mello sobre o tema:

“O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional”. (RE 393175 AgR, Relator:Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, j. 12/12/2006)

Por sua vez, a Lei Orgânica do Distrito Federal, em seu artigo 204, dispõe que:

Art. 204. A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais, econômicas e ambientais que visem:

I - ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade, a redução do risco de doenças e outros agravos;

II - ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, para sua promoção, prevenção, recuperação e reabilitação:

  • 1º A saúde expressa a organização social e econômica, e tem como condicionante e determinantes, entre outros, o trabalho, a renda, a alimentação, o saneamento, o meio ambiente, a habitação, o transporte, o lazer, a liberdade, a educação, o acesso e a utilização agroecológica da terra.
  • 2º As ações e serviços de saúde são de relevância pública e cabe ao Poder Público sua normatização, regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita, preferencialmente, por meio de serviços públicos e, complementarmente, por intermédio de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, nos termos da lei.

Destarte, a garantia do direito à saúde, bem da vida indisponível, é dever do qual o Estado não pode se eximir. Deve por óbvio, e assim se espera, envidar todas as ações e esforços para o pleno exercício por todas as pessoas.

Na situação posta nos autos, verifica-se que restou demonstrada a existência de direito líquido e certo do impetrante, para que este seja submetido à pleiteada cirurgia, tendo em vista que o Relatório Médico emitido pelo Hospital de Base do Distrito Federal, datado de 09/06/2021 (Id. 29272064 – pp. 1/3), no qual descreve a evolução clínica do impetrante, relata que este é portador da doença de Parkinson há mais de 15 (quinze) anos e que os tratamentos medicamentosos até então utilizados não estão mais surtindo-lhe efeitos, não sendo mais possível o seu controle clinicamente, o que repercute severamente na sua qualidade de vida e de seus familiares, tendo, inclusive, risco potencial à vida do impetrante em virtude da progressividade da doença.

(...)

Portanto, verifica-se que restou evidenciada a necessidade de realização do procedimento cirúrgico, reconhecida em Relatório Médico da rede pública hospitalar do Distrito Federal, em que consta a indicação da supracitada cirurgia, tendo em vista o risco potencial de vida pelo caráter progressivo da doença que acomete o ora impetrante, sendo a intervenção do Poder Judiciário legítima para fazer valer o seu direito.

Outrossim, acrescento que não vislumbro, in casu, ofensa ao princípio da isonomia e impessoalidade, porquanto o fato de haver prestação jurisdicional, para garantir direito líquido e certo, não obsta que a Administração adote outras medidas para atender aos demais pacientes também em situação crítica de saúde.

Além disso, não há afronta ao princípio da separação dos poderes, visto que a atuação do Poder Judiciário objetiva resguardar o paciente ante a existência de grave risco à saúde e à vida, bem como suprir a inércia do Estado na prestação de serviço básico de saúde.” (grifos no original)

Acórdão 1389792, 07306118820218070000, Relator: GISLENE PINHEIRO, Primeira Câmara Cível, data de julgamento: 29/11/2021, publicado no PJe: 8/12/2021. 

Repercussão geral 

  • Tema 793 - "O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente." RE 855178/SE

Acórdãos representativos

Acórdão 1391569, 07276845220218070000, Relator: JOÃO LUÍS FISCHER DIAS, Primeira Câmara Cível, data de julgamento: 13/12/2021, publicado no DJE: 16/12/2021; 

Acórdão 1379014, 07206554820218070000, Relator: MARIA IVATÔNIA, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 20/10/2021, publicado no DJE: 25/10/2021; 

Acórdão 1378561, 07118561620218070000, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Segunda Câmara Cível, data de julgamento: 18/10/2021, publicado no PJe: 21/10/2021; 

Acórdão 1374330, 07125731320178070018, Relator: JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 29/9/2021, publicado no PJe: 7/10/2021; 

Acórdão 1351706, 07078956720218070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Primeira Câmara Cível, data de julgamento: 28/6/2021, publicado no DJE: 14/7/2021; 

Acórdão 1351922, 07064205620208070018, Relator: DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 7/7/2021, publicado no PJe: 9/7/2021.  

Destaques 

  • TJDFT 

Tratamento de hemodiálise – transporte especial – necessidade – mínimo existencial – fornecimento pelo Estado – obrigatoriedade

“1. O direito à saúde e à vida são garantidos pela Constituição Federal, cujo art. 196, caput, determina ser dever do Estado o amparo à saúde. Também a Lei Orgânica do Distrito Federal (arts. 204 e 207) reverbera a obrigação do poder público assegurar a disponibilização dos meios para acesso aos tratamentos médicos.

2. Verificada a impossibilidade física e financeira do autor de, por conta própria, se locomover até a clínica onde realiza as sessões de hemodiálise, deve o Distrito Federal ser obrigado a fornecer-lhe transporte especial para assegurar a continuidade do tratamento.”

Acórdão 1366833, 07070302420208070018, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 25/8/2021, publicado no PJe: 9/9/2021.  

Internação domiciliar – home care – assistência por equipe multidisciplinar – necessidade – fornecimento pelo Estado – obrigatoriedade

“1. O direito à saúde e à vida devem ser garantidos de forma eficaz e concreta, competindo ao Distrito Federal fornecer o tratamento necessário para a sobrevivência do paciente, em razão do princípio da dignidade humana consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e por constituir dever do Estado, na dicção do artigo 196 da Carta Política e do artigo 204 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

2. O atendimento e a internação domiciliar, a serem disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde, estão expressamente consagrados na Lei n. 8.080/90, incluídos pela Lei n. 10.424/2002, de sorte que, restando devidamente comprovada, por relatórios médicos especializados, a necessidade do paciente, inexiste qualquer motivo plausível que justifique a omissão do Estado na negativa do fornecimento do tratamento.”

Acórdão 1364953, 07016420920218070018, Relator: SIMONE LUCINDO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 18/8/2021, publicado no PJe: 1/9/2021.  

Internação compulsória – portador de transtorno mental – natureza excepcional – dever do Estado

“1. O direito constitucional à saúde não pode ser desrespeitado e/ou menosprezado, independente de contingências orçamentárias, sob pena de frustração do mínimo existencial dos indivíduos.

2. A Lei nº 10.216/2001 reforça a responsabilidade do Estado pelo desenvolvimento de política de saúde mental e pela promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais (art. 3º). 

3. A internação, especialmente na modalidade involuntária e na compulsória, tem natureza excepcional, por interferir diretamente na autonomia do indivíduo. Assim, só será indicada quando os recursos extra hospitalares mostrarem-se insuficientes, mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos (Lei nº 10.216/2001, arts. 4º e 6º). Precedente.

4. A indicação médica quanto à necessidade de internação de paciente com transtornos mentais, hipossuficiência financeira e vulnerabilidade social em instituição adequada ao quadro permite o reconhecimento do pedido para que o Estado garanta o atendimento, na rede pública ou privada, e arque com os custos do abrigamento. Precedentes.”

Acórdão 1362854, 07042412320188070018, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 5/8/2021, publicado no PJe: 17/8/2021.  

Fornecimento de medicamento – morosidade do Estado – valor despendido pelo exequente – sequestro de verba pública – ressarcimento – possibilidade

“1.Diante do descumprimento de decisão judicial pelo Distrito Federal, que determinou o fornecimento do medicamento de que necessitava o agravado, é possível o sequestro de verba pública com o objetivo de ressarcir o valor despendido pelo exequente.”

Acórdão 1354588, 07208446020208070000, Relator: SÉRGIO ROCHA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 8/7/2021, publicado no PJe: 21/7/2021.  

Medicamento não padronizado – prescrição por médico particular – ineficácia dos fármacos padronizados – paciente hipossuficiente – fornecimento pelo Estado – obrigatoriedade)

“O médico particular detém a mesma capacidade técnica e condições para diagnosticar a doença da paciente, bem como para receitar o tratamento mais indicado para o caso, de modo que permanece o dever estatal de garantir o direito à saúde”.

Acórdão 1353137, 07029138720208070018, Relator: ESDRAS NEVES, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 30/6/2021, publicado no DJE: 14/7/2021.  

Fraldas geriátricas – paciente hipossuficiente – fornecimento – dever do Estado

“1. À luz do disposto no artigo 196 da Constituição Federal e no artigo 207 da Lei Orgânica do Distrito Federal, o Estado tem o dever de prestar assistência farmacêutica à população, razão pela qual a determinação judicial de fornecimento de fraldas não constitui violação ao princípio da legalidade, isonomia ou impessoalidade.

2. As limitações orçamentárias não podem servir de supedâneo para o Distrito Federal se eximir do dever de prestar assistência à saúde (fornecimentodefraldas) a pacientes sem condições financeiras”.

Acórdão 1218217, 07126026320178070018, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 20/11/2019, publicado no PJe: 29/11/2019.  

Veja também  

Referências  

Arts.  e 196 da Constituição Federal;

Art. 207, XXIV, da Lei Orgânica do Distrito Federal;

Arts. 5º, III6º, I, “d”, e 19-M, I, da Lei 8.080/1990.