Casal italiano adota irmãs brasilienses

por SECOM/VIJ — publicado 2015-01-16T17:30:00-03:00

A nova vida de Jaqueline e Juliana

A Comissão Distrital Judiciária de Adoção (CDJA) finalizou o ano de 2014 comemorando o êxito da adoção internacional de mais duas crianças brasilienses. As irmãs Jaqueline e Juliana, adotadas pelo casal italiano Mônica e Gabriele, foram embora para a Itália no último mês de dezembro para começar uma nova vida em família. No ano passado, foram efetivadas oito adoções internacionais de crianças no Distrito Federal, superando todos os anos anteriores.

O dia estava ensolarado na capital do Brasil em 18 de dezembro de 2014. O céu azul, considerado o mar de Brasília, anunciava o intenso dia do casal italiano Mônica e Gabriele, pais das duas meninas adotadas no país. Naquela tarde, foram à Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ/DF) conceder uma entrevista à equipe da Seção de Comunicação da VIJ (SECOM/VIJ) e encerrar a jornada de um mês e meio que passaram no Brasil fazendo o estágio de convivência e resolvendo questões burocráticas no processo de adoção internacional das filhas de 9 e 12 anos.

A conversa durou cerca de 40 minutos e foi marcada por narrativas que iam do desafio à emoção de adotar duas crianças brasileiras. Disseram ter conhecido um pouco de Brasília e da culinária do nosso país. Provaram caipirinha, carne de sol e feijoada. “Gostamos”, disse o casal. Um elogio, vindo de um chefe de cozinha italiano e de uma musicista polonesa que mora há anos na Itália.

Mas o que eles queriam mesmo era concluir, com louvor, o ciclo no Brasil e dar início a outro novinho em folha na Itália. No dia seguinte, foram embora para o velho continente junto com os seus novos tesouros. Meio tímidos no início da entrevista, aos poucos foram se soltando e, ao final da conversa, aceitaram tirar fotos na área externa da VIJ/DF. Com direito a abraços das filhas, ora tímidos, ora mais calorosos, as fotos sinalizavam a vida que segue e a esperança de que nascia ali uma bela família.

O início

Mônica e Gabriele são um casal de 45 anos. Com dez anos de casados e um desejo latente de serem pais, cadastraram-se em um organismo internacional italiano credenciado no Brasil para atuar nas adoções internacionais. Depois da habilitação realizada pela CDJA do pedido de adoção feito pelo casal e da sentença proferida pelo juiz da VIJ/DF, Renato Scussel, foram autorizados a adotar as duas meninas e iniciar o estágio de convivência de 30 dias.

Na prática, a CDJA buscou entre os organismos credenciados pela Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, uma família que desejasse crianças com o perfil compatível com o das irmãs. No DF, a Comissão realizou a habilitação somente após cruzar o perfil da família e das garotas. O procedimento evita criar falsas expectativas em relação a um possível acolhimento. Elas já tinham passado, no início de 2014, por uma malsucedida experiência de adoção internacional e não havia mais espaço para erros.

O casal afirma que, a princípio, não tinha preferência por crianças brasileiras. Eles queriam ser pais, independentemente da nacionalidade. “Coincidiu que o organismo de adoção internacional ao qual nos filiamos na Itália tinha convênio com o Brasil. Estamos contentes com a escolha, pois o povo brasileiro é alegre, gosta de dançar e cantar, até mais que os italianos. Acho que as nossas filhas têm no sangue esse espírito festivo do brasileiro”, ressaltou o pai.

Os italianos são os que mais adotam no Brasil, pela proximidade cultural e por entenderem que as crianças brasileiras se adaptam mais facilmente à nova vida, explica Thaís Botelho, secretária executiva da CDJA. Segundo Thaís, as crianças institucionalizadas gostariam de residir no Brasil, com sua família biológica ou com uma família substituta. Mas se não é possível, a adoção internacional se mostra como derradeira oportunidade de realizarem um sonho e o direito da convivência familiar. 

O primeiro encontro

Mônica e Gabriele disseram que o primeiro encontro com as meninas foi marcante. A filha mais nova, de imediato, os chamou de pai e mãe. A mais velha se referiu aos dois dessa forma já no segundo dia de convivência. Mônica disse que tentava dar àquele momento o ar mais normal possível. Ficava na cozinha organizando as refeições, assistia TV com as meninas e fazia outras atividades de rotina.

O casal disse que já nos primeiros dias deu para perceber um pouco da personalidade delas. “A mais nova é mais enérgica, enquanto a mais velha é mais retraída e precisa da outra para se deslanchar. Mas aos poucos, durante a convivência de quase dois meses no Brasil, a mais velha foi mudando e está mais aberta”, observou.

Mônica disse que no início muitos sentimentos permearam o seu coração. “Tinha medo de que brotasse um sentimento maternal muito forte. Resisti a isso um pouco. Mas foi acontecendo naturalmente. Tanto que, quando elas saíam do apartamento por algum motivo, para brincar por exemplo, já sentíamos falta, até das bagunças”, brincou.

Gabriele diz que a primeira semana foi agitada, mas as coisas ficaram mais tranquilas depois. “O que mais queremos agora é retornar para a Itália e estabelecer a nossa rotina. Todo esse período foi muito intenso, mas também muito cansativo. Ficamos em um apartamento pequeno, sem tantas opções de lazer por perto para a faixa etária delas. Queremos voltar e dar início à nossa nova vida de família na Itália”, registrou.

Após finalizado o estágio de convivência no Brasil, a família permanece em construção. Na Itália, será acompanhada por assistentes sociais e psicólogos de um organismo internacional, que farão relatórios semestrais à CDJA por dois anos.

O trabalho da CDJA e o apoio de voluntários

O casal elogiou bastante o trabalho realizado pela CDJA. “Trabalho belíssimo; trabalho de família mesmo”, disse Mônica. Segundo ela, no primeiro encontro, estavam todos muito sérios. “Falavam de cronograma, regras e dos passos que deveríamos seguir na adaptação. Mas depois fomos nos entrosando e nos tornando uma grande família”, relatou.

Mônica e Gabriele também elogiaram a atuação dos voluntários indicados pelo professor de italiano das meninas, voluntário da Rede Solidária Anjos do Amanhã, programa da VIJ/DF. “Graças ao apoio dessas pessoas, conseguimos nos deslocar pela cidade. O sistema de transporte de Brasília não é tão eficiente e o táxi é muito caro. Eles nos levavam aonde precisávamos. Fomos ao clube com as crianças, ao restaurante, ao parque, tudo conforme o cronograma estabelecido pela Vara”, assegurou o casal.

O processo de adoção internacional é muito dispendioso. Além das passagens, hospedagem e alimentação, ficam por conta da família que adota os custos com tradução juramentada de documentos oficiais e taxas de consularização. Por isso, o apoio oferecido pelos voluntários foi fundamental para amenizar as despesas.

O casal elogiou ainda o trabalho dos psicólogos que acompanharam toda a família, mesmo após o fim do estágio de convivência. O custeio da prestação do serviço dos psicólogos também foi possível graças às parcerias e apoio da Rede Solidária Anjos do Amanhã.

Vida nova

A vida nova na Itália também gera expectativas para o casal. Mônica e Gabriele acreditam que será uma nova adaptação no seu país. “As meninas passarão por uma nova adaptação na Itália e a gente também. Afinal, elas estarão em um país diverso, com cultura, língua e clima diferentes e uma família nova. Será uma grande adaptação para todos nós”, ressaltaram.

Para a secretária executiva da CDJA, o processo de adoção exige muito empenho dos envolvidos para se vencer as dificuldades. “Quando se trata de adoção internacional, ainda há a questão da diferença de idioma e de cultura. As crianças e as famílias têm de ser bem preparadas para as mudanças”, diz Thaís Botelho.

Um pouco dessa preparação foi oferecida às crianças pela CDJA dois meses antes da chegada do casal ao Brasil. Elas foram ambientadas sobre o que aconteceria e tiveram a oportunidade de esclarecer dúvidas e amenizar os medos por meio de conversas e atendimentos psicológicos. Puderam entender o que é a adoção internacional e se despedir da família biológica. Também tiveram aulas de italiano oferecidas por voluntário da Rede Solidária Anjos do Amanhã.  

O outro irmão

Além das duas, as meninas têm um irmão mais novo, de 8 anos, que também foi adotado por um casal italiano, em maio do ano passado. Apesar de residirem em cidades diferentes na Itália, as famílias pretendem manter o vínculo afetivo-fraterno entre eles. “As famílias são sensibilizadas para isso; é algo maior que a própria lei”, afirma Thaís. O garoto mora próximo a Roma, e elas vão morar a uma hora de Milão. A distância que os separa é de aproximadamente 700 km ou 2h de trem.

A intenção é que os irmãos não percam os vínculos e mantenham contato sempre que possível. Se depender do casal e das garotas, isso acontecerá, com certeza. No dia em que foram à Vara para conceder a entrevista, era aniversário do caçula e elas não viam a hora de chegar em casa para desejar-lhe um feliz aniversário na Itália, via Skype. 

A secretária executiva da CDJA conta que o mais difícil para as meninas foi aceitar a separação do irmão. “Elas têm forte vínculo com o caçula”, afirma Thaís Botelho.

A lei excepciona casos de separação fraterna, permitida apenas quando a adoção representar reais vantagens ao bem-estar e ao melhor interesse de cada criança, como aconteceu nesse caso.

A realidade da adoção no Brasil

No Brasil, 98% dos habilitados querem acolher apenas uma criança de 0 a 3 anos. Diante desse cenário, a adoção internacional apresenta-se como alternativa para garantir o direito à convivência familiar a crianças brasileiras acima dessa faixa etária e com irmãos.

Foi por meio dessa possibilidade legal que as irmãs e o irmão foram adotados pelos casais italianos, após trabalho realizado pela CDJA, responsável pelas adoções internacionais no DF. As irmãs e o garoto ficaram na instituição de acolhimento por sete anos.

Thaís Botelho diz que o nível de desesperança dos meninos e meninas que vivem nas instituições é grande. Por isso, concretizar uma adoção é uma felicidade. “A gente vive a alegria das crianças”, compartilha Thaís, ao dizer que valeu a pena todo o trabalho.

Números

Atualmente no Distrito Federal, há 50 crianças e adolescentes até 16 anos e 13 adolescentes de 16 e 17 anos cadastrados para adoção internacional.

Segundo dados citados pela Secretaria Executiva da CDJA, o perfil de adotados por estrangeiros no Distrito Federal é constituído de crianças e adolescentes de 4 a 11 anos e pertencentes a grupo de irmãos. As famílias são casais acima de 40 anos, sem filhos e predominantemente italianos.

Entre 2000 e 2014, a CDJA realizou 26 adoções internacionais, das quais 17 foram de meninos e meninas que faziam parte de grupo de irmãos, e somente nove foram de crianças do sexo feminino. Desse total, 19 adotantes eram casais de italianos.