Pesquisa aponta que maior tempo de internação não diminui os índices de reincidência do adolescente em conflito com lei

por LC/SECOM/VIJ — publicado 2015-03-17T19:07:00-03:00

Uma pesquisa inédita realizada pela Seção de Assessoramento Técnico (SEAT) da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do DF (VEMSE/DF), sob a supervisão da juíza da Vara, Lavínia Tupy Vieira Fonseca, sugere que o tempo de internação dos adolescentes em conflito com a lei não é fator determinante na reincidência. Os adolescentes avaliados tinham entre 13 e 19 anos quando ingressaram na medida socioeducativa, e a taxa de reincidência foi de 53,4% para aqueles que foram liberados com base em decisão que considerou cumprida a medida de internação.

A pesquisa foi desenvolvida com os dados de 283 egressos da Unidade de Internação do Plano Piloto (UIPP), antigo CAJE, liberados entre janeiro de 2011 e agosto de 2013. Os dados foram colhidos nos sistemas do TJDFT (SISTJ e site do Tribunal), nos 12 meses subsequentes à liberação dos adolescentes da medida socioeducativa. Independentemente do delito cometido, o tempo médio de internação dos adolescentes em conflito com a lei variou de 17 a 23,7 meses. “É possível perceber um tempo médio ligeiramente superior para latrocínio e homicídio, sem que isso represente, contudo, uma diferença que supere 3 ou 4 meses para a maioria dos casos”, diz o estudo.

De acordo com os resultados, após a liberação do adolescente da medida socioeducativa, o tempo médio para cometimento de novos delitos (reincidência) foi de 11 meses para aqueles com óbito (tentado ou consumado) e de 6 meses para os demais delitos. Os jovens da amostra apresentaram, quando reincidentes, uma tendência maior a cometer novos atos delitivos ao invés de repetir o ato infracional praticado na 1ª incidência. Para se ter uma ideia, dos 85 adolescentes que foram internados em decorrência de delitos que ocasionaram a morte da vítima 49% voltaram a reincidir, sendo que 90% em delitos que não ocasionaram a morte e apenas 10% no mesmo.

Além do fator tempo de internação, a pesquisa buscou observar a relação entre reincidência e histórico infracional dos adolescentes, ou seja, avaliou se a quantidade de registros infracionais tinha relação com a reincidência após a liberação da medida.

Com base nos dados apresentados, observou-se que o grupo que reincidiu teve, na média, um número maior de registros infracionais do que o grupo que não reincidiu. Esse resultado corrobora achados de outros estudos que apontam para uma tendência maior à reincidência em adolescentes com histórico delitivo maior. Estudos sobre a psicologia do comportamento criminal identificam no histórico de comportamento antissocial – precocidade e constância – um importante fator de risco para a reincidência.

Para o psicólogo Cássio Veludo, um dos servidores da VEMSE/DF que está à frente da pesquisa, o objetivo principal foi identificar a eficácia do tratamento recebido pelos adolescentes no sistema socioeducativo. “Nos deparamos no Judiciário com altos índices de descumprimento das medidas impostas e de reiteração nas condutas delituosas. Diante disso, nos debruçamos sobre esse tema para, em um primeiro momento, investigar o efeito do tempo de internação e do histórico infracional sobre o comportamento de reincidência dos egressos”, diz.

Segundo o servidor, existe na sociedade um discurso de que o endurecimento das punições poderia contribuir para aumentar a eficácia da medida imposta, desde que a pena seja proporcional à gravidade da ofensa. “A diminuição da reincidência seria muito mais uma questão de acertar na dosimetria da punição do que oferecer serviços adequados para a ressocialização. E a pesquisa mostra exatamente o contrário”, assegura.

Cássio entende que a reincidência é um critério importante para medir a ocorrência e o rompimento da conduta delitiva. “Os esforços socioeducativos serão bem sucedidos se contribuírem para a diminuição real e constante das taxas de reincidência na conduta delitiva. Por isso, com base nos resultados, vemos a importância de pensar em programas de acompanhamento e supervisão do egresso pelos 12 meses posteriores à liberação”, diz.

Ele relata que modelos testados no exterior mostram que, quando o adolescente é inserido em programas de gestão do risco de reincidência durante o cumprimento da medida socioeducativa, a reincidência tende a diminuir. “Hoje, o foco do sistema socioeducativo no Brasil recai sobre a proteção. Pensa-se em suprir as necessidades de saúde, aprimorar o desenvolvimento escolar e buscar a profissionalização do adolescente. Mas o sistema deve abranger também a prevenção da reincidência. Devem ser analisados e trabalhados os fatores de risco que levaram aquele jovem a entrar em conflito com a lei”, diz.

A literatura apresenta variados fatores de risco para reincidência, dentre os quais podem ser citados: o histórico infracional do adolescente (quanto mais precoce e constante for o comportamento infracional, maior a chance de reincidir, associação esta que foi corroborada pelo estudo), a associação a pares antissociais (o adolescente se junta a outros jovens para a conduta delituosa) e atitudes e orientações antissociais (crenças e racionalizações que servem de suporte para o comportamento infracional).

Análise dos dados

Pela análise dos dados, não houve qualquer relação entre o tempo de duração da privação de liberdade e o comportamento de reincidência nos egressos estudados. Em outras palavras, tanto os egressos que voltaram a reincidir quanto os que não voltaram seguiram esses caminhos por razões que não se relacionam ao tempo de duração de suas internações.

Segundo técnicos da VEMSE à frente do estudo, existe um pensamento uníssono que relaciona as penas de privação de liberdade com a diminuição da criminalidade, um pensamento que se apoia na ideia de que apenas a experiência da sanção, com imposição de consequências diretas e indiretas pela prática de delitos, seria suficiente para transformar o comportamento antissocial.

“Esse resultado corrobora os dados encontrados em outras pesquisas nas quais também não foram observadas evidências de que haja qualquer relação entre tempo de encarceramento e reincidência ou, quando existe, a relação é de leve aumento na taxa de reincidência associado a políticas de endurecimento e alongamento das penas”, dizem os pesquisadores.