Pesquisa aponta que maior tempo de internação não diminui os índices de reincidência do adolescente em conflito com lei
Uma pesquisa inédita realizada pela Seção de Assessoramento Técnico (SEAT) da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do DF (VEMSE/DF), sob a supervisão da juíza da Vara, Lavínia Tupy Vieira Fonseca, sugere que o tempo de internação dos adolescentes em conflito com a lei não é fator determinante na reincidência. Os adolescentes avaliados tinham entre 13 e 19 anos quando ingressaram na medida socioeducativa, e a taxa de reincidência foi de 53,4% para aqueles que foram liberados com base em decisão que considerou cumprida a medida de internação.
A pesquisa foi desenvolvida com os dados de 283 egressos da Unidade de Internação do Plano Piloto (UIPP), antigo CAJE, liberados entre janeiro de 2011 e agosto de 2013. Os dados foram colhidos nos sistemas do TJDFT (SISTJ e site do Tribunal), nos 12 meses subsequentes à liberação dos adolescentes da medida socioeducativa. Independentemente do delito cometido, o tempo médio de internação dos adolescentes em conflito com a lei variou de 17 a 23,7 meses. “É possível perceber um tempo médio ligeiramente superior para latrocínio e homicídio, sem que isso represente, contudo, uma diferença que supere 3 ou 4 meses para a maioria dos casos”, diz o estudo.
De acordo com os resultados, após a liberação do adolescente da medida socioeducativa, o tempo médio para cometimento de novos delitos (reincidência) foi de 11 meses para aqueles com óbito (tentado ou consumado) e de 6 meses para os demais delitos. Os jovens da amostra apresentaram, quando reincidentes, uma tendência maior a cometer novos atos delitivos ao invés de repetir o ato infracional praticado na 1ª incidência. Para se ter uma ideia, dos 85 adolescentes que foram internados em decorrência de delitos que ocasionaram a morte da vítima 49% voltaram a reincidir, sendo que 90% em delitos que não ocasionaram a morte e apenas 10% no mesmo.
Além do fator tempo de internação, a pesquisa buscou observar a relação entre reincidência e histórico infracional dos adolescentes, ou seja, avaliou se a quantidade de registros infracionais tinha relação com a reincidência após a liberação da medida.
Com base nos dados apresentados, observou-se que o grupo que reincidiu teve, na média, um número maior de registros infracionais do que o grupo que não reincidiu. Esse resultado corrobora achados de outros estudos que apontam para uma tendência maior à reincidência em adolescentes com histórico delitivo maior. Estudos sobre a psicologia do comportamento criminal identificam no histórico de comportamento antissocial – precocidade e constância – um importante fator de risco para a reincidência.
Para o psicólogo Cássio Veludo, um dos servidores da VEMSE/DF que está à frente da pesquisa, o objetivo principal foi identificar a eficácia do tratamento recebido pelos adolescentes no sistema socioeducativo. “Nos deparamos no Judiciário com altos índices de descumprimento das medidas impostas e de reiteração nas condutas delituosas. Diante disso, nos debruçamos sobre esse tema para, em um primeiro momento, investigar o efeito do tempo de internação e do histórico infracional sobre o comportamento de reincidência dos egressos”, diz.
Segundo o servidor, existe na sociedade um discurso de que o endurecimento das punições poderia contribuir para aumentar a eficácia da medida imposta, desde que a pena seja proporcional à gravidade da ofensa. “A diminuição da reincidência seria muito mais uma questão de acertar na dosimetria da punição do que oferecer serviços adequados para a ressocialização. E a pesquisa mostra exatamente o contrário”, assegura.
Cássio entende que a reincidência é um critério importante para medir a ocorrência e o rompimento da conduta delitiva. “Os esforços socioeducativos serão bem sucedidos se contribuírem para a diminuição real e constante das taxas de reincidência na conduta delitiva. Por isso, com base nos resultados, vemos a importância de pensar em programas de acompanhamento e supervisão do egresso pelos 12 meses posteriores à liberação”, diz.
Ele relata que modelos testados no exterior mostram que, quando o adolescente é inserido em programas de gestão do risco de reincidência durante o cumprimento da medida socioeducativa, a reincidência tende a diminuir. “Hoje, o foco do sistema socioeducativo no Brasil recai sobre a proteção. Pensa-se em suprir as necessidades de saúde, aprimorar o desenvolvimento escolar e buscar a profissionalização do adolescente. Mas o sistema deve abranger também a prevenção da reincidência. Devem ser analisados e trabalhados os fatores de risco que levaram aquele jovem a entrar em conflito com a lei”, diz.
A literatura apresenta variados fatores de risco para reincidência, dentre os quais podem ser citados: o histórico infracional do adolescente (quanto mais precoce e constante for o comportamento infracional, maior a chance de reincidir, associação esta que foi corroborada pelo estudo), a associação a pares antissociais (o adolescente se junta a outros jovens para a conduta delituosa) e atitudes e orientações antissociais (crenças e racionalizações que servem de suporte para o comportamento infracional).
Análise dos dados
Pela análise dos dados, não houve qualquer relação entre o tempo de duração da privação de liberdade e o comportamento de reincidência nos egressos estudados. Em outras palavras, tanto os egressos que voltaram a reincidir quanto os que não voltaram seguiram esses caminhos por razões que não se relacionam ao tempo de duração de suas internações.
Segundo técnicos da VEMSE à frente do estudo, existe um pensamento uníssono que relaciona as penas de privação de liberdade com a diminuição da criminalidade, um pensamento que se apoia na ideia de que apenas a experiência da sanção, com imposição de consequências diretas e indiretas pela prática de delitos, seria suficiente para transformar o comportamento antissocial.
“Esse resultado corrobora os dados encontrados em outras pesquisas nas quais também não foram observadas evidências de que haja qualquer relação entre tempo de encarceramento e reincidência ou, quando existe, a relação é de leve aumento na taxa de reincidência associado a políticas de endurecimento e alongamento das penas”, dizem os pesquisadores.