Juiz da VRAIJ fala sobre 27 anos de ECA
Juiz Titular da Vara Regional de Atos Infracionais da Infância e da Juventude fala sobre a temática infracional do ECA
O Estatuto da Criança e do Adolescente completou 27 anos de vigência no último dia 13 julho. Sob sua tutela estão meninos e meninas de 0 a 17 anos de idade, o que corresponde a 55,5 milhões de pessoas, ou seja, 27,03% da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Abaixo segue entrevista com o juiz Márcio da Silva Alexandre, titular da Vara Regional de Atos Infracionais da Infância e da Juventude do DF (VRAIJ) desde julho de 2015. A sua experiência na área infantojuvenil é rica e remonta a 2008, quando atuou como juiz substituto da Vara da Infância e da Juventude do DF até 2015. O magistrado possui ampliada visão sobre o Sistema Socioeducativo em escala nacional, por ter exercido o cargo de juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ter sido membro do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), no período de 2013 a 2014.
Com seu vasto conhecimento e experiência tanto no âmbito do Distrito Federal como no cenário brasileiro, Alexandre volta seu olhar para essa legislação infantojuvenil no que se refere à matéria infracional.
1) Ao longo de quase três décadas de vigência, pode-se afirmar que o ECA se mantém como legislação avançada? Quais as principais conquistas nesse período?
Ainda é possível afirmar que o ECA continua a ser uma legislação avançada, pois ele propôs uma transformação na forma de cuidar da questão da delinquência juvenil. Deixou-se para trás um período em que tudo era possível, inclusive violações de garantias fundamentais básicas, como o simples direito de ser ouvido, em nome de uma política social voltada para proteção da sociedade. A partir da Constituição Federal de 1988 e da implementação do ECA em 1990, ganha relevância o interesse superior das crianças e dos adolescentes, que passaram a ter statusde sujeito de direitos, dotados de todas as garantias processuais conferidas ao homem comum. Desde então, passaram a serem exigidos procedimentos específicos para que o adolescente possa ser acusado de um crime, respeitando-se, assim, o devido processo legal.
2) Quais os grandes desafios para que o Estatuto seja totalmente implementado?
Tenho tido a sorte de conhecer a realidade nacional, no âmbito do sistema socioeducativo, quer como Juiz auxiliar no DMF (CNJ) - Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo, quer auxiliando a Corregedoria Nacional em alguns estados. Sem receio de me equivocar e por incrível que possa parecer, ainda impera o desconhecimento do tema. Costumo mencionar sempre a ideia extraída de um dos livros sobre o assunto: o Direito Penal Juvenil é uma das matérias menos estudadas no cenário nacional. O reflexo disso é a aplicação equivocada da legislação, tendo, invariavelmente, como parâmetro o Direito Penal e Processual Penal comum, o que, não obstante, poder ser um ponto de partida e jamais pode ser utilizado como modelo pronto e acabado no Sistema de Justiça Juvenil.
3) Vossa Excelência acredita que o ECA precisa ser aprimorado?
Com quase 30 anos de idade, no âmbito penal e processual penal, o ECA ainda não sofreu uma significativa mudança. Houve uma mudança desastrosa, operada no âmbito do sistema recursal, retirando a possibilidade de execução imediata da medida socioeducativa, mas, levada a efeito, inadvertidamente, no âmbito de alteração em matéria cível. Daí, voltar ao ponto já mencionado: nem mesmo o legislador parece conhecer o ECA de maneira global.
4) Na sua opinião, por que boa parte da sociedade defende a redução da maioridade penal para debelar a violência?
Por puro desconhecimento e desespero. O que se divulga é a criminalidade envolvendo adolescentes e crianças; não existe um trabalho sério sobre a não reincidência em matéria infracional. Sequer há trabalho razoavelmente bem feito sobre os demais envolvidos no Sistema de Justiça (Ministério Público, Polícia e demais órgãos do Poder Executivo). Então, o que aparece são os casos graves envolvendo crianças e adolescentes como autores de crime. Pouco se fala que esses casos graves constituem um número quase insignificante, considerando o universo total de infrações praticadas por eles. Pouco se fala do trabalho desenvolvido no âmbito dos órgãos citados anteriormente. Enfim, o desconhecimento do assunto leva a busca de caminhos inadequados. Aliado a isso, há o desespero social por melhora nos índices de sensação de segurança. É comum o pensamento de que todo bandido deveria apodrecer atrás das grades, até que um dos nossos corra o risco de ir parar lá. O problema: não há prisão perpétua. Então, a sociedade precisa repensar em uma maneira de melhorar esses índices que não seja pura e simplesmente o encarceramento, pois todos os presos serão soltos um dia.