TJDFT recebe Nobel da Paz Kailash Satyarthi para dividir sua experiência no combate ao trabalho infantil
A Justiça Infantojuvenil do Distrito Federal recebeu, na manhã desta quarta-feira, 14/6, no auditório da Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ/DF), o ganhador do Nobel da Paz de 2014, o indiano Kailash Satyarthi, para um diálogo franco e profundo sobre exploração sexual, tráfico de pessoas, violência, trabalho escravo e outras mazelas que atingem crianças e adolescentes em todo o mundo. O evento foi organizado pela Coordenadoria da Infância e da Juventude do DF (CIJ/TJDFT), cujo coordenador é o juiz titular da VIJ/DF, Renato Scussel.
Compuseram a mesa de abertura o juiz anfitrião, Renato Scussel; o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Des. Mario Machado; o corregedor da Justiça do DF, Des. José Cruz Macedo; o ministro Lélio Bentes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST); o presidente da Associação dos Magistrados do DF (Amagis/DF), Fábio Esteves; o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara; além do próprio Kailash Satyarthi, o convidado de honra. Ainda estavam presentes ao evento representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do UNICEF e do Ministério dos Direitos Humanos.
O presidente do TJDFT teceu breves palavras sobre a solenidade, ressaltando ser uma oportunidade rara para ouvir um Nobel que se destacou no cenário internacional pela luta contra o trabalho escravo infantil. “Vamos desfrutar dessa oportunidade ao máximo”, afirmou. O ministro Lélio Bentes também se pronunciou, dizendo-se honrado com a presença de Kailash e citando uma lenda da cultura indiana sobre motivação e amor. Afirmou que, assim como o visitante ilustre, “devemos procurar o fogo que nos move no lugar mais difícil de acessar: o nosso coração”. Para o ministro, o palestrante tem o dom de extrair o que há de melhor nas pessoas. “Podemos nos inspirar nele e levar esse fogo para os nossos locais de trabalho como juízes, membros do Ministério Público e pessoas que atuam em prol das crianças”, afirmou.
O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação também fez uso da palavra, solicitando a adesão à iniciativa global 100 milhões por 100 milhões, que foi lançada em Brasília, no dia 12/6, além de reconhecer a importância do Nobel na luta contra o trabalho infantil e a exploração de crianças e adolescentes.
Vídeo
Antes de dar a palavra a Kailash, a organização do evento exibiu um vídeo mostrando a sua atuação em prol dos direitos da infância em várias partes do mundo. “Ser cumprimentado pelas crianças é o melhor prêmio que eu poderia receber”, disse em um trecho do vídeo. Em outro, ele afirma já ter tido armas apontadas para sua cabeça por combater o trabalho escravo infantil, mas nunca se intimidou diante da grandeza da causa que defende. “Alguém tem que pagar esse preço. São 150 milhões de crianças e adolescentes em trabalho escravo pelo mundo. Eu trabalho para libertar todas elas. Toda criança é importante para mim”, sustentou.
Centelha de luz
Após esse momento, o premiado conferencista assumiu o púlpito para falar sobre sua iluminada trajetória pela luta dos direitos infantis, que, segundo ele, teve início quando tinha apenas 5 anos de idade. Ele conta que, em seu primeiro dia de aula, sentiu-se profundamente incomodado com o fato de um menino estar do lado de fora da escola por dias seguidos, trabalhando como aprendiz de sapateiro com seu pai, enquanto ele e os demais colegas gozavam do direito de estudar.
Ao indagar representantes da escola sobre essa triste situação, recebeu como resposta que “algumas crianças nascem para estudar e outras para trabalhar e sustentar a família”. Inconformado, dirigiu-se ao pai da criança e fez a mesma pergunta e ouviu dele: “Nós nascemos para trabalhar e não para ir à escola. Nunca pensei sobre isso. Foi assim comigo, com todos os membros da minha família, e é assim com meu filho”, explicou.
Esse fato, somado a sentimentos como compaixão, amor e luta pela igualdade, impulsionou Kailash a construir uma rica trajetória pelos direitos da infância. “Eu me recuso a aceitar que as crianças nascem para trabalhar às custas de sua educação, liberdade e infância”, defendeu, contando outro caso no qual atuou em 1991 e conseguiu evitar a venda de uma menina como escrava sexual para um prostíbulo. “Vendi as joias do meu casamento para pagar o aluguel do caminhão que nos auxiliaria na libertação dessa garota. Na ocasião, fomos recebidos pelos traficantes a pauladas e com muita violência. Ao final, não conseguimos resgatá-la, mas nunca nos sentimos com a cabeça ou com o coração vazio”, contou.
Após essa atitude quase heroica, a polícia, que até então não se envolvia em casos de trabalho escravo de crianças e adolescentes, interveio e conseguiu resgatar não só a menina, mas muitas outras que estavam no local em situação análoga. “Nada é impossível; nada é insolúvel. A solução do problema está junto do problema em si”, declarou.
Kailash conta que, a partir desse caso, iniciou-se na Índia um movimento global de combate ao trabalho escravo com o Judiciário indiano, que, por meio de habeas corpus, conseguiu libertar, ao longo dos anos, 87 mil pessoas (crianças e adultos) dessa condição. “Essas pessoas nunca tinham visto carros, prédios e ruas e, ao serem postas em liberdade, sorriam e pulavam muito. Ver o sorriso delas era sagrado para mim”, comemorou. Como ganho reverso, o Nobel diz ter se libertado do ego e da ilusão de que consegue oferecer liberdade às pessoas. “Elas é que me libertam”, refletiu.
A importância do Judiciário
Com essa atuação importante do Judiciário indiano, o palestrante internalizou o quão importante é esse Poder para a construção de uma sociedade mais justa. Ele citou outro caso em que o Judiciário, a partir de uma denúncia de sua autoria de que crianças desapareciam para se tornarem escravas, agiu para protegê-las. “Levamos esse caso à Suprema Corte e ele foi julgado em 2011. A partir dessa decisão histórica, que introduziu a doutrina da presunção de crime, conseguimos reduzir para a metade o número de crianças desaparecidas por hora no país nos últimos seis anos. Desde então, as autoridades são obrigadas a registrar, investigar e penalizar os culpados pelo sumiço dessas crianças”, afirmou. Apesar de ainda haver uma lacuna entre os casos registrados e os que efetivamente resultam em penalização dos criminosos, Kailash defende que essa mudança representou um ganho significativo, mas ainda há muito o que ser feito para proteger as crianças.
Ao Judiciário do Brasil, o Nobel disse ter um grande respeito, afirmando ser um Poder forte. “O Judiciário deve ser o guardião do espírito do Brasil; do espírito constitucional deste país. A responsabilidade de vocês, juízes e membros da Justiça, é sagrada. Tenho fé em vocês para que o Brasil seja uma grande nação”, projetou.
Ao final, abriu-se um momento para perguntas, e indagado pelo juiz da VIJ/DF, Renato Scussel, sobre como internalizar em todos os órgãos e na sociedade o princípio “da prioridade absoluta de crianças e adolescentes previsto na legislação”, ele sinalizou um caminho que passe pela parceria, pela conscientização e pela atuação proativa. “Sugiro uma união de esforços para o cumprimento da lei por meio do diálogo entre os órgãos (polícia, Justiça, parlamento) e a sociedade. Apostem no diálogo contínuo, que as mudanças virão mais rápido”, destacou.
“Às vezes me pergunto como alguém pode ter a experiência de Deus, sentir Deus. E cada vez mais estou convencido de que Deus se manifesta no sorriso de uma criança, quando você ama os outros, tem compaixão, luta pela igualdade e pela justiça. Deus é justiça. Ele se manifesta e se reflete na justiça. Quando você faz justiça, Deus está com você. O trabalho do Judiciário é sagrado e pode fazer sorrir crianças que estão fazendo trabalho escravo. O Judiciário pode trazer a justiça e a igualdade para todos os seres humanos”, finalizou.
Sobre as campanhas
O diálogo dessa manhã foi voltado para servidores, magistrados e público em geral. Na ocasião, a CIJ/TJDFT fez a adesão às ações da campanha #ChegaDeTrabalhoInfantil, do Ministério Público do Trabalho, e à iniciativa global 100 milhões por 100 milhões, lançada em Brasília, no dia 12/6. Liderada mundialmente por Kailash Satyarthi, a iniciativa tem o objetivo de combater toda forma de exploração infantil e a exclusão escolar. No Brasil, será coordenada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com parceria temática do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI.
Sobre Kailash Satyarthi
Ativista de direitos das crianças e contra o trabalho escravo infantil na Índia, Kailash Satyarthi ganhou o Nobel da Paz de 2014, juntamente com a paquistanesa Malala Yousafzai, pela sua luta contra a supressão de crianças e jovens e pelo direito de todos à educação. O ativista é o fundador da ONG Bachpan Bachao Andolan – Movimento para Salvar a Infância, que luta pelo fim do trabalho infantil e pelo direito à educação.
O indiano de 63 anos também contribuiu para o desenvolvimento de importantes convenções internacionais no campo dos direitos humanos. Ele lidera a organização Global March Against Child Labor – Marcha Global contra o Trabalho Infantil, um conjunto de 2.000 grupos sociais presente em 140 países. Suas atitudes contra a escravidão e os abusos infantis geraram diretrizes adotadas globalmente e já ajudaram dezenas de milhares de crianças que eram tratadas como escravas a recuperar a sua dignidade.