Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Adolescente em acolhimento institucional brilha em espetáculos teatrais e série de TV

por LC/SECOM/VIJ-DF — publicado 28/09/2017

Aos 17 anos, o adolescente João Vitor prepara-se para deixar a entidade de acolhimento, mas vai levar consigo o talento para interpretar novos papéis na vida real e na arte  

A vida do adolescente João Vitor Barbosa Arantes, de 17 anos, não é um conto de fadas. Desde os 4 anos, ele e mais três irmãos, de 16, 14 e 12 anos, vivem em entidades de acolhimento do DF porque a família biológica e extensa não conseguiu cuidar deles. Dificuldades intransponíveis impediram o retorno dos irmãos ao seio familiar. Nesses quase treze anos de acolhimento, foram muitos os momentos difíceis enfrentados por João Vitor, mas também inúmeros os momentos de reflexões que o fizeram ressignificar sua própria história, com todas as nuances tristes e alegres que ela contempla.

Em 2015, veio o convite para integrar uma companhia de teatro brasiliense, exatamente no momento em que ele passava por uma depressão, mesmo não tendo tanta consciência de que enfrentava essa doença. Na época, uma ex-psicóloga do lar onde mora o convidou para conhecer o universo das artes cênicas, apresentando-lhe o teatro e todas as maravilhas que ele é capaz de fazer na vida de uma pessoa. A partir desse convite, João Vitor aderiu à companhia de teatro La Casa Incierta e estreou algumas peças que consolidaram o seu interesse pela interpretação, reafirmando o seu sentimento de pertencimento a uma comunidade. “Ele se encontrou no teatro”, diz a assistente social da unidade em Taguatinga, Natália Alves. 

Desde esse sim no auge de sua adolescência, há dois anos, o jovem coleciona em sua rotina vários momentos dedicados ao teatro e à vida acadêmica e profissional: são quatro horas diárias de trabalho pelo Programa Jovem Aprendiz, aulas no ensino médio e, claro, muitos ensaios para dar conta dos projetos que abraçou. Atualmente, grava a série “As Crias de Dulcina”, que será exibida pela TV Brasília em outubro de 2017.

João Vitor Kira, como é conhecido no meio artístico, também colhe os frutos do lançamento do curta-metragem “1x1”, do qual faz parte do elenco. O filme foi exibido no dia 18/9, no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e no dia 19/9, na Câmara Legislativa, concorrendo ao Troféu Câmara Legislativa. O curta foi um dos 13 selecionados para disputar a 22ª edição do Troféu, cujos vencedores foram divulgados no último domingo, 24/9. A premiação fez parte do Festival. 

O curta “1x1”, que se passa em uma Brasília muito atual, abordando os conflitos entre polícia e sociedade e a criminalidade de jovens, é também um dos 40 selecionados para o International Black Festival, que acontece entre 5 e 8 de outubro, em Nashville, no Tennessee (EUA), e traz as melhores produções com foco em retratar a diversidade e a representatividade. 

Outros projetos

Além da atuação na série “As Crias de Dulcina” e do lançamento do curta “1x1”, João Vitor Kira estreou, em maio deste ano, o espetáculo “Teto e Paz”, produzido pela companhia hispano-brasileira La Casa Incierta e que conta a história de vida de seis adolescentes em contexto de acolhimento institucional, repleta de altos e baixos, riscos e descobertas. A segunda temporada da peça foi apresentada entre os dias 22 de agosto e 3 de setembro, na 18ª edição do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. 

O início

Mas o divisor de águas na vida de João Vitor no mundo das artes aconteceu em 2015, quando estreou a peça “Meninos da Guerra”, baseada na vivência de jovens ex-moradores de rua. O espetáculo fez sucesso na época, dando aos moradores da cidade um novo olhar sobre a experiência cultural em Brasília. A peça “Teto e Paz” é continuação do projeto iniciado com a montagem de “Meninos da Guerra”. 

 O futuro

Daqui a dois meses, quando completar 18 anos, João Vitor deixará o acolhimento institucional e dará novos voos rumo à construção de sua história. Com certeza, o talento para a interpretação despertado no acolhimento institucional será um grande aliado para subir muitos degraus nessa nova fase.

Os anjos do caminho

Para os três irmãos de João Vitor que ficam no serviço de acolhimento, a Rede Solidária Anjos do Amanhã, programa de voluntariado da Vara da Infância e da Juventude do DF, oferece, por meio de seus voluntários, oportunidades para que possam estudar e trabalhar, distanciando-se, assim, das mazelas que atrapalham o desenvolvimento integral dos jovens. 

Uma das estratégias para afastar um dos irmãos do tráfico de drogas foi encaminhá-lo para o Programa ViraVida, do Sesi. Ele ingressou no Programa no final de julho e recebe atenção integral e apoio de uma equipe multiprofissional, formada por psicólogos, professores, assistentes sociais e outros profissionais, além de uma bolsa de 400 reais para despesas pessoais. Devido à defasagem escolar, o garoto foi incluído no EJA – Educação de Jovens e Adultos e também faz aulas de iniciação profissional e cursos de capacitação em várias áreas.

Segundo a equipe técnica do acolhimento institucional, o ViraVida veio atender às necessidades do menino, desde o apoio à defasagem escolar e suporte emocional até ações de capacitação e profissionalização. As técnicas do serviço de acolhimento dizem que ele tem vaga garantida no Programa ViraVida até setembro de 2018, quando completa 18 anos, e, após essa data, tem assegurada uma vaga em programas de estágio.

Assim como esse irmão, o talentoso João Vitor também recebeu o convite da Rede Solidária Anjos do Amanhã para integrar atividades como arteterapia, SUP e psicoterapia, mas devido ao seu engajamento em período integral em outras atividades educativas e profissionais (Programa ViraVida, EJA e ensino regular, Programa Menor Aprendiz no Senai, aulas, apresentações teatrais e participação em cinema), não foi possível a sua adesão.

A Rede Solidária, assim como todo o serviço de acolhimento institucional, se importa e muito com os meninos e as meninas que não puderam estar com suas famílias e foram acolhidos. Ambos os serviços levam muito a sério o princípio da prioridade absoluta e do respeito à condição peculiar da pessoa em processo de desenvolvimento.

Essas crianças e adolescentes devem ser vistos com suas potencialidades e fragilidades próprias de sua idade ou de sua circunstância, com direito a serem amados e acolhidos para que se desenvolvam plenamente, com a urgência e a singularidade que eles precisam e merecem.