Juízes da infância e juventude do DF falam sobre os 28 anos do ECA

por AP/SECOM/VIJ — publicado 2018-07-13T12:08:00-03:00

Nesta sexta-feira (13/7), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 28 anos. Criada em 1990, a lei representa um avanço na promoção e na defesa dos direitos das crianças e jovens no Brasil. Sua promulgação também significou uma mudança de paradigma, pelo qual as crianças e os adolescentes passaram a ser destinatários de um olhar protetivo prioritário por parte do Estado e de suas políticas públicas.

Em comemoração aos 28 anos do ECA, o juiz Renato Rodovalho Scussel, titular da Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ-DF) desde 2002, e o juiz Márcio da Silva Alexandre, titular da Vara Regional de Atos Infracionais da Infância e da Juventude do DF (VRAIJ-DF) desde 2015, falam sobre o Estatuto nas entrevistas a seguir, concedidas à Seção de Comunicação Institucional da VIJ-DF.

ENTREVISTA COM O JUIZ RENATO RODOVALHO SCUSSEL

O juiz titular da VIJ-DF comenta sobre o atual momento do ECA, a evolução da legislação e o significado do Estatuto para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil.

Dr. Renato

Ao completar 28 anos de implementação, como o senhor vê o atual momento do ECA?

Eu percebo que, ao completar 28 anos, o ECA está saindo da juventude e entrando na maturidade. E isso é importante, pois o ECA foi consolidado como uma lei perfeita, mas as leis não são perfeitas. Elas refletem as urgências de uma sociedade. Verificamos com o passar dos anos que a legislação acaba mostrando o nível das políticas públicas ou estrutura do país e a própria mentalidade dos operadores do direito. Mas eu acredito que agora estamos entrando em um período de maturidade. Prova disso é que já conseguimos operar algumas alterações, com leis pontuais visando ao seu aperfeiçoamento, como por exemplo na área de adoção e na implementação das próprias políticas do Conselho Tutelar. Então, vejo com bons olhos esse período de maturidade, e acredito que temos que aproveitar isso para melhorar o sistema.

O que ainda pode ser feito para aprimorar o Estatuto?

Acredito que muita coisa tem que avançar e mudar, principalmente em relação ao sistema de políticas públicas. Um princípio fundamental do Estatuto é o da prioridade absoluta, e ainda não conseguimos consolidá-lo nas nossas práticas, seja no processo legislativo, seja no processo judicial ou seja na formulação das políticas públicas. São esses avanços que ainda temos que solidificar. A maturidade traz não apenas essa reflexão como também a oportunidade de estabelecer novas propostas. Então se eu pudesse ressaltar um ponto para aperfeiçoar no ECA, seria a consolidação do princípio da prioridade absoluta. E para que isso ocorra é necessária a prestação de serviços públicos voltados para as crianças e os adolescentes, e ainda a destinação de orçamentos que priorizem a área da infância.

O que o Estatuto da Criança e do Adolescente significou para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes?

O ECA tem grande significado para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, pois os classifica como categoria especial de pessoa humana, que merece atenção. O Estatuto da Criança e do Adolescente veio para firmar um olhar diferenciado para esse público, garantindo os seus direitos e deveres. Além disso, para efetivar esses direitos, o ECA se estruturou em medidas de prevenção, proteção e responsabilização. A prevenção é a destinação do orçamento em prol de políticas públicas para as crianças e os adolescentes. Já a proteção está relacionada com o trabalho do Conselho Tutelar e as medidas protetivas. E não menos importante, temos a responsabilização, que é a punição do jovem pelo cometimento de ato infracional.

 

ENTREVISTA COM O JUIZ MÁRCIO DA SILVA ALEXANDRE

O juiz titular da VRAIJ-DF ressalta as inovações do ECA, a sua aplicabilidade e os avanços que essa lei trouxe para a sociedade.

Dr. Márcio

Quanto ao depoimento especial que passou a ser obrigatório com a Lei n° 13.431/17, quais foram os reflexos no ECA?  

A criação de procedimento de oitiva especial foi importante para evitar que crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de todos os tipos de violência sofram abusos tão graves quanto os já vivenciados até o julgamento do acusado, na medida em que reduziu a exposição delas a procedimentos que as colocavam em risco de sofrer dano irreparável. Assim, a Lei 13.431/2017, em boa hora, materializou a proteção integral durante o procedimento de apuração do fato, antecipando a manifestação da pessoa a ser ouvida. No entanto, no Brasil, infelizmente, não basta lei para que o direito se materialize. O procedimento é custoso e mexe com poderes institucionais. É preciso vencer algumas barreiras para que ela seja considerada uma "lei que pegou". No âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, é importante evitar que a utilização do procedimento criado pela nova lei extrapole a duração normal do processo infracional, que é bem menor do que o procedimento usado para apurar fato praticado por adulto. Relevante, desse modo, análise sobre a necessidade de sua utilização para atingir o fim almejado.

O que pode ser feito para melhor aplicabilidade dos dispositivos desse Estatuto?

É uma pergunta muito atual, conquanto já estejamos perto dos 30 anos de edição do ECA. Após conhecer a realidade de muitas capitais brasileiras, a pergunta parece ser destinada à legislação que acabou de sair do forno, do Parlamento. O que adianta o legislador fixar um prazo de 120 dias para acabar uma ação se juiz, promotor de justiça e defensor (advogado) acham natural que, com 3 anos, ela esteja ainda na fase de audiências? O que adianta a lei autorizar a aplicação de sanção sem a necessidade de ação-processo-sentença se não aplicamos os institutos existentes na lei? O que adianta a lei limitar a restrição da liberdade do adolescente se nossa primeira opção é a internação? Ainda precisamos avançar muito para aplicar o Estatuto. O principal desafio é entender que o adolescente delinquente nasce numa vara de infância cível. Como cuidamos mal de nossas crianças, elas se transformam em adolescentes delinquentes. Esses, por sua vez, são tratados como imputáveis, sem levar em consideração a necessidade de intervenção precoce. Condenamos um adolescente como condenamos um imputável. Isso não pode dar certo. E o resultado disso é catastrófico: nossas unidades de execução de medidas estão sendo transformadas em cursinho preparatório para o ingresso nos nossos presídios. Então, penso que ajudaria muito voltar a ler o ECA com os olhos de seus criadores e do constituinte originário, da Constituição Federal de 1988.

O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe avanços para a sociedade?

Um avanço significativo foi a fixação da responsabilização da sociedade na implementação da proteção das crianças e dos adolescentes, através da municipalização das políticas de atendimento. Outro ponto muito importante foi a fixação de procedimentos para a aplicação da lei, dificultando, assim, a prática de abusos perpetrados inclusive com apoio do antigo juiz de menores. No entanto, enquanto crianças e adolescentes não tiverem uma escola de qualidade, não há dúvida de que, não obstante nossa lei ser muito boa, a sociedade ainda precisará avançar muito na área de aplicação da lei tão sensível para o futuro do país.