Seminário lança proposta de pacto nacional pelo socioeducativo

por Daphne Arvellos/SECOM-VIJ — publicado 2019-11-08T19:48:00-03:00

Painel4.jpgAutoridades, especialistas e profissionais relacionados ao sistema socioeducativo se reuniram nos dias 6 e 7 de novembro para debater a temática no seminário “Janelas de Oportunidades: da Primeira Infância à Socioeducação”. Além do compartilhamento de informações e boas práticas, o evento deixou como resultado prático a proposta do Pacto Nacional pelo Socioeducativo - Justiça e políticas públicas integradas para promoção da socioeducação: investindo na adolescência, segunda grande janela de oportunidade de desenvolvimento humano. O padrinho da proposta é o ministro Reynaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça  (STJ). 

O seminário aconteceu no auditório Petrônio Portela do Senado Federal e foi organizado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por meio da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas (VEMSE), juntamente com instituições parceiras. O segundo dia do evento trouxe debates sobre a trajetória de construção de mecanismos de proteção e promoção do desenvolvimento de crianças e adolescentes, além de boas práticas. 

Transformar grades em janelas

Painel1.JPGDesde que entrou em vigor o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), instituído em 2012 pela Lei 12.594, tornou-se obrigatório o trabalho integrado e multidisciplinar ao adolescente infrator. A psicóloga Fátima Sudbrack atua nessas ações integradas em pesquisa, ensino e extensão na área das dependências de drogas, envolvendo intervenções sistêmicas e comunitárias em diferentes contextos, como o da delinquência juvenil. A partir desse entendimento e trabalho sistêmico, focado não apenas na pessoa, mas em todos os seus vínculos, ela defende a possibilidade de as medidas socioeducativas se tornarem uma real janela de oportunidade. “Entendemos que o adolescente está transgredindo em busca de algo, mas do quê? Descobrir isso permite que as medidas protetivas transformem-se de grades em janelas”, refletiu. A profissional explicou que as medidas precisam ter significado, ser um espaço transacional de vivência de novas figuras de autoridade, além de promoverem o pertencimento.

As particularidades do adolescente infrator e de suas condutas foram abordadas pela psicóloga judiciária aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Maria Cristina Maruschi. “Temos diferentes padrões de conduta infracional, resultado de uma complexa interação de variáveis. Algumas variáveis aumentam (fatores de risco), outras reduzem (fatores de proteção) a probabilidade de envolvimento em atividades antissociais e infracionais”, explicou a psicóloga através da Teoria de Risco, Necessidade e Responsividade, aplicada no trabalho com adolescentes em conflito com a lei. Com base em tais indicativos, Maruschi lembra a importância das intervenções serem individualizadas e fundamentadas em evidências e dados de pesquisa efetiva.

Também tendo entre seus referenciais a Teoria do Risco, a VEMSE tem aplicado o “Programa de gestão de risco de reincidência e práticas restaurativas” a socioeducandos do meio aberto no Distrito Federal, de modo a evitar que eles cheguem ao meio fechado. “Mais importante que avaliar o risco de reincidência é o que eu posso fazer com isso. É aí que entramos, na identificação desses fatores e das necessidades e com programas centrados neles”, explicou a especialista em Psicologia Forense e Criminal, supervisora da Seção de Assessoramento Técnico da VEMSE, Bárbara Macêdo.

A equipe da VEMSE já promoveu capacitação na Gerência de Atendimento em Meio Aberto (GEAMA) de Sobradinho, que passou a reorganizar suas ações pelos fatores de risco identificados na unidade. Com as práticas, os jovens são impulsionados à responsabilização do dano causado e a reconhecer os outros que foram atingidos, para reparar danos emocionais. Em alguns casos, o adolescente chega a se comunicar com a pessoa diretamente prejudicada, mesmo que indiretamente, por carta ou áudio. Com práticas de Justiça Restaurativa e ações que incluem a família dentro do contexto sistêmico do jovem, busca-se diminuir a reincidência e evitar a vitimização.

Cristiane Damasceno, vice-presidente da OAB-DF, lembrou a importância de também se levar em consideração os filhos das jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, abordando as mães no cárcere e o impacto nos filhos.  “Criança é criança, independente do que o pai ou a mãe tenha feito, e precisa ser preservada. O que vemos hoje é a pena passando da pessoa ao filho. Quando não se pensa na criança, está punindo a criança também”, avaliou.

É preciso enxergar a criança e o adolescente

Mesa2A evolução na forma de se enxergar a criança e o adolescente e a consequente legislação a esse respeito foram lembradas pela representante do UNICEF no Brasil Florence Bauer. “Antigamente não existia um sentimento de infância. Criança não era vista com seus direitos, com sua fase de vida e suas necessidades. Hoje houve inclusive um prolongamento de seu período de consideração e a separação das esferas sociais de adultos e crianças”, disse Florence. Ela lembrou que a Declaração dos Direitos da Criança tornou não apenas os direitos a ela aplicados universais, inegociáveis e indissociáveis, mas também foi um impulso a normativos globais. Apesar de conquistas advindas dessa legislação, como a redução do nível de mortalidade, ela falou dos constantes novos desafios, como a violência, os direitos de crianças migrantes e as tendências de modificação legal na responsabilização penal.

A importância dessa fase foi reforçada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, que trouxe fundamentos científicos indicando a primeira infância como base das competências humanas e as consequências do impulso ou não a esse desenvolvimento na vida. Ele reforçou que não se trata de gasto com essa fase, mas de investimento, sendo que, para cada dólar investido na primeira infância, estima-se um retorno de 7 dólares até os 27 anos. Tais dados fundamentaram a organização de ações robustas com foco nos primeiros anos de vida da criança. “O programa Criança Feliz é hoje o maior programa do mundo de acompanhamento em casa de crianças em situação de vulnerabilidade social”, exemplificou o ministro.  

“A primeira infância traz a ideia de quanto antes melhor, mas nunca é tarde demais”, ponderou Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. O coordenador defendeu outra janela de desenvolvimento, dos 15 aos 25 anos, ciclo de grande movimento cerebral. “A forma mais eficaz de aproveitar o desenvolvimento cerebral na adolescência é ficar perto, ter uma relação responsiva, de feedback, acompanhamento, trazendo para eles ferramentas pessoais e individuais”, afirmou.

Socioeducando como parte da sociedade

ruthTransferir conhecimento científico atualizado à prática é uma das bases do programa de Liberdade Assistida da Organização Comunitária Santo Antonio Maria de Claret (OCSAMC), de Ribeirão Preto, apresentado pela professora Ruth Estevão, sênior do Departamento de Psicologia da USP. O trabalho voltado aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa conta com embasamento teórico e protocolo de colaboração técnica com o Centres Jeunesse de la Montéregie, de Québec, Canadá. Em sua particularidade, o sistema de trabalho facilita a avaliação do adolescente durante o período em que ele aguarda julgamento, com vistas a indicar a melhor intervenção técnica adequada à reinserção social do jovem. 

Também focado na inserção do jovem na comunidade e na prevenção a infrações por meio do esporte, o Programa Forças no Esporte (PROFESP) e o Projeto João do Pulo (PJP) são desenvolvidos pelo Ministério da Defesa, com o apoio da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para  atender o público de 6 a 18 anos em situação de vulnerabilidade social. “Acreditamos no esporte não apenas para antever a delinquência, mas para fortalecer a cidadania, promover a valorização da pessoa e até para a descoberta de talentos”, explicou o coronel Vandeilson de Oliveira, coordenador-geral do PROFESP no Ministério da Defesa.

Luciana Coutinho, procuradora do Trabalho de Minas Gerais e vice-coordenadora da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, apresentou o universo da profissionalização e a legislação pertinente a ela. “A profissionalização de jovens permite ao país crescimento econômico; ao empresário, uma oportunidade de aperfeiçoar nos seus quadros o futuro profissional que fará sua empresa crescer. Para o jovem, é uma oportunidade justa de renda e profissionalização”, argumentou a procuradora.

A aprendizagem socioeducativa como um fator de proteção social especial, com poder de dar autonomia aos jovens em cumprimento de medidas, foi defendida pela diretora de Proteção Social Especial da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Maria Yvelônia Barbosa. Dentro do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), fomenta-se o atendimento do adolescente aprendiz e seus familiares. “Mais do que inserir no mercado de trabalho, é preciso fazer a inserção de forma qualificada”, ressaltou. 

“Ouvimos muito falar sobre fatores de risco. É muito importante falar deles, mas também temos que dar voz aos fatores de proteção. É com muita alegria que falamos dessas iniciativas“, disse a juíza titular da VEMSE, Lavínia Tupy. 

Pensando pais e filhos

A responsividade na relação entre pais e filhos - conceito que envolve o esperar seguro, sensibilidade, empatia e estimulação - traz grandes reflexos no desenvolvimento da criança. Pós-doutoranda no Departamento de Psicologia Aplicada e Desenvolvimento Humano da Universidade de Toronto, Alessandra Schneider defendeu que as interações responsivas acontecem quando se percebe a perspectiva da criança. “Sigam a liderança da criança, façam perguntas e aguardem sua resposta, reconheçam seu esforço e a elogiem”, exemplificou Alessandra. 

Também focada na importância da relação entre pais e filhos, Regiane Morais, coordenadora do serviço Aldeias Infantis SOS Brasil de Campinas (SP), apresentou o programa da Casa Lar para adolescentes na cidade. “Os espaços visam garantir o direito à maternidade de adolescentes em situação de vulnerabilidade social e evitar o rompimento de vínculos na primeira infância”, explicou. As Casas com essa proposta começaram atendendo mulheres adultas e em situação de rua, evoluindo para receber adolescentes, pensando na proteção da jovem e da criança durante a gravidez e nos primeiros meses após o parto. Ana Carolina, uma das meninas já atendidas, hoje com 18 anos, deu seu depoimento de como o programa a ajudou na superação das adversidades durante a gravidez e após ter o filho que nasceu com problemas de saúde.

paineisDentro do TJDFT, é realizado trabalho que busca aproximar esses dois pontos. A Oficina de Pais e Filhos trabalha com famílias que tenham processo em Vara de Família. “A oficina enxerga a criança e o adolescente de forma sistêmica, dentro da família e da comunidade, em um espaço que tem entre seus princípios a imparcialidade e a confidencialidade”, explicou Bernardina Vilhena, mediadora e assessora técnica da VEMSE. 

Gustavo Camelo Baptista, diretor de Políticas Públicas e Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tratou ainda da parceria da família em situações de filhos usuários de drogas. No trabalho de enfrentamento e prevenção, a Secretaria trabalha com o entendimento das macrocausas do uso de entorpecentes, em associação com infraestrutura, estudo, moradia.

Trabalho em rede

O seminário contou com a colaboração de diversos órgãos e entidades (veja a lista completa dos organizadores e apoiadores aqui)

O Pacto pelo Socioeducativo terá as seguintes instituições como signatárias:

    1. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
    2. Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância
    3. Superior Tribunal de Justiça (STJ)
    4. Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
    5. Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
    6. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
    7. Ministério Público do Trabalho (MPT)
    8. Defensoria Pública do Distrito Federal
    9. Ministério da Cidadania 
    10. Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
    11. Ministério da Justiça e Segurança Pública
    12. Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade
    13. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
    14. Organização Internacional do Trabalho (OIT) 
    15. Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI)

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