VEMSE apresenta em seminário levantamento inédito de dados sobre medidas socioeducativas no DF

por João Aurelio de Abreu/SECOM-VIJ — publicado 2019-11-07T18:27:00-03:00

Painel sobre o monitoramento do sistema socioeducativo.jpgNa tarde desta quarta-feira (6/11), no seminário “Janelas de Oportunidades: da Primeira Infância à Socioeducação”, foi abordado o tema “O monitoramento do sistema socioeducativo”, com destaque para a apresentação da juíza Lavínia Tupy, titular da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do DF (VEMSE), e do psicólogo Cássio Veludo, assessor técnico da VEMSE. Eles apresentaram os resultados da criação de um banco de dados sobre os processos examinados pela VEMSE.

A juíza Lavínia Tupy iniciou lamentando que não haja dados suficientes sobre os processos relacionados às medidas socioeducativas. “Os dados são mínimos e não permitem elaborar políticas públicas eficazes, identificar e mensurar as causas e os efeitos do engajamento delitivo, para que se possa estudar o fenômeno infracional a partir das evidências”, comentou.

“A rede que deveria ser uma rede conectada é desconectada”, disse a juíza, referindo-se ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Segundo ela, os dados existentes não se transformam em informações efetivas. Exemplificou com os dados sobre os adolescentes infratores em regime de semiliberdade. Se esse infrator comete um crime mais gravoso, o processo da semiliberdade é extinto e ele passa a responder pelo novo delito, e esse processo não é computado nas estatísticas porque, ao ser extinto, o jovem deixou de responder por dois processos e ficou apenas com o mais gravoso. “Há muitas opiniões e convicções, mas com baixa fundamentação teórica”, lamentou.

A juíza explicou que a pesquisa sobre as medidas socioeducativas no Distrito Federal teve início em 2017, com a criação de uma equipe e a definição do fluxo para inserção dos dados que fossem levantados. O objetivo era quantificar e qualificar os dados da execução das medidas socioeducativas; identificar pontos de melhoria do sistema; pesquisar o fenômeno infracional e divulgar dados, tendo aí uma preocupação com a dicotomia entre a transparência e o sigilo.

Juíza Lavínia Tupy.jpgHoje, segundo ela, já estão inseridos no banco de dados 12.525 processos. Entre os dados levantados estão prevalência dos delitos (o roubo é o delito mais praticado, seguido pelo tráfico); quantidade de processos por ano; comparação quantitativa entre processos ativos e processos inativos; decisões mais comuns; motivos de extinção dos processos; idade dos infratores; mapas das cidades com levantamento sobre quantitativo de infrações em cada uma; percentual de reincidência, além de outros dados. Lavínia afirmou que os levantamentos continuam e ela espera que esses dados possam ajudar a criar políticas públicas mais eficazes para evitar a criminalidade entre os adolescentes.

O psicólogo Cássio Veludo comentou que o projeto do banco de dados tem como objetivo “produzir instrumentos para estudar uma realidade e conhecimento para entender por que temos a sensação de que estamos enxugando gelo” quando se trata de prevenir a violência cometida por adolescentes. Ele espera que o resultado desse levantamento realizado pela VEMSE contribua para a definição de políticas públicas eficazes.

Bússola Social

No mesmo painel, o assessor de Ação Social da Rede Salesiana Brasil, padre Agnaldo Soares, e o diretor do Instituto Selo Social do Brasil, Áureo Giunco Júnior, apresentaram uma palestra sobre “Plataforma de gestão e monitoramento Bússola Social: tecnologia social da primeira infância ao sistema socioeducativo”. Eles também criticaram a falta de dados e o comprometimento disso para a implantação de políticas públicas. Apresentaram uma plataforma digital denominada Bússola Social, que poderia integrar os dados, formatá-los e preencher essa lacuna atualmente existente.

Padre Agnaldo criticou o fato de ainda não se ter feito uma avaliação dos resultados do Sinase, passados sete anos da sua criação. “Estamos ficando para trás, ao invés de avançarmos. Deveríamos estar fazendo a segunda avaliação do sistema, pois está previsto na lei que essa avaliação deve ser feita a cada três anos”, criticou.

Sinase

A última palestra deste painel foi apresentada por Danyel Iório de Lima, coordenador nacional de Medidas Socioeducativas do Ministério da Cidadania. “Estamos atrasados na avaliação do sistema”, concordou Danyel com as críticas feitas a respeito disso anteriormente. Mas informou que estão contratadas duas instituições que já estão fazendo esse levantamento. Uma está levantando os dados sobre o meio aberto e a outra está pesquisando o meio fechado de cumprimento de medidas socioeducativas. Ele espera “territorializar” os números para que se faça uma política pública de prevenção em cada um dos territórios pesquisados. “Esse monitoramento gera o desafio de entender esse ecossistema de informação. O dado existe, mas demanda um esforço para gerar informação. E junto a isso devemos respeitar todas as instituições e não criar um sistema único que todo mundo use. Cada estado, cada município tem sua realidade própria e pode gerar o seu sistema, e nós pegamos os dados comuns e fazemos os nossos estudos de forma nacional”, defendeu.

A presidência e moderação do painel ficou a cargo de Francisco Luciano de Azevedo Frota, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj).

Cultura de paz

Caminhos para a construção da cultura de paz no ciclo da vida.jpgEm outro painel do seminário, o tema discutido foi “Caminhos para a construção da cultura de paz no ciclo da vida”, sob a coordenação da deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF), vice-presidente da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância, com moderação dos debates pela promotora de Justiça do Espírito Santo Andrea Teixeira de Souza, membro da Comissão da Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Antes da apresentação do painel, o Núcleo de Ensinamento de Viola Caipira de Ceilândia apresentou diversas peças do cancioneiro do sertanejo de raiz.

Ao abrir os trabalhos, a deputada federal Paula Belmonte destacou que o próprio nome do seminário já apresenta a chave do que estamos procurando. “Se investirmos na primeira infância, não teremos a necessidade da socioeducação”, disse. Ela ressaltou que se deve investir na educação. Segundo a deputada, um adolescente no socioeducativo custa em média 9 mil reais por mês, enquanto o custo de uma criança na escola não chega a 10% desse valor.

A primeira palestra do painel foi apresentada pelo coordenador da Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade, professor Geraldo Caliman. O tema abordado foi “Perspectivas para a prevenção da violência”. Ele fez uma apresentação das diversas ideologias que influenciam as ações dos assistentes sociais para prevenção da violência nas famílias. O professor evidenciou que muitas dessas ideologias pregam a punição como forma de reeducação dos adolescentes. E essa é, hoje, segundo ele, a maior tendência da nossa sociedade, pois se debate o aumento das penas, a redução da maioridade penal, entre outros temas semelhantes.

Caliman fez uma comparação entre o Positivismo e a Escola de Chicago. A primeira defendia que o indivíduo já nasce culpado, e por isso deve ser socializado; e a segunda dizia que a responsabilidade da infração é da influência social. No Positivismo havia uma tendência a se punir mais para buscar a ressocialização. Na Escola de Chicago a tendência era segregar os indivíduos da sociedade.

O professor finalizou defendendo investimentos na educação. “Se a pessoa aprende a ser delinquente, pode muito bem aprender a conviver pacificamente em sociedade. Na escola deve-se promover a integração do adolescente com a família, a comunidade e as instituições sociais”, disse. E terminou afirmando que na socioeducação deve-se ensinar os valores morais e éticos e, principalmente, ensinar a definir um projeto de vida para que os socioeducandos vejam que há um futuro que podem construir para eles próprios.

Justiça Restaurativa

A segunda palestra do painel foi apresentada pelo psicólogo Paulo Moratelli, delegado internacional para o Brasil da Sociedad Científica de Justicia Restaurativa. Ele defendeu o desenvolvimento da Justiça Restaurativa sob a perspectiva de transformativa. Afirmou que o custo social da internação de um adolescente é imensurável, porque essa internação pode fazer com que ele acabe se vinculando ao crime organizado, que faz favores e depois cobra, e muitos homicídios têm por causa uma prestação de contas.

Segundo Moratelli, a Justiça Restaurativa busca criar relacionamentos adequados e positivos para afastar o adolescente da criminalidade. Ele ressaltou que as vítimas, os ofensores, a comunidade e o Estado têm necessidades que precisam ser atendidas em conjunto. “E para isso, deve-se ter um olhar sistêmico para saber quais são os relacionamentos que envolvem o infrator e descobrir o contexto que o levou a delinquir”, explicou.

Formação especializada

Em seguida, o professor Rogério de Andrade Córdova, da Universidade de Brasília, apresentou a palestra sobre o tema “O que significa socioeducação?”. Ele expôs alguns aspectos de um estudo que fez sobre a eficácia das medidas socioeducativas na França, fazendo algumas comparações com a socioeducação praticada no Brasil. “Enquanto na França, com 70 milhões de habitantes, existem cerca de 800 adolescentes infratores, Brasília, com uma população de pouco mais de 3 milhões, tem pouco mais de 700”, afirmou.

Para ele, o problema fundamental é a forma como se trabalha pedagogicamente os adolescentes infratores. “Se o adolescente está em conflito com a lei, a socioeducação deve fazer com que ele aprenda a lei. O adolescente foi reprovado na conduta social e não nas disciplinas de escola”, comentou.

O professor considera que no Brasil o educador não funciona, porque fala-se mais em punir do que em educar. “Medida socioeducativa aqui é eufemismo para punição. Propomos coisas maravilhosas, mas a prática é uma tragédia”, criticou.

Ele apresentou o exemplo da França, onde os educadores que integram o sistema socioeducativo são especializados. Segundo Córdova, naquele país, os profissionais do sistema passam por um curso de formação, aliando ciências humanas e práticas pedagógicas. Ele defendeu que se faça algo semelhante no Brasil para se conseguir atingir os objetivos de se socializar o adolescente, integrando-o à sua comunidade.

Relato

No intervalo entre os dois painéis, o embaixador da Juventude da Organização das Nações Unidas Jeconias Vieira Lopes Neto apresentou um relato sobre o período em que realizou ações que o levaram a cumprir medidas socioeducativas durante anos, chegando a ser apenado no presídio da Papuda, depois de atingir a maioridade.

Ele disse ficar impressionado como a criminalidade consegue arregimentar as crianças para suas atividades, prometendo a realização de sonhos e dando a elas uma sensação de pertencimento, o que, na sua opinião, a escola não consegue fazer.

Jeconias afirmou que o tráfico consegue empoderar as crianças e os adolescentes que não se sentem acolhidos pela escola e pela sociedade à qual pertencem. “O traficante dá uma arma para a criança, mesmo que com pólvora seca, dando a ela uma sensação de poder, dizendo que ela é a dona daquele pedaço. É isso que faz com que cada vez mais jovens ingressem nas fileiras do crime”, comentou.

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