1ª VIJ-DF lembra a luta contra os maus-tratos infantojuvenis
No Dia Internacional da Luta pela Erradicação dos Maus-Tratos Infantojuvenis, 25 de abril, a 1ª Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (1ª VIJ-DF) lembra que a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público têm o dever de proteger as crianças e os adolescentes e assegurar seus direitos com absoluta prioridade. Segundo a Constituição, esse dever coletivo inclui “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (art. 18).
Apesar da lei, denúncias de maus-tratos e violência contra o público infantojuvenil continuam sendo registradas diariamente em todo o Brasil. Somente a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos registrou mais de 150 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes em 2022, sendo que cada denúncia pode se referir a uma ou mais violações de direitos. Este ano, já foram contabilizadas pela Ouvidoria quase 52 mil denúncias de janeiro a março. Considerando outros órgãos que recebem esse tipo de notificação, como os conselhos tutelares e as delegacias especializadas, esse número é ainda maior, sem falar os casos que nem chegam às autoridades.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), maus-tratos às crianças são todas as formas de violência física e psicológica, abuso sexual, negligência ou tratamento negligente, exploração comercial ou de outro tipo, resultando em dano real ou potencial à saúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade da criança, no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder. Embora existam variações na conceituação de maus-tratos, inclusive para a tipificação do crime e aplicação de pena na legislação brasileira, o olhar mais amplo sobre a questão se mostra coerente com sua complexidade em estudos psicossociais, ações de atendimento às vítimas e políticas públicas de proteção e prevenção.
No âmbito da 1ª VIJ-DF, a Seção de Atendimento à Situação de Risco (SEASIR) inclui os maus-tratos entre as várias formas de violência e violação de direitos contra crianças e adolescentes. Nos casos atendidos pela Seção, há predominância de situações de negligência, além de violência física e psicológica. Segundo a supervisora substituta da SEASIR, Aline Wanderer, essas situações são bastante correlacionadas a contextos de intensa vulnerabilidade social vivenciada pelas famílias atendidas. Em 2022, a Seção concluiu 192 estudos psicossociais, que envolveram 305 crianças e adolescentes vítimas de um ou mais tipos de violência ou violação de direitos. Desse total, 34% tinham até 6 anos de idade, 39% de 6 a 12 anos e 27% de 12 a 18 anos incompletos.
Em ordem decrescente de ocorrência, mães, pais, padrastos, avós maternos e avós paternos apareceram como autores dos maus-tratos nos casos analisados pela SEASIR/1ª VIJ-DF ano passado nos quais o dado de autoria foi coletado. Como principais agentes de proteção, também em ordem decrescente, foi registrada a ação das mães, dos avós maternos e dos pais. “Em uma sociedade na qual os cuidados dos filhos são majoritariamente atribuídos e cobrados das genitoras, não é de se estranhar que sejam elas também aquelas que aparecem, com maior frequência, vivenciando dificuldades no exercício do papel parental. Interessante, igualmente, que também aparecem, majoritariamente, como agentes de proteção às crianças perante a violência praticada por outros autores”, avalia Aline Wanderer.
A 1ª VIJ-DF costuma receber vítimas cujos cuidadores principais ou guardiões são os autores da violência. Contudo, a SEASIR esclarece que isso não significa a inexistência de maus-tratos em outros contextos da família extensa, comunitários, sociais e institucionais. Aline lembra que o reconhecimento e a nomeação da violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno muito recente em nossa sociedade. “Para grande maioria dos adultos, algum nível de posturas agressivas contra crianças é visto como natural, esperado, necessário e, mesmo, educativo. Contribui para isso o fato de que boa parte das mães e pais passaram, eles mesmos, por sistemas de educação marcados por violências de diferentes espécies que, por vezes, não são sequer reconhecidas por eles e, assim, tendem a ser repetidas no exercício da parentalidade”, analisa.
Para a supervisora, chama a atenção nos casos recebidos pela 1ª VIJ-DF o fato de que situações de maus-tratos intrafamiliares não ocorrem em um recorte que permita apenas um olhar de responsabilização individual dos genitores ou cuidadores praticantes da violência. “De forma geral, a violência contra crianças e adolescentes está vinculada a uma série de outras violações de direitos e formas de violência que acometem a família, diretamente relacionadas à ausência do Estado na garantia de direitos fundamentais, e que demandam intervenções em níveis variados, bem como ação integrada da rede protetiva, para que seja alcançada a proteção da criança e do adolescente de forma eficaz e em longo prazo”, explica Aline Wanderer.
A partir dessa constatação, a supervisora ressalta que se faz necessário um olhar que vá muito além da criminalização dos pais ou responsáveis. “A naturalização da violência e uma visão adultocêntrica, que não vê em crianças e adolescentes o status de indivíduos completos e sujeitos de direitos, são aspectos enraizados em nossa cultura. Nomear esses fenômenos e criar legislações que tendam a modificá-los pode ser um primeiro passo para a intervenção. Entretanto, são necessárias políticas públicas efetivas que objetivem esclarecer, conscientizar e ofertar às famílias recursos e ferramentas que lhes permitam compreender novas propostas de educação sem violência e refletir acerca das experiências de maus-tratos vivenciadas em sua própria criação, em parceria com equipamentos da educação, da saúde, da assistência social e da garantia de direitos”, afirma Aline.
Identificação e consequências dos maus-tratos
Sinais físicos, comportamentais e emocionais devem ser observados na identificação da violência ou maus-tratos infantojuvenis. Aline Wanderer explica que as consequências são diversas e bastante variáveis. De acordo com especialistas, todas as formas de violência comprometem em algum grau a saúde e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, que podem carregar sequelas até a idade adulta, principalmente se não forem devidamente acolhidos e tratados.
Ainda segundo estudiosos do tema, as vítimas podem apresentar hematomas, cortes e fraturas no corpo, alterações como choro e irritabilidade frequentes sem motivo aparente, apatia, tristeza constante, atraso no desenvolvimento, distúrbios alimentares, do sono e de aprendizagem, agressividade, tiques ou manias, baixa autoestima, comportamento de risco, isolamento social ou dificuldade de socialização, entre outros indícios e consequências da violência.
Ações de orientação e proteção
Conforme Aline Wanderer, o ambiente escolar tem papel privilegiado no sentido de orientar as crianças e suas famílias contra os maus-tratos, tendo em vista poder implementar currículos que objetivem a educação voltada aos direitos humanos e fomentar espaços coletivos de resolução pacífica de conflitos na comunidade escolar. “Além disso, os profissionais da escola são, frequentemente, os primeiros atores da rede de proteção a identificar indícios da ocorrência de situações de violência com relação a seus alunos”, completa.
A supervisora destaca a importância de crianças e adolescentes saberem identificar pessoas e espaços de confiança, aos quais possam solicitar ajuda, e serem educados a compreender seus próprios direitos e os caminhos para sua autoproteção. Nesse sentido, a 1ª VIJ-DF lançou recentemente o vídeo educativo Um Presente Especial, em formato de desenho animado, especialmente para crianças de 4 a 11 anos.
O vídeo é uma adaptação da cartilha de mesmo nome criada e utilizada há vários anos pela equipe psicossocial da Vara, como ação preventiva no trabalho de proteção infantojuvenil contra a violência. O objetivo é ajudar a criança a entender a diferença entre toques bons (relacionados aos cuidados adequados) e toques ruins (relacionados à violência) e validar o seu direito de dizer não à violência e de pedir ajuda.
Canais de denúncia
Maus-tratos e atos de violência contra criança ou adolescente são crimes passíveis de reclusão conforme o Código Penal. O art. 13 do ECA diz que “os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”.
No Distrito Federal, as denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes também podem ser feitas pelo Disque 125. Há ainda o Disque 100, serviço do Governo Federal que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos de todo o país. Lembre-se: é dever de todos proteger crianças e adolescentes e comunicar os órgãos competentes sobre suspeita ou confirmação de violência e maus-tratos infantojuvenis.