27 de setembro - Dia nacional da Doação de Órgãos

A data, instituída pela Lei nº 11.584/2.007, visa conscientizar a sociedade sobre a importância da doação e, ao mesmo tempo, fazer com que as pessoas conversem com seus familiares e amigos sobre o assunto. Apesar da ampliação da discussão do tema nos últimos anos, trata-se ainda de um assunto polêmico e de difícil entendimento, resultando em um alto índice de recusa familiar. Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificou três motivos principais para essa alta taxa de recusa, que não ocorre só no Brasil: incompreensão da morte encefálica, falta de preparo da equipe para fazer a comunicação sobre a morte e religião.
por Pró-Vida — publicado 2021-09-28T15:16:00-03:00

Sobre Doações e Transplantes de Órgãos

Muitas pessoas invocam um sem-número de desculpas para não doar os órgãos: superstições, medo de que sejam removidos ainda estando vivas ou, simplesmente, por serem desfavoráveis. Certamente, não teriam a mesma opinião se necessitassem de um transplante. Uma doença grave pode manifestar-se em nós quando menos esperamos.

Independentemente dos méritos ou deméritos do ponto de vista de cada um, na prática dos atos do cotidiano é preciso encarar esta indiscutível verdade: contribuir para salvar a vida de alguém que precisa ter um órgão degenerado substituído é feito admirável, merecedor de louvor. Nenhuma religião é contrária a tão elevado gesto de magnanimidade e humanidade.

De maneira geral, o ser humano, uns mais, outros menos, deseja fazer o bem ao semelhante, em franca demonstração de amor ao próximo. Contudo, crendices somadas à falta de informações e oposição da família são os maiores responsáveis pelo insuficiente número de doadores. Qualquer um pode doar. O que vale é estar com boa saúde avaliada pelo médico e atender certos limites de idade: 75 anos para os rins, 70 para o fígado, 69 anos para sangue, 65 para peles, ossos e válvulas cardíacas, 55 para o pulmão, o coração e medula óssea, 50 para o pâncreas. Para córneas não há limite.

Em nosso país, a Constituição Federal diz que a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e derivados, vedado todo tipo de comercialização (Art. 199, § 4º). Contanto que sejam gratuitas e tenham intuito humanitário ou científico, a permissão legal para a disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou depois da morte, com a finalidade de transplantes e tratamentos está na Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, conhecida como Lei dos Transplantes, e no Decreto n. 9.175, de 18 de outubro de 2017, seu regulamento.

Na medida em que não produza danos em si, qualquer pessoa juridicamente capaz tem a permissão da lei para desfazer-se de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo para fins terapêuticos ou transplantes, em benefício de cônjuge e parentes consanguíneos até o quarto grau. Aos não parentes, é preciso obter autorização judicial, a qual é dispensada para os casos de doação de medula óssea.

Iguais exigências servem para os estrangeiros aqui residentes que desejarem doar os órgãos, tecidos, células e partes do corpo aos cônjuges, companheiros ou parentes até o quarto grau, brasileiros ou não. Se o receptor for estrangeiro não residente no país, a realização do procedimento será permitida apenas em benefício do cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até o quarto grau.

O interdito, como incapaz de consentir, está impedido de dispor os órgãos e/ou partes do corpo, ainda que o intuito do ato tenha caráter humanitário e terapêutico. A decisão de doar é de natureza personalíssima, razão pela qual o consentimento não pode ser suprido por ato do curador ou do judiciário.

Comprar, vender, promover, intermediar, facilitar ou obter qualquer tipo de vantagem com a transação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, são práticas delituosas que a Lei dos Transplantes pune com reclusão de três a oito anos mais multa de 200 a 360 dias-multa. O valor do dia-multa é fixado pelo juiz entre o mínimo de um trigésimo e o máximo de cinco vezes do maior salário mínimo vigente ao tempo do fato.

O Código Penal também tem suas disposições: prevê reclusão de quatro a oito anos, mais multa, a quem agencia, alicia, recruta, transporta, transfere, compra, aloja ou acolhe pessoas mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a intenção de remover órgão, tecidos ou parte do corpo. A pena é aumentada se o crime for cometido por funcionário público no exercício das funções ou se praticado contra criança, adolescente, idoso ou deficiente.

Tão só os portadores de doença progressiva, incapacitante e irreversível podem ser submetidos a transplantes, competindo realizá-los apenas equipes especializadas e hospitais com permissão do órgão central do Sistema Nacional de Transplantes – SNT. A qualquer momento, antes de ser concretizada, o doador ou seus responsáveis legais têm a possibilidade de cancelar a doação.

É possível a substituição de mais de um órgão de uma só vez. O Hospital Israelita Albert Einstein e o Hospital das Clínicas de São Paulo já realizaram transplantes multivicerais, abrangendo ao mesmo tempo fígado, intestino, estômago e pâncreas.

No momento atual da evolução da ciência médica regenerativa há a possibilidade de utilizar, de doador vivo, tecidos, córneas, medula óssea, um dos órgãos duplos (ex.: rim) e parte do fígado e do pulmão. De pessoa morta ou com diagnóstico de morte encefálica (ME), pulmões, coração, fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, pele, veias, válvulas cardíacas, ossos e tendões. O Conselho Federal de Medicina é o único órgão que possui atribuições para a rigorosa determinação científica da morte encefálica (Resolução CFM n. 2.173/2017).

Após a retirada dos órgãos e tecidos da pessoa morta, o corpo é reconstituído e os cortes produzidos são suturados para que não se perceba a ausência dos órgãos removidos.

Quando o doador for vivo, o prontuário médico deve conter o resultado dos exames feitos para avaliar a possibilidade da remoção do órgão e a do transplante e, se for o caso, incluir a autorização do Poder Judiciário para a realização do procedimento. Tratando de doador falecido, o prontuário deverá conter os laudos dos exames realizados, comprobatórios da morte encefálica, e a viabilidade da utilização dos órgãos, dos tecidos, das células ou das partes do corpo, juntamente com o original ou cópia autenticada dos documentos utilizados na identificação do doador. A prova do consentimento do receptor e a cópia dos laudos dos exames terão de compor o prontuário.

A família ou a entidade familiar constituída por companheiro ou companheira heterossexual ou homossexual, sempre precisa ser consultada e orientada sobre os procedimentos. A doação só pode acontecer com as respectivas autorizações.

Durante os anos de 1997 a 2001 vigorou entre nós lei dispondo que toda pessoa era considerada doadora, desde que não constasse o contrário em seu documento de identificação (RG) e na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Tratava-se, então, de consentimento presumido. Entretanto a Lei n. 10.211/2001 passou a exigir que, na falta da autorização em vida do doador, a remoção de órgãos dependerá da permissão dos parentes, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Afora as situações de extremo risco de morte, nem o Código Civil nem o Código de Ética Médica admitem desrespeitar a decisão do paciente acerca dos procedimentos a serem realizados no corpo e execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas. Cumpre repetir que o Código Penal reprime a intervenção médica ou cirúrgica sem o paciente ou o representante legal consentir. Procedimentos invasivos e cirurgias realizadas sem a livre declaração da vontade são agressões à integridade física, justificáveis tão e só nas situações de iminente perigo de morte.

Portanto é importante que o enfermo, familiar ou quem falar por ele saiba claramente a respeito das condutas médicas que serão praticadas e dos benefícios, sequelas, riscos, rejeições esperados.

O legislador não estabeleceu forma rígida para permitir doações, de modo que a autorização pode ser dada por escrito e diante de testemunhas ou, até mesmo verbalmente, inclusive pela família quando estiver ciente do desejo da pessoa de doar, caso esta venha a tornar-se incapacitada de exprimir a vontade. É facultado ao doador revogar a disposição da doação em qualquer momento antes da consumação do ato.

Vigora no ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do prévio consentimento da pessoa para a remoção de órgãos, tecidos ou partes do seu cadáver. Esse consentimento pode ser inserido nas Diretivas Antecipadas de Vontade, também conhecido por Testamento Vital – instruções deixadas acerca de tratamentos e não tratamentos que a pessoa deseja ser submetida, caso acometida de enfermidade fora do alcance terapêutico ou que a torne incapaz de expressar a vontade. Ausente a manifestação, faz-se necessário a autorização dos familiares.

Para encerrar, convém acrescentar que a Lei n. 11.479, de 13 de janeiro de 1994, do Município de São Paulo, regulamentada pelo Decreto n. 43.560, de 31 de julho de 2003, dispõe sobre a dispensa de pagamento ao serviço funerário municipal de taxas, emolumentos e tarifas devidas em razão da realização de funeral de pessoa que tiver doado, por si ou por seus familiares ou responsáveis, seus órgãos corporais para fins de transplante médico e que, recentemente, a Lei n.13.656, de 30 de abril de 2018, passou a isentar do pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos para provimento de cargo efetivo ou emprego permanente em órgãos ou entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, os candidatos doadores de medula óssea em entidades reconhecidas pelo Ministério da Saúde.

A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos – ABTO (www.abto.org.br) e a Associação Brasileira de Transplantados – ABT (www.abtx.com.br) são entidades civis, sem finalidades lucrativas, que têm por propósito incentivar a doação de órgãos, discutir a estruturação de políticas públicas pró-transplantes, a defesa dos direitos dos transplantados e estimular as atividades relacionadas com a doação e transplante de órgãos.

Fontes: Biblioteca Virtual em saúde/ Ministério da Saúde

                  Associação Brasileira de Transplante de Órgãos