A UNIFICAÇÃO DO REGIME PREVIDENCIÁRIO E OS ESTEIOS DO ESTADO - Desembargador Romão Cícero Oliveira

por ACS — publicado 2003-02-28T00:00:00-03:00
Encontra-se lançada uma campanha nacional para uniformização do regime previdenciário, especialmente, para que seja abolida a aposentadoria integral, atualmente devida aos servidores públicos.
Aparentemente a luta é legítima. Em princípio, não há razão plausível que justifique a diferença de proventos devidos ao engenheiro civil Tito que obteve emprego em determinada empresa e o engenheiro civil Aníbal que ingressou no serviço público, na mesma data, provenientes da mesma escola, cumprindo um e outro integralmente 35 anos de serviço. Mas, mesmo nesta hipótese, há diferenças consideráveis. As empresas para as quais Tito trabalhou foram oneradas durante todo o tempo dos respectivos contratos de trabalho com a contribuição correspondente ao FGTS. Esse patrimônio será levantado pelo empregado no ato de sua aposentação. Já o Estado não recolheu FGTS a favor do seu servidor, eis que não há previsão legal para tanto. Tito, ao longo de sua carreira escolheu o empregador que melhor oferecesse salário e, em contrapartida, esforçou-se para ser sempre o melhor profissional. Tendo conhecimento de que a previdência pública não lhe garantia proventos correspondentes ao último salário, Tito, desde a primeira hora contratou previdência complementar. Aníbal, tendo ingressado no serviço público, não podia mais ingressar na iniciativa privada, sem experimentar alguns prejuízos. Observe-se que tudo que o Estado transfere para o servidor que se exonera é o tempo de serviço. Em contrapartida, oferece aposentadoria integral.
Bem se vê, pois, que Tito e Aníbal - o empregado de empresa e o servidor público - trafegam por caminhos diversos. O primeiro conquista seu emprego oferecendo o melhor que seu intelecto permitir. O segundo está submetido à camisa-de-força do Estado. Mas os dois caminham em busca do mesmo porto seguro.
O Estado tem, pois, uma dívida a resgatar. Não pode, simplesmente abandonar o servidor no meio da trajetória rumo ao porto seguro, sem cometer gravíssima injustiça, ao mesmo tempo em que esse mesmo Estado estaria enriquecendo-se ilicitamente, eis que teria deixado de recolher a favor desse servidor o montante correspondente ao FGTS ao longo de 20, 25 ou 30 anos. Portanto, havendo uniformização do regime previdenciário, deve haver, igualmente, um acerto de contas, administrativamente, para que esse acerto não tenha de ser realizado pelo Poder Judiciário já sobrecarregado com outras demandas dos cidadãos.
Outro enfoque que merece maior reflexão é aquele atinente às denominadas carreiras de Estado. A grande massa de servidores públicos pode migrar para a iniciativa privada, sem maiores prejuízos para a Administração. Há, todavia, aquelas atividades que o Estado não pode terceirizar e, por isto mesmo, merece tratamento diferenciado, inclusive, no plano previdenciário.
Os diplomatas, os militares, os fiscais de tributos, os policiais, promotores de justiça (Ministério Público) e os juízes (Magistratura) são os esteios do Estado. Conseqüentemente as atividades inerentes a esses servidores não podem ser terceirizadas, sob pena de desmoronamento do próprio Estado. Imagine-se um fiscal de tributos concorrendo ao emprego de contador ofertado pela empresa que deva ele fiscalizar! Tenha-se como presente um diplomata brasileiro deixando o Itamarati para trabalhar para empresa que concorre com os nossos produtos no exterior! Observe-se a gravidade do ato de um membro do Ministério Público que, exonerando-se do cargo, fosse patrocinar a causa daqueles que integram o crime organizado!
Ora, se esses servidores são diferentes da massa dos trabalhadores em geral hão de submeter-se a regime jurídico diverso, impondo-lhes o Estado disciplina específica, com maior carga de deveres e obrigações e direitos outros, inclusive regime previdenciário diferenciado, eis que não se pode tratar desiguais igualitariamente.