FORJAR SEQÜESTRO PARA OS PAIS É CRIME DE EXTORSÃO? Juiz Fernando Brandini Barbagalo

por ACS — publicado 2005-09-13T00:00:00-03:00
Fernando Brandini Barbagalo, Juiz de Direito Substituto do TJDF, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes-RJ e professor universitário

Foi largamente noticiado na semana que passou o fato de uma jovem estudante de Direito, residente na cidade de Ribeirão Preto/SP, ter simulado o próprio seqüestro para seus pais, no intuito de amealhar o valor pedido como preço pelo resgate do crime forjado.

Nos diários, foi noticiado que a estudante foi presa no dia 27 de agosto por ?tentativa de extorsão?.

No entanto, basta uma rápida leitura do artigo 158 do Código Penal Brasileiro para constatar que não ocorreu este delito. Para caracterização do delito de extorsão é necessária utilização de violência ou grave ameaça (promessa de mau futuro e grave) para constranger as vítimas a fazer, tolerar que se faça, ou omitir algo, situação que consoante o noticiário não existiu.

Ainda, admitindo que houvesse extorsão, não há que se falar em ?tentativa?, eis que, conforme pacificado em nossos tribunais, o crime de extorsão é formal consumando-se com a ocorrência do constrangimento, independente da obtenção do proveito pretendido (STF: RT 606/399, 612/437 e 699/407).

Segundo noticiado pela imprensa escrita, houve uma simulação de seqüestro e o pedido de resgate, fatos que não podem ser caracterizados como grave ameaça, muito menos como violência. A conduta melhor se enquadra, data venia, no crime descrito no famoso artigo 171 do Código Penal Brasileiro, o estelionato: ?Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento?.

A estudante, com a intenção de obter vantagem indevida para si, valeu-se de um ardil, consubstanciado na simulação do seqüestro. Não foi feliz em seu propósito (por circunstâncias alheias à sua vontade), razão pela qual, deveria ser processada por tentativa de estelionato.

Deveria, mas os fatos apreciados indicam a existência de um crime impunível. Com efeito, o Código Penal Brasileiro, para resguardar a entidade familiar, instituiu imunidade absoluta para os crimes contra o patrimônio cometidos por descendentes contra ascendentes, quando praticados sem violência ou grave ameaça (art. 181, CP).

Como esclarece Mirabete:

"Trata-se de isenção de pena obrigatória e não facultativa, que exclui qualquer sanção penal (pena ou medida de segurança) ou efeito da condenação (registro no rol dos culpados, perda do bem, etc). A conduta é ilícita, mas não cabe a aplicação da sanção nos crimes contra o patrimônio, excluídos os previstos no artigo 183, inciso I? (Código Penal Interpretado, Editora Atlas, São Paulo, 1999, pág. 1191).

Destarte, a imunidade absoluta impossibilita a prisão, instauração de inquérito policial e futura ação penal contra o beneficiário da isenção, pois ausente uma das condições da ação penal, o interesse de agir, porquanto, não há possibilidade de imposição de pena futura. Logo, a prisão da estudante não pode subsistir.

Ressalte-se que a regra só é excepcionada quando o crime contra o patrimônio, como dito acima, for cometido com violência ou grave ameaça, para os terceiros que participem do crime juntamente com o descendente, ou quando o ascendente tiver idade igual ou superior a sessenta anos, tudo disciplinado no artigo 183 do Código Penal Brasileiro.

Assim, somente se o pai, ou a mãe da estudante travessa contar com idade igual ou superior a sessenta anos é que será possível a persecução penal.

Poder-se-ia cogitar da existência de delito de comunicação falsa de crime ou contravenção, crime contra a administração da justiça, tipificado no artigo 340 do Código Penal. Todavia, não foi a estudante quem provocou a ação da autoridade estatal comunicando o crime fajuto. Segundo os jornais, foi seu irmão quem informou o fato à polícia.

Assim, numa análise perfunctória, baseada no escasso relato fornecido pela mídia, conclui-se que a estudante não praticou crime de tentativa de extorsão, mas sim uma tentativa de estelionato, ainda assim, impunível, nos termos da lei penal vigente.