As três vias de responsabilidade por degradação ambiental - Parte II - Juíza Oriana Piske

por ACS — publicado 2006-11-20T23:00:00-03:00
Parte II

4.2.3 Nexo causal entre o fato e o dano verificado

É a relação de causa e efeito entre o dano e a ação do agente. Conforme Caio Mário da Silva, ?para que se concretize a responsabilidade é indispensável uma interligação entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido, de tal modo que se possa afirmar ter havido o dano ?porque? o agente procedeu contra o direito? e, ainda, que

?não basta que o agente haja procedido contra o direito, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um erro de conduta; não basta que a vítima sofra um dano, que é o elemento objetivo do dever de indenizar, pois, se não houver prejuízo, a conduta antijurídica não gera obrigação ressarcitória. É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado (...)?.

A verificação da existência de nexo de causalidade entre o dano e a ação do agente é um dos aspectos que mais controvérsia pode provocar em matéria de responsabilidade civil. Várias foram as teorias construídas a esse respeito.
Atualmente, predomina no Brasil a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, para o Direito Civil, a causa do dano é aquela necessária e suficiente para ensejar sua ocorrência.
A aceitação de uma dentre as várias teorias que visam explicar o nexo causal provoca substanciais diferenças na atribuição de responsabilidade. Segundo a teoria da causalidade adequada, uma vez verificada qual foi a causa determinante do dano, é indiferente que ele se tenha agravado pela ocorrência de concausas anteriores (concausas preexistentes) ou posteriores ao fato danoso (concausas supervenientes ou posteriores). O agente causador do dano responderá pelo que efetivamente ocorreu, ainda que agravado por concausas alheias a sua vontade.

4.3 Fatos geradores da Responsabilidade Civil

4.3.1 Ato ilícito

É a ação em sentido contrário à ordem jurídica, que atinge direito de outrem, causando prejuízo. Tal conduta pode ser omissiva ou comissiva, situando-se o dever violado na esfera contratual ou extracontratual.

4.3.2 Exercício de atividade perigosa

Considerando os riscos introduzidos pela sociedade industrial e em vista do princípio ubi emolumentum, ibi et onus esse debet, responde o agente pelo simples exercício de atividade perigosa, a exemplo das estradas de ferro e exploração de minas.

4.3.3 Abuso de direito

O abuso de direito consiste na prática atentatória ao direito de outrem, inclusive com o uso nocivo ou anti-social de imóvel, o que contraria direitos de vizinhança.

4.4 Responsabilidade por dano ambiental

O dano é a abreviação de damnum iniuria datum dos romanos, ou seja, consiste em causar prejuízo em coisa alheia, animada ou inanimada. Consoante ensina José Carlos Moreira Alves, ?como figura delituosa autônoma, o damnum iniuria datum surge, inequivocamente, com a Lei Aquília, que é um plebiscito de data desconhecida (possivelmente no século III a.c.)?.
Os estudos sobre os danos ambientais tratam, em regra, casos concretos e a maneira de repará-los. Contudo o dano ambiental vai além da reparação patrimonial, sendo mais complexa não apenas a sua conceituação como a própria reparação.
O dano ambiental origina uma ou mais espécies de responsabilidade para o infrator, seja civil, penal ou administrativa.
No Brasil, a primeira lei a dispor sobre a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais foi a Lei n 6.453, de 17.10.1977, que trata, no art. 4o, da responsabilidade por dano nuclear. O referido diploma foi sancionado na época em que se instalava a Usina Nuclear de Angra dos Reis (RJ). Depois o Brasil celebrou Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição de Óleo, de 1969, promulgada pelo Decreto n. 79.347, de 28.03.1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Nesse texto legal assim se trata da responsabilidade:

?Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
(...)
Parágrafo 1o Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente?.

Portanto, restou consagrada a responsabilidade objetiva, através da supracitada legislação, surgindo a via necessária para o reconhecimento da responsabilidade por dano ambiental.
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988, no art. 225, 3o, atribuiu ao poluidor, pessoa física ou jurídica, responsabilidade administrativa e penal, além do dever de reparar o dano causado. Sua redação não é implícita, como a da Lei 6.938, de 31.08.1981. Mas, manteve a responsabilidade objetiva, uma vez que houve recepção da lei da política nacional ambiental, que não possui incompatibilidade com a Carta Fundamental.
A almejada tutela do meio ambiente, consagrada na Constituição de 1988, foi efetivamente instituída com a promulgação da Lei da Vida ? Lei n. 9.605, de 12.02.1998?, sendo que esta lei não é apenas de natureza penal, pois tem prescrições administrativas, o que vem possibilitando, também, maior eficácia na atuação do órgão ambiental federal.
Neste passo, nota-se que a Lei 9.605, de 12.02.1998, foi inovadora, visto que, além de criar novos tipos penais, possibilitou alcançar e punir as pessoas jurídicas, dando maior eficácia e eficiência às sanções penais e administrativas, com o objetivo de resguardar a tão necessária e urgente tutela ambiental.

4.5 Influência do Código de Defesa do Consumidor na tutela ambiental

A proteção ao consumidor e ao meio ambiente possui, antes de tudo, base Constitucional, apresentando-se como direitos de terceira geração, salvaguardados como direitos e garantias fundamentais insertos no art. 5o, inciso XXXII, da Carta Cidadã de 1988, que dispõe que ?o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor? e no art. 5o , caput, ao proclamar a inviolabilidade do direito à vida.
A defesa do consumidor foi alçada a princípio geral da atividade econômica no art. 170, inciso V, da Constituição Federal de 1988, objetivando assegurar uma vida digna a todos.
Observando-se, atentamente os princípios elencados na Carta Constitucional de 1988, no citado art. 170 inciso IV ? livre concorrência ? e do referido inciso V ? defesa do consumidor ? constata-se uma postura ideológica neo-liberal adotada pela ordem jurídica constitucional, visando conciliar valores liberais com outros valores socializantes, no esforço de assegurar a defesa e o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos.
A Constituição Federal não apenas erige a proteção ao consumidor como direito fundamental da pessoa, mas, também, viabiliza a concretização de tal proteção mediante a previsão de impetração de mandado de segurança coletivo (art. 5o, LXX) e ação civil pública pelo Ministério Público (art. 129, III) ? como instrumentos para a defesa dos direitos dos consumidores.
A necessidade de defesa do consumidor tem exigido do Estado a criação de órgãos que possibilitam a solução das demandas e a prevenção dos litígios consumeristas a exemplo dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, das Promotorias de proteção ao consumidor, das delegacias especializadas na investigação de crimes contra as relações de consumo, da assistência judiciária e das associações de consumidores.
Verifica-se, a influência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor na tutela do meio ambiente, a exemplo do art. 28 da Lei 8.078/90 (CDC), que prevê a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, especificamente, no seu parágrafo 5o, que dispõe que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica quando sua personalidade for, de algum modo, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a consumidores, da mesma forma o art. 4o da Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais ? Lei da Vida), que possibilita, também, a desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Com efeito, o aludido artigo do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, inspirou o art. 4o, da Lei dos crimes ambientais.
Por outro lado, nota-se importante correlação entre a responsabilidade decorrente de dano ambiental e ao consumidor, quando um mesmo erro de conduta provoca, simultaneamente, danos ao consumidor e ao meio ambiente.
No que concerne à tutela de direitos individuais homogêneos por intermédio de ação civil pública, vale observar alguns aspectos. O artigo 117 do CDC introduziu na Lei 7.347/85 o artigo 21, que determina a aplicação, no que for cabível, das disposições do Título III do referido Código, à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais. O artigo 90 do CDC dispõe sobre a aplicação às ações previstas em seu Título III ? Da defesa do consumidor em juízo ? das normas do Código de Processo Civil e da Lei 7.347/85, naquilo que não contrariar suas disposições. O artigo 83 da Lei 8.078/90, inserido no aludido Título III, determinou que para a defesa dos direitos e interesses protegidos pele CDC são admissíveis todas as espécies de ações aptas a propiciar sua efetiva tutela. O artigo 110 do referido diploma legal, acrescentou o inciso IV ao artigo 1o da lei que disciplina a ação civil pública, para determinar que se regem pelas disposições da mencionada lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados ?a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.?
Segundo Francisco José Marques Sampaio, ?Doutrina e jurisprudência, ao interpretarem os referidos dispositivos, não apresentam posicionamentos uniformes quanto a ter a Lei 8.078/90 ampliado o rol dos interesses que podem ser objeto de ação civil pública, para nele incluir direitos individuais homogêneos de qualquer natureza; ou quanto a ter o mencionado diploma legal operado tal ampliação apenas para acrescentar direitos individuais homogêneos de consumidores. Há os que preferem, ainda, diferenciar a ação civil pública prevista na Lei 7.347/85 das ações coletivas criadas pelo artigo 91 do CDC, para, então, divergirem quanto a limitar-se, ou não, o objeto de tais ações coletivas a direitos individuais homogêneos de consumidores. Em qualquer dos casos, a controvérsia consiste em admitir-se que o artigo 91 combinado com o artigo 117 do CDC gerou a possibilidade de tutela coletiva de quaisquer direitos individuais homogêneos, ou apenas daqueles de que se seja titular na condição de consumidor.

Nesse sentido, assevera Hugo Nigro Mazzilli :

?Em rigor de terminologia, o mais adequado seria usar a expressão ação coletiva para o gênero das ações civis propostas por qualquer dos co-legitimados em defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (ligados ou não ao consumidor); por sua vez, ação civil pública é somente a ação promovida pelo Ministério Público.?

Para Francisco José Marques Sampaio, ?A admitir-se que as ações coletivas previstas no artigo 91 de CDC se prestam à tutela de quaisquer direitos individuais homogêneos, tem-se que seria possível, atualmente, além da propositura de ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente ? bem de caráter difuso ? a propositura de ação coletiva com vista à reparação não apenas de danos ambientais, mas também dos prejuízos causados a particulares, cuja ?origem comum?, a que se refere o inciso III do parágrafo único do artigo 81 do CDC, tenha sido a degradação ambiental. Esse é o entendimento de Édis Milaré. O autor observa que o dano ambiental, como regra, integra a categoria dos direitos difusos, mas que, paralelamente ao dano ambiental difuso, pode ocorrer o dano ambiental individual, o qual, em atingindo uma pluralidade de vítimas, configurará interesse individual homogêneo.? Segundo Édis Milaré,
?A tutela coletiva, via ação civil pública, (...), abrange dois tipos de interesses ou direitos materialmente coletivos: a) os essencialmente coletivos, que são os difusos e b) os coletivos stricto sensu. Além disso, a ação civil pública se presta para a tutela de outros interesses e direitos que são formalmente coletivos, isto é, apenas a maneira de sua tutela é coletiva, sendo eles, intrinsecamente, individuais, só que individuais homogêneos.?

Neste sentido, afirma Antônio Herman Benjamin:

?Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações que introduziu na Lei 7.347/85, existem hoje, no Brasil, para tutela do ambiente e do consumidor, três modalidades básicas de ação civil pública, conforme protejam interesses e direitos: a) difusos; b) coletivos stricto sensu; e c) individuais homogêneos.?

Por outro lado, vale registrar que a Lei 7.913 de 7 de dezembro de 1989, previu a tutela coletiva de direitos individuais de origem comum, consagrando, no ordenamento jurídico brasileiro, pela primeira vez, a class action for damages.
Cabe destacar, que foram empreendidas alterações na Lei 7.347/85 por força do CDC, bem como a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, n. 8.625, de 12.02.93, atribuiu à instituição, em seu artigo 25, inciso IV, alínea a), a função de

? promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.?

Desta forma, verifica-se a ascendência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor na tutela do meio ambiente.

4.6 Posicionamento dos tribunais

Leciona Vladimir Passos de Freitas que o estudo da posição dos tribunais não pode ser realizado apenas levando em apreço a Constituição Federal de 1988, posto que o dano ambiental já estava previsto na Lei 6.938, de 31.08.1981, cujo art. 14, parágrafo 1º, expressamente atribuía a obrigação de indenizar ao poluidor. De outra face, a via para tornar efetiva essa proteção ao meio ambiente foi possibilitada pela Lei 7.347, de 24.07.1985, que trata da ação civil pública. Logo, diplomas legais antecederam a Carta Constitucional no tratamento do tema. Entretanto, foram recepcionados pela nova Constituição. A Lei Maior, pela abrangência do art. 225, complementado por outros dispositivos atinentes ao meio ambiente, veio realçar a noção da necessidade do dever de indenizar.
Para Vladimir Passos de Freitas, ?O Superior Tribunal de Justiça enfrentou um dos aspectos mais importantes da matéria, qual seja o de atribuir à petição inicial responsabilidade solidária a pessoas diversas. Esse instituto, previsto no art. 896 do Código Civil, verifica-se quando na mesma obrigação concorre mais de um credor ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado a todo o valor devido. Na solidariedade passiva, conforme menção expressa no art. 904 do referido Código, o credor tem o direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida contra os demais devedores.?
Acrescenta, ainda, o mencionado autor que, em sede de meio ambiente, ?os danos por vezes são causados por diferentes poluidores. Muitas vezes é difícil, quase impossível, delimitar a conduta de cada um. Nestes casos, desde que demonstrada a responsabilidade civil de um ou de mais poluidores, aplica-se o disposto no art. 904 do Código Civil. Assim, o credor ? no caso a coletividade ? tem o direito de exigir de um ou de alguns dos devedores a reparação pelo dano ambiental.? Neste sentido é o entendimento de Fábio Dutra Lucarelli, para quem
?dado o caráter de ordem pública de que goza a proteção ao meio ambiente, institui-se a solidariedade passiva pela reparação do dano ecológico, o que significa dizer que, por exemplo, em um distrito industrial ou seja impossível individualizar-se o responsável pelo dano ambiental, todos serão responsáveis.?

Vale destacar importante precedente oriundo da Comarca de Cubatão, SP, onde a poluição decorrente de atividades industriais tornou-se extraordinariamente grave. Segundo Vladimir Passos de Freitas, ?O Ministério Público do Estado e a União dos Defensores da Terra (Oikos) ajuizaram ação civil pública contra diversas pessoas jurídicas atribuindo-lhes ação poluidora. (...omissis). As rés invocaram ilegitimidade de parte, porque a inicial não especificava a conduta de cada uma isoladamente. A preliminar foi rejeitada e o processo saneado. Houve recurso ao Tribunal de Justiça do Estado, ao qual foi negado provimento pela Sétima Câmara Civil. Sobreveio recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, que recebeu decisão denegatória. O acórdão foi de grande importância, pois, de forma pioneira, reconheceu a possibilidade de adicionar diferentes pessoas acusadas de dano ambiental, mesmo sem saber a específica responsabilidade de cada uma.? Em seguida, a ementa:

EMENTA: Ação civil pública. Danos causados ao meio ambiente. Preliminares rejeitadas no saneador. Prosseguimento do feito com a realização de prova pericial. Necessidade de perícia.
Para ressarcimento de eventuais danos causados pelo lançamento de poluentes na atmosfera e nos rios, não se decidindo ainda sobre o mérito do pedido, deve o processo ter seu curso normal.
A regra do art. 1.518 do Código Civil determina a solidariedade na responsabilidade extracontratual e, não havendo definição sobre a proporção com que cada um contribuiu, torna-se imprescindível a prova técnica, que servirá também para estabelecer o nexo causal entre as atividades industriais e os danos, como para se conhecer a real extensão dos prejuízos.

Se buscados outros exemplos, verificar-se-ia que, atualmente, os juízes e tribunais vêm se sensibilizando cada vez mais diante da degradação ambiental. Os referidos exemplos demonstram a atenção que o Poder Judiciário vem dando às questões referentes ao dano ambiental.

5 Responsabilidade Administrativa

A responsabilidade administrativa é decorrência de infração a regramentos administrativos, sujeitando-se o infrator a sanção de cunho administrativo, qual seja: advertência, multa simples, interdição de atividade, etc.
Dentre os poderes da administração mais expressivo é o poder de polícia. Consoante ensina Hely Lopes Meirelles, é aquele poder ?que a administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade?.
Verifica-se que todas as entidades estatais dispõem de poder de polícia relativo à matéria que lhes compete. Como é de incumbência das três unidades proteger o meio ambiente, também cabe-lhes tornar efetivas as providências que se encontram sob sua alçada, condicionando e restringindo o uso e gozo de bens, atividades e direitos em benefício da qualidade de vida da coletividade, aplicando as sanções pertinentes nos casos de infringência às ordens legais da autoridade competente.

5.1 Infrações e sanções administrativas

Ensina José Afonso da Silva que as infrações administrativas e respectivas sanções hão de ter previsão legal. As legislações federal, estadual e municipal definem, cada qual no âmbito de sua competência, as infrações às normas de proteção ambiental e as respetivas sanções. A lei dos crimes ambientais ? Lei 9.605, de 12.02.1998 ? que estabelece as sanções penais derivadas de condutas e atividades que lesam ao meio ambiente, como também, define, no art. 70, que infração administrativa ambiental é toda ação ou omissão que viola as regras jurídicas de uso, gozo, proteção e recuperação do meio ambiente.
Acrescenta o referido autor que as disposições da Lei 6.938, de 1981, são gerais. Aplicam-se, à transgressão a qualquer norma legal disciplinadora da preservação ou recuperação ambiental, mesmo quanto não esteja na lei ou regulamento específico, consignada sanção para o caso. Mas leis especiais podem também estabelecer sanções administrativas para as infrações às suas normas, e, em tal caso, prevalecem as sanções nelas prescritas.

A Lei 9.605/98 apresenta o seguinte rol de sanções administrativas: advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e da flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos.

5.1.1 Multa

?A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo: I ? advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II ? opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha? (art. 72, parágrafo 3o , da Lei 9.605/98).
?A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente?(art. 72, parágrafo 4o). Na esfera federal, o CONAMA tem competência para ?homologar acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental? (art. 8o, IV, da Lei 6.938/81).
?A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo? (art. 72, parágrafo 5o, da Lei 9.605/98). A multa diária é um instrumento importante para não permitir a permanência da infração. Se aplicada a multa simples e houver a continuidade do ilícito, a multa diária deve ser cominada.
?Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental serão revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei 7.797, de 10.7.89, Fundo Naval, criado pelo Decreto 20.923, de 8.1.32, fundos estaduais ou municipais de meio ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão arrecadador? (art. 73 da Lei 9.605/98).
?A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado? (art.74). É uma inovação que pode permitir a adequação da pena pecuniária à agressão ambiental realizada.
?O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais)? ? art. 75. A fixação do mínimo e o máximo da pena de multa foi essencial para guardar a legalidade dessa sanção. Estados e Municípios poderão fixar limites mínimos e máximo superiores ao da União.
?O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência? (art. 76 da Lei 9.605/98). Os processos administrativos podem correr paralelamente, mas o pagamento da multa nas unidades federadas implica o não-pagamento da multa federal. Esse artigo pode conduzir a favorecimento do réu ? pessoa física ou jurídica ?, pois as multas pagas nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser menores do que a cominada pela União.

5.1.2 Perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público e/ou perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito

O art. 14, parágrafo 3o, estabeleceu que na área federal a aplicação dessas medidas será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, cumprindo resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Cuida-se de medida de largo alcance na dissuasão da infração ambiental, se os estabelecimentos de crédito da União adotarem as determinações emanadas do órgão colegiado.
Para Paulo Affonso Leme Machado, o CONAMA só poderá aplicar essas sanções na esfera federal, mesmo que a lei não tenha previsto, por ser decorrência do princípio federativo, enquanto nos estados e nos municípios, os seus organismos ambientais é que terão competência para propor as medidas punitivas dispostas no art. 14, II e III.

5.1.3 Suspensão das atividades

A suspensão de atividades é a mais gravosa das medidas punitivas, podendo ter a forma de suspensão temporária ou definitiva.
É primordial distinguir entre atividades licenciada e não licenciada na aplicação dessa sanção.

5.1.4 Suspensão de atividades licenciadas

O art. 10 da Lei 6.938/81 dispôs que

?a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependendo de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis?.

As penalidades estabelecidas no art. 14 da mencionada lei dizem respeito a atividades e estabelecimentos que estejam operando com prévia licença. Houve, portanto um início de atividades da empresa caracterizada pela concordância do Poder Público, que ao licenciá-la verificou a ocorrência das exigências legais. A punição posterior é decorrência do descumprimento das condições gerais ou específicas da licença. Essa diferenciação é de ser realizada, pois diferente é o sistema de suspensão de atividade não licenciada. Para Paulo Affonso Leme Machado a relocalização
?é medida que pode ser prevista num plano de zoneamento, quer municipal, quer estadual ou federal. Ainda que relocalizar (art. 12, parágrafo único, da Lei 6.803/80; art. 4o do Decreto-lei l.413/75) possa implicar uma suspensão temporária, não quer dizer uma suspensão definitiva. Dá-se uma oportunidade para o estabelecimento poluidor de transferir-se de local. Por isso, haverá um prazo para a relocalização. Dessa forma não se corta abruptamente a atividade produtora. Por isso, parece-nos que a relocalização não está proibida na esfera municipal ou estadual, não sendo a relocalização de competência exclusiva do Presidente da República. Do contrário, seria propor-se o fim do princípio constitucional federativo, anulando-se o direito fundamental do município modificar o seu zoneamento urbano, matéria de seu ?peculiar interesse?.?

Continua na Parte III