Juizados Especiais nos países das famílias da Common Law e da Civil Law - Parte II - Juíza Oriana Piske

por ACS — publicado 2006-09-27T00:00:00-03:00
continuação da Parte I

Vale dar especial relevo ao Juizado de Pequenas Causas no Estado de Nova Iorque, o qual serviu inicialmente de paradigma para a criação dos Juizados de Pequenas Causas no Brasil.

A implementação das Small Claims Courts deu-se em Nova Iorque, em 1934, com a finalidade de julgar causas de reduzido valor econômico. Com o passar dos tempos, foram ampliando o seu campo de ação; hoje, têm capacidade de julgar, aproximadamente, setenta mil casos anuais, com magníficos resultados conciliatórios. Cada juiz tem sua produtividade multiplicada, como se constata na maior corte de pequenas causas dos EUA, em Manhattan, Nova Iorque, onde, para três magistrados (juízes togados), há, aproximadamente, novecentos árbitros. Lá existe, pelo menos, um Juizado de Pequenas Causas em cada uma das cinco Unidades Administrativas: Bronx, Manhattan, Staten Islands, Brooklin e Queens.

A Corte de Pequenas Causas de Nova Iorque é uma subdivisão da Corte Cível da Cidade, que, por sua vez, integra o sistema judiciário do Estado. Segundo Piquet Carneiro, que a visitou em 1980, as audiências são realizadas sempre à noite, e o Juizado tem jurisdição sobre qualquer matéria cível cujo valor não exceda ao teto máximo da competência daquele Juizado. O acesso é restrito a pessoas físicas e a assistência de advogado não é obrigatória, sendo estimulada, alternativamente, a ?apresentação pessoal da causa como forma de aproximar a parte do julgador?.

Trata-se de um tribunal informal, no qual indivíduos podem mover ações indenizatórias, sem advogado. Muitas ações relacionam-se com controvérsias havidas nas relações entre consumidores, nas questões que envolvem acidentes de trânsito, nas relações de vizinhança, dentre outras. O rito processual é simples, informal e essencialmente oral; a audiência de julgamento só ocorre quando se vêem esgotadas as possibilidades de solução arbitral ou a via da conciliação, que é estimulada e conduzida pelos próprios árbitros. Ainda, conforme Piquet Carneiro,

?a própria disposição física do tribunal estimula as partes a se encaminharem ao árbitro. Na sala de audiência, onde se encontra o juiz-presidente instalado no bench, o ambiente é solene (sem prejuízo da informalidade do processo), e grande o número de pessoas. Em pequenas salas adjacentes, encontram-se os árbitros, sem platéia, os quais se sentam à mesma mesa que as partes?.

Parte legítima para propor ação é a pessoa física maior de 18 anos de idade. Se menor, deverá estar representada pelos pais ou pelo tutor. A pessoa jurídica, por sua vez, não pode mover ação, embora possa ser processada, caso em que poderá ser representada por advogado, gerente, diretor ou por um empregado.

Devido à idade, à incapacidade física ou mental, ou outra incapacidade da parte, a pessoa física em vez de comparecer pessoalmente perante o Juizado, pode fazer-se representar por alguém que não seja advogado, desde que haja parentesco por consangüinidade ou por afinidade, entre o representante ou representado.

É oportunizada a assistência por um advogado, mas a parte terá de pagá-lo às próprias expensas, uma vez que se entende que a presença do profissional é desnecessária, já que o Juizado de Pequenas Causas é conhecido como o ?Tribunal do Povo? (People?s Court), onde as reclamações podem ser julgadas rápida e informalmente, sem grandes custos.

Para o ajuizamento da ação, a pessoa deve comparecer ao Juizado do local onde o réu reside, trabalha ou tem seu escritório, ou enviar alguém em seu nome. Deverá pagar uma taxa de US$10.00, se o valor da causa for US$1.000 ou menos, ou uma de US$15.00, se o valor da causa for superior a US$1.000, e já sairá com uma data para a audiência designada pelo Secretário (clerk) do Juizado.
A citação do réu ocorrerá, em regra, pelo correio. Se a cópia do pedido inicial, enviada pelo correio comum, não retornar como não-entregue dentro de 21 dias, presume-se que o réu tenha recebido a citação. Se a carta de citação, porém, não for entregue pelo correio, a Secretaria do Juizado designará uma nova data para a audiência e instruirá o autor a providenciar um serviço pessoal de citação, o qual poderá ser exercido até por um amigo ou parente do reclamante, desde que a pessoa seja maior de 18 anos de idade.
Garante-se ao réu apresentar um pedido contraposto (couterclaim), cujo valor não supere o valor máximo da competência do Juizado, e o autor pode oferecer uma resposta (reply) ao contrapedido. Na carta de citação (notice of claim), deverá haver instruções ao reclamado para o caso dele querer apresentar o contrapedido.
No dia da audiência, se o autor se atrasar, o processo será arquivado. Se o atraso for do réu, o caso será julgado à sua revelia (default judgment), embora o autor tenha que produzir provas para demonstrar os fatos que embasam suas alegações.
O procedimento é simples e consiste em uma audiência informal perante um Juiz ou um árbitro, um experiente advogado que serve ao Juizado sem qualquer remuneração. Porém a opção pelo árbitro deverá ser decidida por ambas as partes, as quais, em compensação, terão o caso resolvido mais cedo, já que o número de árbitros costuma ser bem maior que o de Juízes. O árbitro decidirá conforme a lei, e sua decisão é irrecorrível.
Apesar da informalidade prevista, o réu pode exigir, mediante uma declaração juramentada e com base na boa-fé, o julgamento por um corpo de seis jurados, hipótese em que deverá garantir o Juizado com um depósito de US$50.00, pelo aumento dos custos. Pela 7a Emenda à Constituição dos Estados Unidos, nos casos de Direito Consuetudinário, em que o valor da causa exceda a US$20.00, é assegurado à parte o direito de julgamento pelo Júri.
Para a audiência, as partes devem reunir todas as provas, levando documentos e testemunhas, inclusive peritos (expert witness), isto é, aqueles cujo conhecimento específico e experiência permitem que deponham acerca do custo de um serviço ou de uma reparação, que tenha sido efetuado ou que possa vir a ser exigido.
Faculta-se às partes o direito de requerer a intimação de suas testemunhas para comparecimento perante o Juizado, salvo quanto às testemunhas periciais, as quais podem ser remuneradas pela parte que as arrolar. O rol das testemunhas a serem intimadas deve ser apresentado até 48 horas antes do dia do julgamento.
No dia da audiência, o autor será juramentado e relatará, como testemunha, seu caso, exibindo documentos e outras provas. Poderá ser inquirido pelo Juiz ou pelo árbitro, após o que serão ouvidas suas testemunhas. Seguem-se a oitiva do réu, que também prestará juramento, a exibição de suas provas e a apresentação de suas testemunhas, as quais serão ouvidas.
Não conseguindo um acordo entre as partes, apesar de incentivadas a isso, a decisão do Juiz ou do árbitro, raramente anunciada após a audiência, será remetida às partes em poucos dias pelo correio.
Só a violação às regras e aos princípios do direito material torna a decisão passível de revisão. Poucas decisões são de fato questionadas em segunda instância, porque as despesas com o recurso raramente justificam a sua interposição. Assim é que a parte que quiser apelar poderá contratar um advogado, além de ter que pagar a transcrição dos depoimentos estenotipados ou das gravações feitas durante a audiência, uma vez autorizadas. O prazo para apelação é de 30 dias e requer o pagamento de uma taxa. O apelante, para obter o efeito suspensivo do julgado, deverá oferecer ou prometer uma garantia que vise a assegurar o cumprimento da decisão, para o caso do recurso ser improvido.
No tocante ao descumprimento do julgado, a pedido do exeqüente, o Juizado pode ordenar ao executado que revele ou exponha seus bens e que não se desfaça deles. Se não houver cooperação, o exeqüente deverá utilizar-se dos serviços de um funcionário para a execução (enforcement officer) ? normalmente um Delegado da cidade ou um Oficial de Polícia ? a quem serão fornecidas as informações necessárias para a localização dos bens, para que proceda à sua apreensão.
Recolhida uma taxa de US$2.0, garante-se ao exeqüente a possibilidade da Secretaria do Juizado expedir ofícios, solicitando informações a qualquer pessoa física ou jurídica sobre a existência e a localização de bens do executado. As respostas devem ser remetidas ao Juizado em sete dias. Penhoráveis, por exemplo, são as contas bancárias, os imóveis, automóveis, ações e 10% do salário até o pagamento total do débito. No caso dos imóveis, o exeqüente procurará o Xerife (Sheriff), a quem caberá vender o bem em leilão público. Para os bens móveis, será procurado o Oficial de Execução, a quem competirá a apreensão do bem e a sua venda em leilão.
Se o pedido inicial for baseado na propriedade ou na utilização de um veículo do réu, o exeqüente poderá solicitar ao Departamento de Trânsito (Department of Motor Vehicles) a suspensão da carteira de habilitação do executado até que ele pague o valor da condenação, desde que o crédito daquele seja superior a US$1.000 e que a mora perdure por mais de 15 dias.
Se o executado estiver exercendo uma atividade que depende de licença ou autorização e permanece sem pagar o débito mais de 35 dias a contar da data do julgamento, a autoridade administrativa poderá ser notificada para revogar, suspender, recusar-se a conceder ou a renovar a licença. Se a atividade do executado for ilegal ou fraudulenta, poderá ser oficiado o Procurador-Geral.
Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva observa algumas vantagens e desvantagens do sistema nova-iorquino. Para ele, as vantagens consistem, em primeiro lugar, no fato de o menor poder mover a ação, uma vez representado pelos pais ou pelo tutor, o que significa que lá a jurisdição está acessível para um número maior de pessoas. Sucede que, pelo sistema brasileiro, o menor de 18 anos em nenhuma hipótese pode ser autor nos Juizados Especiais Cíveis, nos termos do artigo 8o e seu § 1o da Lei no 9.099/95. Em segundo lugar, em Nova Iorque, existe a possibilidade de o cidadão mover ação sem a necessidade de um advogado, já que se trata de um ?Tribunal Popular?. No Brasil, onde o valor da causa não pode ser superior a 40 salários mínimos, de acordo com a competência em razão do valor (art. 3o, inc. I, da Lei no 9.099/95), é obrigatória a assistência por advogado nas causas de valor superior a 20 salários mínimos, o que implica gastos para o cidadão ou para o Estado, que terá de remunerar o profissional. Em terceiro, o fato de as partes poderem remunerar e levar um perito para depor acerca de um assunto específico que exija um conhecimento técnico. No sistema nacional, quando a prova do fato o exigir, o magistrado poderá inquirir um técnico de sua confiança (art. 35, caput) e esse trabalho que caberia à parte, infelizmente, é transferido ao Juiz, que, na prática, não possui estrutura administrativa para conseguir um técnico de sua confiança e muito menos gratuitamente.
As desvantagens do sistema de Juizados de Pequenas Causas de Nova Iorque em relação aos Juizados Especiais Cíveis brasileiros consistem, primeiro, no direito do réu poder reclamar o julgamento por um corpo de jurados, fato totalmente incompatível com os princípios e os critérios brasileiros, especialmente os de celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual (art. 2o da Lei no 9.099/95). A segunda desvantagem está no fato de a sentença não ser prolatada logo após a instrução para, em vez disso, ser enviada pelo correio para o conhecimento das partes. Pelo sistema brasileiro, após colhida a prova, segundo o artigo 28, da Lei no 9.099/95, o magistrado deve proferir a sentença diante das partes, fato que é confirmado pelo dia-a-dia forense. A terceira desvantagem refere-se ao prazo de 30 dias dado ao sucumbente para apresentar recurso, prazo muito longo, considerando-se, entre outros, o princípio da celeridade. No Brasil, o prazo para a interposição do recurso é de 10 dias, contados da ciência da sentença (art. 42, caput, da Lei no 9.099/95).
Atualmente, o debate sobre as Small Claims Courts gira em torno da questão da representação legal, valendo lembrar que em alguns Estados, como o da Califórnia, proíbe-se a representação por advogados. Igualmente importante é a polêmica quanto à possibilidade de ingresso de ações coletivas no tribunal de pequenas causas.
Já no Canadá, a criação de um sistema acessível aos litígios de consumidores tem encontrado diferentes respostas nas diversas regiões do país. Contudo, de uma maneira geral, o limite do valor permitido varia entre 500 e 3.000 dólares canadenses; todas as jurisdições, exceto Quebec, permitem a representação por advogados; e, no que se refere à autoria das demandas, não há qualquer restrição a pessoas jurídicas. Um aspecto inovador presente na experiência canadense é a crescente afluência de associações de consumidores representando pleitos individuais ? o que se difundiu desde que a Automobile Protection Agency conseguiu levar representantes dos fabricantes de automóveis ao tribunal.
Na Austrália também estão em curso reformas voltadas para a ampliação do acesso à Justiça. E, lá, a tendência dominante tem sido os tribunais especializados, com áreas de atuação bem definidas, como o Tribunal do Meio Ambiente, a Casa dos Acidentes de Veículos, o Tribunal Comercial e a Justiça da Comunidade. Este último tribunal, aliás, vem se pautando por métodos informais de resolução de conflito entre membros de uma mesma família, vizinhos, e patrões e empregados. É nesse contexto de reformulação do sistema jurídico australiano que está sendo implantado o Tribunal de Pequenas Causas. O teto das ações por esse tipo de tribunal é o de 3.000 dólares australianos, e a participação dos advogados somente é permitida com a concordância das partes. A exemplo da Small Claims Court de Nova Iorque, somente os consumidores estão autorizados a propor ação, embora esteja em discussão, por pressão dos empresários, a possibilidade de as empresas também se valerem daquele tribunal para cobrança de pequenas dívidas.
Ainda no âmbito da Common Law, na Nova Zelândia, a aprovação da Lei dos Juizados data de 1976. Com a sua jurisdição estabelecida sobre matérias cujo valor não ultrapasse o teto de 1.000 dólares neozeolandeses, os juizados daquele país reconhecem a competência das empresas para litigar, proibindo, porém, a representação por advogados. A apelação, salvo em casos excepcionais, é vetada.

2. Países da ?Família? da Civil Law

Analisaremos a experiência dos Juizados das Pequenas Causas em alguns países integrantes da ?família? da Civil Law: Itália, França e Alemanha.
Na Itália, nos termos dos artigos 24 a 102, da Constituição vigente, é assegurado que para todo direito ou interesse legítimo haja uma ação em juízo, a ser julgada por juízes escolhidos segundo as regras de organização judiciária, proibidas as indicações de magistrados especiais ou extraordinários. Permite-se a criação de seções especializadas em questões específicas, desde que dentro da organização funcional das cortes já existentes e que podem ser assim enumeradas:

?Corte de Cassação (competência comum para questões civis e criminais): é a corte suprema da Nação; Cortes de Apelação (em número de 25); Tribunais (aproximadamente 150); Preture (aproximadamente 1.000) e Conciliatori (aproximadamente 8.000). Estas duas últimas figuras constituem as Pretorias e os Conciliadores.?

As Pretorias significam os Tribunais de Ordem, nos quais o Pretor exerce a jurisdição, enquanto os Conciliadores são magistrados que judicam nas causas menores. As principais características dos procedimentos perante os Conciliadores e Pretores são as seguintes:
?A competência dos Pretores e Conciliadores possui limites em razão do valor ou da matéria. Neste último caso, nas reclamações trabalhistas e previdenciárias, a competência é exclusiva dos Pretores. Quanto ao valor (nominal de 1970), a dos conciliadores incide sobre aqueles iguais ou inferiores a 50.000 liras (ou US$ 59), enquanto que a dos Pretores sobre o limite de 750.000 liras (ou US$ 882).
Deve ser enfatizada a importância da Lei no 533/73, que declarou a competência do Pretor naquelas ações, independente do valor (ações que representavam em 1974, 40% do total das ações apreciadas pelos Pretores), e trouxe substanciais reformas ao procedimento.
Quanto aos conciliadores cabe referir que o CPC italiano obriga o magistrado a promover a conciliação quando da 1a audiência, sendo portanto compulsória (arts. 185, 320 e 350 do CPC), e que depois, adquire a característica de facultatividade, podendo, inclusive, ser efetuada por expert witness (art. 199 CPC).?

No que tange ao arbitramento italiano, pode ser de duas espécies: o previsto no Código (arbitrato rituale) e o informal (arbitrato irrituale).
Quanto à França, esta não dispõe, segundo as indicações extraídas do Projeto Florença, de um Juizado de Pequenas Causas, o que não significa que esse país não se preocupe com a litigância que envolve pequenos valores. Ao contrário, muitas medidas foram tomadas para minimizar despesas junto aos Tribunais, a exemplo da citação por aviso de recebimento emitido pelos Correios (A.R.), em muitos procedimentos, com dispensa de oficial de justiça.
A estrutura judiciária francesa divide-se, em apertada síntese, em: ?tribunais de instância? e ?tribunais especiais?, divisão esta efetivada exclusivamente quanto à competência material. Assim, temos os Tribunais de Comércio, a Justiça Trabalhista, o Tribunal Agrário e o Tribunal de Locação e, na Justiça Comum, com competência genérica, o Tribunal de Instância e o Tribunal de Grande Instância. O primeiro foi criado para desafogar a avalanche de serviços do segundo, tendo um procedimento mais célere e simples. Este Tribunal de Instância tem competência residual em relação aos tribunais especiais, com tendência a ser ampliada. ?Não tem limitação de ordem pecuniária, salvo quanto à possibilidade de recurso, restrita às ações cujo valor então não ultrapassasse a 3.500 francos.?
Vale destacar à figura do ?conciliador de vizinhança?, instituição francesa que, na atualidade, supera a fase de experiência, com aplicação a partir de fevereiro de 1977, em quatro departamentos franceses, sendo que em março de 1978 foi estendida aos demais através do Decreto no 38/78. As características deste conciliador são:

?vizinhos que trabalham unipessoalmente, com amplas atribuições para promover a conciliação, resolvendo os conflitos de forma eqüitativa; podem também assessorar e aconselhar, desde que combinem os atributos de competência e imparcialidade. Desenvolvem estas atividades sem receber qualquer espécie de pagamento, exceto o reembolso de algumas despesas, admitindo-se que estejam motivados por bons princípios e espírito público. Devem ainda ouvir as partes (que poderão ou não estar assistidas por profissionais), propor uma solução e se possível redigi-las, devendo aquelas assinar; (...) a competência do conciliador de vizinhança é ampla, excluindo apenas as questões entre particulares e o Estado, arrendamento rural, conflitos individuais do trabalho e questões sobre o estado civil das pessoas. Admite-se a conciliação também para a indenização por dano causado por delito, salvo se solicitada na esfera penal.?

A França, no que tange à assistência judiciária, substituiu, em 1972, sua legislação a respeito por um moderno sistema de seguro social, que disponibiliza o pagamento dos profissionais a cargo do Estado. Tal sistema não é somente direcionado às pessoas sem renda, como também àqueles de recursos escassos (em torno de 640 dólares, em famílias de quatro pessoas), para casos importantes, independente da situação econômica do beneficiário.
No tocante a Alemanha, segundo Caetano Lagrasta Neto,

?a organização judiciária de 1a instância da justiça alemã, dependendo da matéria apreciada, atribui competência à Kammer für Handelssachen (Câmara para Matérias Comerciais); à Arbeitsgerichte (Justiça do Trabalho); à Verwaltungsgerichte (Justiça Administrativa); à Sozialgerichte (Justiça Previdenciária); ou à Justiça Comum. No caso desta última, em razão do valor, a competência será da Landgericht (Corte Distrital), para as controvérsias envolvendo valores superiores a DM 3.000 (US$ 1.300). Quando os valores forem inferiores a essa quantia, a competência será da Amtsgericht (Corte Local), perante a qual a presença do advogado é facultativa. Uma decisão da Amtsgericht poderá ser reapreciada a nível recursal pela Landgericht. A decisão da Landgericht será reapreciada pela Oberlandsgericht (Corte de Apelação). Em qualquer caso, o recurso somente será aceito se o valor envolvido for superior a DM 500 (US$ 215) e for interposto por advogado.?

A Alemanha dispõe, de certa forma, de um Juizado de Pequenas Causas, vez que limita a competência de sua Justiça Comum em razão do valor discutido, com o intuito de minimizar as despesas judiciais, desta forma, facilitando o acesso à Justiça.

A experiência chamada Stuttgarter Modell, que ?permite aos litigantes, advogados e juízes participarem, através de franco diálogo, da solução das questões de fato e de direito, fazendo com que a sentença seja rápida e inteligível para as partes, que dela podem imediatamente apelar.? Esse modelo foi convertido em lei, em 1976, que dispunha sobre a necessidade de conclusão do julgamento em um única audiência. O Amtsgtericht caracteriza-se por possuir procedimentos que lhe conferem a capacidade de responder rapidamente às disputas que lhe chegam. Vale registrar que cerca de 75% dos julgamentos nos tribunais que adotam o referido modelo finalizam em seis meses seus processos.

Conclusão

Considerando esse breve balanço das referidas experiências no Direito Comparado, constatamos que o tema do acesso à Justiça tem mobilizado países de diferentes culturas e tradições a darem uma resposta mais efetiva a essa necessidade dos cidadãos. O estudo de experiências semelhantes ao nosso Juizado Especial nas famílias da Common Law e da Civil Law, através dos institutos como small claims courts, conciliadores, small and modest individual claim e justicia de mínima cuantia, demonstra o surgimento de um fenômeno global de estruturas judiciárias voltadas para um maior acesso e celeridade da Justiça, independentemente do sistema jurídico adotado.

Baseado na experiência nova-iorquina das Small Claims Courts, a criação do microssistema brasileiro de Juizados Especiais de Pequenas Causas constituiu conforto, alento e segurança para as pessoas humildes que tinham no Judiciário o ancoradouro apto a garantir a solução dos problemas do dia-a-dia. Com o seu aperfeiçoamento, através da Lei no 9.099/95, chegou-se a uma significativa e silenciosa revolução de mentalidade e perspectiva concreta no caminho de uma Justiça eficiente e cidadã. Foi a partir do conceito de pequenas causas que chegamos ao Juizados Especiais Cíveis e Criminais, e, mais do que isso, passamos a perceber que mediante a sua valorização poderemos resolver efetivamente grandes conflitos interpessoais.

Instala-se a conscientização, no seio da magistratura, de que a conciliação é a técnica mais eficaz de solução de conflitos judiciais. Ela fortalece a confiança na entrega da prestação jurisdicional, não só pela celeridade com que resolve a causa, mas, também, pelo estado psicológico de paz que envolve os litigantes. O êxito na condução de soluções negociadas é marca dos Juizados Especiais.

O Judiciário, nos tempos atuais, não pode se propor a exercer função apenas jurídica, técnica, secundária, mas deve exercer papel ativo, inovador da ordem jurídica e social, visto que é chamado a contribuir para a efetivação dos direitos sociais, procurando dar-lhes sua real densidade e concretude. É preciso perceber que o contato do juiz com o jurisdicionado e com a própria sociedade não enfraquece o Poder Judiciário. Ao inverso, tende a enobrecê-lo, conferindo a este maior grau de legitimidade. Nesse diapasão é que os Juizados Especiais no Brasil e os Juizados de Pequenas Causas, seja nos países da Common Law, seja nos da Civil Law, passam a ser um agente de transformação e lançam-se como instrumentos rumo à promoção efetiva da cidadania, possibilitando a base para uma cultura de direitos humanos e de conscientização desses direitos como corolário para o exercício pleno da cidadania. Os Juizados Especiais resultaram em importante instrumento jurisdicional a propiciar Justiça ágil, desburocratizada, desformalizada e acessível a todos os cidadãos, em todo o globo.

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