Preparação: o processo mediador das dores na adoção internacional - Janaina Simas Souza

por ACS — publicado 2013-01-22T08:20:00-03:00

Artigo publicado no site do TJDFT, página da Imprensa, em Artigos, em 20/2/2013.

Janaina Simas Souza*

Muitas das crianças e dos adolescentes que se encontram abrigados em instituições de acolhimento foram retirados de suas famílias por viverem situações de maus-tratos, negligência, desproteção e violação de seus direitos.

Assim, foram encaminhados para os serviços de acolhimento, o que, em regra, deveria ser uma medida excepcional e provisória2, mas o que nem sempre se confirma na prática. Quando não é possível a reintegração familiar, tais jovens são disponibilizados para adoção nacional e, se não houver pretendentes a

acolhê-los no Brasil, são disponibilizados para adoção internacional3, sendo esta a última possibilidade de colocação em família substituta. 

Ao longo da passagem das crianças / adolescentes da família biológica para a instituição de acolhimento e da transição desta para a família adotiva estrangeira, muitos vínculos são rompidos e outros começam a se formar.

Assim, não é possível falar da trajetória dessas crianças / adolescentes sem se aprofundar no processo de luto que vivenciam. 

Quando o luto por tais perdas não pode ser elaborado, acaba por influenciar negativamente na disponibilidade psíquica dessas crianças para inserção em uma família adotiva e/ou dificultar seu processo de adaptação ao

novo contexto familiar. 

A transição do abrigo para uma nova família, apesar de envolver muitas expectativas positivas, alegrias e desejos, é também um momento de revivência dos lutos pela família biológica, pois se concretiza a impossibilidade de retorno a esta família. Soma-se a isso, a perda da instituição de acolhimento, que quer tenha sido adequada ou inadequada, serviu como referência e espaço de segurança para a criança, tendo-se o luto pelos amigos e profissionais com quem conviveu diariamente, e o rompimento dos vínculos

formados na escola e na comunidade. 

Destaca-se que, além das perdas citadas acima, a adoção internacional, implica perda do país, da língua, dos valores e do meio cultural em que foi criado. 

São muitas as mudanças e rupturas nesse processo e em um tempo cronológico exíguo, que nem sempre condiz com o tempo psíquico dos adotandos. Assim, exige-se alto investimento emocional e cognitivo por parte da criança no sentido de se adaptar ao novo contexto familiar e social no qual será inserida. 

Vale destacar que, em regra, no Brasil, apenas crianças maiores de cinco anos são disponibilizadas para adoção internacional. Assim, tem-se como uma das características principais da adoção internacional, a adoção de crianças maiores4, que requer uma cautela especial, pois são crianças, geralmente, marcadas pelo sentimento de abandono com relação aos pais biológicos, que costumam se lembrar do período que viveram com estes, e que permaneceram um tempo, às vezes longo, em acolhimento institucional, lugares que, por melhor que sejam, não têm como oferecer cuidados individualizados. Todas essas questões interferem na formação de novos vínculos. 

Ao trabalhar com adoção internacional, no âmbito do Judiciário, e ter contato mais próximo com essas crianças e adolescentes, percebemos a extrema importância da própria equipe psicossocial do judiciário, dos

adotandos e dos adotantes estarem preparados para lidar com as inúmeras adversidades que se farão presentes até a concretização da adoção.

Se uma das partes desse tripé não se encontra devidamente preparada, é inevitável que a adoção não aconteça ou que, caso ocorra, seja a um custo emocional altíssimo para todos os envolvidos. 

No caso dos adotantes, é imprescindível que haja um real desejo de serem pais / mães daquela criança específica. Sabe-se o quanto é oneroso financeira e psiquicamente aos casais estarem distante de seu país, família, amigos, trabalho, cultura por cerca de dois meses, a fim de cumprir o estágio de convivência5. Por isso mesmo, torna-se fundamental que o casal queira muito ter aquela criança como filho (a), que estejam convictos dessa decisão, pois serão muitos os percalços e os testes que as crianças farão no sentido de

se assegurarem que aquelas pessoas darão conta de ser seus pais, já que, em muitos casos, a criança fica com a sensação de que seus pais biológicos não deram conta, por haver algo de muito errado com ela. 

Comumente ouvimos os casais estrangeiros dizerem que esperaram 6, 7, 8, 9 anos para realizarem o sonho da adoção. Portanto, algo que foi tão esperado e desejado precisa ser bem cuidado. 

No Distrito Federal, antes de conhecerem a criança pessoalmente, os adotantes recebem da Comissão Distrital Judiciária de Adoção6, por intermédio do organismo internacional7 que os representa, o resumo do processo da criança, contendo informações sobre sua saúde, escolaridade, relacionamentos, histórico do acolhimento institucional etc, além de fotos atualizadas. 

Durante a preparação psicossocial da criança, os técnicos do judiciário enviam ao citado organismo outros dados importantes sobre a criança e, especialmente, suas expectativas, desejos e medos referentes à adoção.

Solicita-se que esses dados sejam remetidos aos casais, a fim de que possam acompanhar de perto o que se passa com a criança.

É direito dos adotantes terem suas dúvidas esclarecidas tanto pelo organismo quanto pela equipe técnica que acompanha a criança, antes de decidirem pelo início do estágio de convivência.  

Postulantes à adoção que ainda no próprio país já se sentem em dúvida obre o desejo de acolher uma criança específica não deveriam ser incentivados a iniciar um estágio de convivência. Seria muito melhor que os

organismos internacionais ajudassem o casal a amadurecer o desejo, pois se esse não é forte o suficiente e se não é um projeto do casal, tanto do marido quanto da esposa, qualquer obstáculo tomará grandes proporções, inviabilizando o projeto de serem pais e, quem sabe, trazendo mais uma frustração para a criança.

São os adultos os responsáveis, aqueles que precisam se sentir seguros para transmitirem essa segurança à criança e ela, aos poucos, confiar que pode se vincular. No começo, é uma vinculação com reservas, desconfiada, que testa os adotantes a todo momento para ter certeza que eles serão mesmo os pais dela. Só com o tempo é que a criança pode abrir mão desses mecanismos de proteção e se mostrar mais para os adotantes. Mas no início, nada é fácil. Não é fácil para os adotantes aprenderem a ser pais; não é fácil

para a criança reaprender o que é ser filho(a), pois há muito tempo esqueceu o que é isso e sabia o que era ser filho de outros pais, dos biológicos, mas não desses pais novos (adotivos). 

É natural que a criança se sinta insegura, com medo e receosa nos primeiros contatos, colocando em dúvida seu próprio desejo de ser adotada e queira experimentar conhecer os adotantes. Mas tal postura mostra-se nociva se vem dos adotantes, pois além de não passar a segurança emocional necessária para a criança, ainda a mantém afastada, pois ela já conhece como termina a história de ser abandonada e não quer vivenciar isso novamente.

É importante, ainda, que os casais possam ser ajudados a elaborar o luto pelo filho biológico que não puderam ter, mas também pelo filho idealizado, que dificilmente será a criança que encontrarão no país de origem. Muitos adotantes parecem buscar um filho para preencherem suas vidas, talvez algum vazio que sentem, e se esquecem que o importante é dar uma família para uma criança e não o inverso. Quando o propósito é invertido, ou seja, é dar uma criança para uma família, o projeto já nasce viciado, e, muito

provavelmente, não dará certo, pois fica muito difícil para a criança ter de alguma forma que salvar seus pais de uma situação que eles não estão dando conta. 

Já quando a intenção é dar uma família para uma criança, aí sim tem-se um desejo verdadeiro, a criança pode ser vista em primeiro plano e, assim, suas dificuldades e anseios podem ser respeitados. A criança passa a ser o foco da situação. 

São muitos os atores envolvidos na adoção internacional: equipe técnica do Judiciário, adotando, os adotantes, o organismo internacional, a instituição de acolhimento, a escola, voluntários de aulas de idioma, psicoterapeutas...

Uma grande rede se forma para que a adoção possa ocorrer da melhor maneira possível. 

Não existe uma adoção internacional que não envolva dor, sofrimento, insegurança etc, até porque para a criança chegar a ser disponibilizada para estrangeiros é porque recebeu muitos nãos em sua curta trajetória de vida: dos pais biológicos, da família extensa, de postulantes à adoção nacional.....

Geralmente, são crianças marcadas pelo sentimento de abandono e rejeição e que, naturalmente, o que mais temem é reviver essa situação. Então nada mais esperado que a criança se manter defendida quando é apresentada à possibilidade de ser adotada por estrangeiros, pessoas que falam outra língua, que comem outras comidas, que moram em um país distante do seu.... É um misto de euforia, no sentido de que será ótimo poder voltar a ter um pai e uma mãe, mas também há muito medo envolvido. Será que vão gostar mesmo dela? Será que ela vai gostar deles? Será que vão mesmo adotá-la? E se for devolvida? E se algo der errado? São tantas dúvidas, angústias e defesas que a criança precisa sentir que tem apoio em sua rede. A equipe do judiciário precisa estar muito atenta às necessidades e demandas da criança e, em muitos casos, um psicoterapeuta é fundamental para que a criança tenha um espaço mais reservado e seguro para expressar seus conflitos. 

Durante o período do estágio de convivência, muitos desses atores precisam continuar disponíveis, principalmente a equipe do judiciário que preparou a criança, e os técnicos do organismo internacional que prepararam o casal, pois é grande a angústia do adotando e dos adotantes. Com apoio, respeito e incentivo, muitas dessas angústias vão cedendo lugar a uma relação mais terna e segura entre a criança e os adotantes.

Uma das formas utilizadas pela CDJA para ajudar a quebrar o gelo inicial, nos primeiros dias do estágio de convivência, é incentivar o casal a levar a criança para lugares que tenham brinquedos, como parque de diversão, shopping, lanchonetes etc. A ideia não é que a criança pense que os adotantes são ricos, que darão tudo que ela quiser, que ela esteja mais interessada no “Ter que no Ser”, mas que a criança possa estar num ambiente mais voltado para sua idade e necessidades, que tenha a opção de ora interagir com os adultos, ora dispersar um pouco e se entreter com outras crianças, não tendo que se entrosar o tempo todo só com os adotantes, pois para muitas crianças isso pode ser assustador. 

Nos momentos difíceis do estágio de convivência, percebe-se que um dos grandes recursos para o casal é a própria relação conjugal. Quando um dos parceiros pode reconhecer a fragilidade do outro e tentar ajudá-lo a se fortalecer, seja conversando sobre as dificuldades, ou levando as crianças para passear e deixando o companheiro sozinho para descansar um pouco, sendo fazendo uma refeição especial para o outro etc., fica mais fácil para ambos seguirem em frente com o desejo de paternidade/maternidade.

A adoção internacional é complexa por si, mas é uma adoção possível.

Para que dê certo todos os atores precisam estar de fato envolvidos.

 

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* Servidora do TJDFT