Violência doméstica e as audiências de custódia: o papel das Centrais Integradas de Alternativas Penais - Juiz Luis Martius Holanda Bezerra Junior

Juiz Luis Martius Holanda Bezerra Junior* Gabriela de Angelis de Souza Peñaloza Mendes**
por Juiz Luis Martius Holanda Bezerra Junior e Gabriela de Angelis de Souza Peñaloza Mendes — publicado 2018-10-22T13:45:00-03:00

A reconhecida existência de um ordenamento que contempla a adoção de diversas medidas, voltadas à proteção das vítimas de violência no contexto doméstico e familiar, não tem se mostrado suficiente para obstar um quadro de reconhecido recrudescimento nos casos de feminicídio e de outras violações, perpetradas por agentes que se encontram submetidos a medidas protetivas impostas pelo Poder Judiciário.

Evidencia tal quadro, de profunda dramaticidade, a necessidade de uma atuação estatal capaz de transcender a mera formalidade de um compromisso firmado em audiência, posto que, sendo certo que nem todos os autores ficarão cautelarmente segregados ou permanentemente afastados do convívio familiar, ressentem-se as vítimas de uma intervenção preventiva e concreta por parte da Justiça, capaz de contribuir para a ruptura desse ciclo de violência anunciada.

A mudança comportamental e de compreensão da questão ligada à violência de gênero, passa, por certo, por uma longa e dificultosa transformação cultural, mas, nem por isso, se pode prescindir de ações efetivas e profiláticas que possam incidir, de imediato, como estratégia para a interrupção de uma conhecida espiral de submissão e violência.

A Lei Maria da Penha, nesse contexto, foi - e continua sendo - um grande avanço na luta por justiça e pelo reconhecimento da dignidade e dos direitos que dela se irradiam às mulheres colocadas em situação de violência familiar.

Inegável, contudo, que o sistema penal deve evoluir em sua forma de atuação, levando em consideração, para tanto, novos campos de interlocução, voltados, principalmente, à prevenção de novas violações.

Aplicada uma medida protetiva, seja em audiência de custódia ou a partir de um requerimento examinado nos autos do processo, deve haver, necessariamente, um acompanhamento do autor do fato, a fim de que se possa, de alguma forma, inibir o descumprimento das cautelares e interferir positivamente no quadro de violência e desagregação familiar.

As Centrais Integradas de Alternativas Penais surgem, nesse cenário, como uma ferramenta que se espera ver, urgentemente, implementada em todo o país, capaz de servir como mecanismo complementar às audiências de custódia e às medidas cautelares, a fim de que seja assegurado o acompanhamento, pelo Estado, dos desdobramentos do caso e da conduta que será, após a imposição da cautelar, efetivamente adotada pelo autor do fato.

Lançada em fevereiro de 2015 e regulamentada por meio da Resolução nº 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça, o Projeto Audiência de Custódia já contemplava, em seu nascedouro, a criação das Centrais Integradas de Alternativas Penais, como unidade de apoio, responsável pelo acompanhamento das pessoas em cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão.

Estruturadas por equipes multidisciplinares, regularmente capacitadas, as Centrais são responsáveis pela consolidação de redes públicas, capazes de atender as pessoas liberadas após a audiências de custódia, atentando para as especificidades de cada caso, conforme balizado em decisão judicial que fixou a medida cautelar diversa da prisão.

Em especial, no contexto da Lei Maria da Penha, cabe às Centrais exercitar e construir parcerias com outras instituições especialistas, para execução de grupos temáticos ou de responsabilização dos autores de violência doméstica, assegurando, assim, a efetividade da medida imposta e o acompanhamento da evolução do caso. O modelo em questão já foi implementado, com sucesso, nos estados do Maranhão, Paraná, Ceará, Goiás, Minas Gerais e Bahia.

Verifica-se que, na maioria dos casos, os homens que respondem por crimes no contexto de violência doméstica acreditam serem vítimas da “denúncia” de suas esposas ou companheiras. Nessas circunstâncias, além do acompanhamento das medidas cautelares (diversas da prisão) fixadas em audiência de custódia, a equipe de profissionais qualificados das Centrais age, por meio de metodologias específicas e de intervenção técnica psicológica, para a conscientização e uma reflexão do autor sobre os atos por ele cometidos.

O atendimento integrado, no modelo delineado, ou seja, com o acompanhamento, pelas Centrais de Alternativas Penais, iniciado logo após a concessão da liberdade provisória e das medidas alternativas à prisão, permite tratar o enfoque restaurativo da sanção e conferir maior controle estatal sobre os possíveis desdobramentos do caso, promovendo a autodeterminação responsável dos agressores e, no viés dos resultados almejados pela sociedade, a minimização da prática de novos crimes.

 

*Luis Martius Holanda Bezerra Junior

Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa

Juiz de Direito do TJDFT

 

**Gabriela de Angelis de Souza Peñaloza Mendes

Pós-Graduada latu sensu no Curso Ordem Jurídica e Ministério Público. FESMPDFT

Analista Judiciária do TJDFT 

Artigo publicado no Correio Braziliense - caderno Direito e Justiça, na edição do dia 22/10, e no site do TJDFT, página Imprensa - Artigos