Governança e Gestão: um encontro marcado com o Plano Anual de Contratações

Secretária de Recursos Materiais do TJDFT, Isabella Brito
por Isabella Brito — publicado 2019-07-24T18:50:00-03:00

As boas práticas de governança, que se sustentam nos princípios da transparência, da equidade, da prestação de contas e da responsabilidade, têm se tornado cada vez mais importantes no cenário desafiador pelo qual atravessa a administração púbica.

Diante da predominância da cultura reativa e sem planejamento no atendimento às demandas, bem como da escassez de recursos, entregar valor à sociedade exige mais do que a formalização de políticas e edição de novos normativos. As dimensões da governança pública, que quando desmembradas comportam novas metodologias e instrumentos de gestão, precisam ser pensadas de forma integrada, sob o risco de serem apenas a formalização de exigências que não se comunicam com a realidade das organizações.

Pensemos especificamente em termos de governança e de gestão na área de contratações, na qual 56% das instituições estão em estágio inicial de maturidade, segundo o último diagnóstico apresentado pelo Tribunal de Contas da União (TCU)¹ em 2018. Em análise ligeira sobre os componentes recomendados e avaliados pela Corte de Contas, verifica-se que ali estão contempladas necessidades estruturantes e incrementais relativas à gestão de riscos, à gestão por competência, à gestão de desempenho e à gestão de processos, que, quando alinhadas, tornam ainda mais latente a necessidade do desembaraço estratégico nas instituições para o alcance dos resultados pretendidos.

Nesse contexto, o levantamento realizado pelo TCU pode servir de ponto inicial para a estruturação da governança e da gestão de contratações e ser encarado como oportunidade de realizar melhorias internas.

A fotografia registra elementos desafiadores sim, mas, se colocados em um plano de ação envolvendo as partes interessadas e o patrocínio da alta administração, são o prenúncio de melhores resultados já em um curto espaço de tempo. Pode ser um caminho a se tomar. Mudar de rumo pela governança significa repensar o modelo burocrático predominante nas instituições, ainda com traços patrimonialistas, e iniciar passos de integração, de alinhamento de interesses e de visão sistêmica, com foco em eficiência e eficácia, sem deixar de lado a ética e a transparência. Aliás, a transparência deve ser continuamente aperfeiçoada, pois, além de pilar da governança, é um catalisador da mudança que se pretende empreender.

Nesse caminho, de trabalhar com tantas metodologias e práticas inovadoras no contexto da administração pública, o plano anual de contratações é um instrumento que poderá evidenciar oportunidades, além de forças e fragilidades no modelo de governança e gestão adotado pelo órgão.

Observada a prática adotada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que obteve significativo avanço em seu índice de governança de contratações no último ano², o planejamento das contratações começa com o levantamento de necessidades junto às unidades requisitantes, com antecipação suficiente para que o plano seja montado e sirva de base para a proposta orçamentária do órgão (planejamento orçamentário). O levantamento exige que o documento de oficialização da demanda, ou mesmo a planilha de coleta de dados, contenha minimamente as seguintes informações para a composição de um plano: o quê, quando, porquê, como, onde, quanto e quem.

Envolver as unidades no início do processo de planejamento, com a sinalização de que apenas serão adquiridos dentro do exercício seguinte o que estiver previsto no documento homologado pela alta administração, leva a todos, inclusive os gestores setoriais, a se organizarem e planejarem melhor os recursos disponibilizados (planejamento setorial).

De posse do levantamento das necessidades, diante de recursos existentes, atualmente limitados, e de acordo com a complexidade e o tamanho da organização, há necessidade de avaliar e priorizar as demandas, além de estabelecer estratégias da aquisição como, por exemplo, definir o calendário de licitações e o instrumento contratual a ser utilizado. Nesse processo, uma boa prática é contar com um comitê de contratações, instância que deve atuar segundo as diretrizes estratégicas da instituição e subsidiar o ordenador de despesas nas decisões relativas às compras e contratações (estrutura de governança), além de garantir o alinhamento das demandas ao plano estratégico organizacional.

Elaborado o plano, segue-se para a execução e o monitoramento dos projetos listados, observando-se os prazos estabelecidos. É nessa fase que os pontos fortes ou as fragilidades serão evidenciados. Aqui serão avaliados como os atores envolvidos na contratação, os processos de trabalho e o próprio sistema de governança operam; qual a eficácia e o custo benefício dos controles instituídos no processo de trabalho (gestão de riscos); qual a qualidade dos projetos apresentados; qual e onde está a necessidade de capacitação; como está a distribuição e alocação das pessoas por área e por projeto; qual o desempenho por área de negócio.

A maturidade com o processo de planejamento, em sentido amplo, evidenciará a necessidade de maior qualificação do corpo técnico e dos gestores para a profissionalização da área de contratações, além da importância de se investir em ferramentas automatizadas para aferir o desempenho e garantir mais eficiência ao processo de trabalho e à gestão contratual, o que significa reforçar os mecanismos da governança, assegurando assim o alcance de resultados mais efetivos.

Não obstante a execução do plano de contratações trazer consigo a evidenciação das fragilidades internas, dá sentido ao trabalho de todos que atuam nessa cadeia de valor, reforçando o engajamento dos atores envolvidos. Sendo a execução do plano realizada com transparência dos procedimentos e dos resultados, o sistema de governança vai sendo delineado, ajustado e aperfeiçoado no dia a dia da organização, com a necessária prestação de contas à sociedade, legitimando os esforços internos alinhados às boas práticas recomendadas pelos órgãos de controle.

Portanto, se a sua organização ainda não tem a prática de trabalhar com um plano anual de contratações, exigência constante da nova Instrução Normativa 01/2019³, este pode ser um bom começo para avaliar a gestão das aquisições e como estão funcionando os componentes do sistema de governança adotado. Nesta caminhada de construção e desconstrução de paradigmas, a mudança na maneira de pensar e gerir os recursos públicos é a inovação mais almejada, e passa necessariamente pela mudança da cultura reativa para a legitimidade de ser e pertencer a algo maior, que a governança e a prática do planejamento podem proporcionar, agregando valor e sustentabilidade aos processos de trabalho e, consequentemente, às entregas realizadas à sociedade.

¹O relatório com as recomendações e determinações da Corte de Contas integram o Acórdão 588/2018 – Plenário.

²No último ano, o iGovContrat do TJDFT saltou de 49% para 78%, alcançando o estágio aprimorado na governança e gestão de contratações.

³Dispõe sobre Plano Anual de Contratações de bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação e comunicações no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional e sobre o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações.

 

Isabella Brito é servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, graduada em Administração, com pós-graduação em Gestão Pública e Gestão de Projetos. Responde atualmente pela Secretaria de Recursos Materiais, unidade responsável pela área de licitações e contratos e pela gestão de materiais do TJDFT. O texto acima foi escrito com base na experiência vivenciada pela autora à frente Secretaria com o projeto de estruturação da governança e gestão de contratações do Tribunal.