O Poder das Palavras em tempos de Pandemia

Juiz assistente da Presidência do TJDFT Marcio Evangelista Ferreira da Silva
por juiz Marcio Evangelista Ferreira da Silva — publicado 2020-06-22T10:08:00-03:00

As palavras têm poder. Um poder quase mágico. Discursos de homens públicos se eternizaram, como “Eu tenho um sonho!” de Martin Luther King, proferido na marcha de Washington em 1963 na luta por empregos e liberdade. Ou ainda Não perguntem o que a América fará por vocês, mas o que juntos podemos fazer pela liberdade do homem”, de John Kennedy, no dia de sua posse, conclamando a todos a se unirem em um objetivo comum. Portanto, a palavra do homem público com boa oratória tem efeito avassalador, ou seja, um poder simbólico que influencia toda a sociedade e, indiscutivelmente, induz comportamentos.

Atualmente o mundo está em estado de alerta devido a COVID-19 e a Organização Mundial de Saúde decretou estado de pandemia. No Brasil foram implementadas medidas para conter o avanço da contaminação. O isolamento social foi adotado e o home office foi a medida encontrada para a continuidade da atividade laboral, com exceção dos serviços essenciais que continuam na lida diária.

A Organização Mundial de Saúde e vários organismos internacionais, diariamente, apresentam dados estatísticos do avanço da COVID-19 e, enfaticamente, recomendam o isolamento social como medida de prevenção e combate à disseminação da doença causada pelo coronavírus. No entanto, há discursos, mesmo diante das orientações de técnicos e cientistas, no sentido de que não é necessário o isolamento social. Tais discursos se disseminam nas redes sociais e em outros meios de comunicação em massa.

Diante disso, o Brasil presenciou um isolamento social alto no início da pandemia, mas atualmente a população, talvez influenciada por discursos e mensagens desencontradas, relaxaram o isolamento social. O resultado é que a contaminação se alastrou e chegamos a mais de cinquenta mil mortes causadas pela COVID-19. Assim, as palavras, de início levou o brasileiro ao isolamento social, mas, posteriormente, também levou ao relaxamento que pode ter acarretado mais mortes.

É o poder das palavras em questão. Com efeito, o poder se vê por toda a parte, há o poder simbólico no que se diz, um poder invisível, de construção da realidade, como diria Pierre Bourdieu. Tal poder tem uma autentica função política, pois é um instrumento de integração que pode transformar a visão de mundo, ou seja, é um poder quase mágico, como dito acima, já que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força física. Ora, o que seria um discurso irresponsável na boca de qualquer um é uma previsão razoável na boca do homem público que discursa, ou seja, o poder das palavras pode ser de ordem ou de subversão. Com efeito, em política, dizer é fazer crer, a palavra tem força de mobilizar forças e inspirar confiança, nos dizeres de Bourdieu.

Assim, o discurso de um homem público deve ter em mente que, conforme Aristóteles, a política é a arte de fazer o bem. Deve ter como meta, em toda sua ação, em especial em suas palavras, de que a ação política (ações referentes à vida em sociedade), é uma ação que visa o bem comum, de todos os cidadãos e mais, não deve cometer o pecado de praticar a política sem princípios, como nos ensinou Mahatma Gandhi. O discurso deve pautar-se no sentimento de solidariedade e igualdade com os membros da sociedade. As palavras devem expressar confiança e atitudes positivas em si, no outro e nos representantes eleitos.

Estamos em uma sociedade em transformação. A internet, as redes sociais e todos os meios de comunicações trouxeram velocidade à transformação antes inimaginável. Qualquer discurso, ainda que não preparado calmamente e não esperado, hoje atinge, em poucos segundos, todos os cidadãos do mundo. Deve-se ter cuidado, Fake News estão afetando a credibilidade dos discursos (não se sabe no que acreditar), pois como disse Humberto Ecco, o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.

Não é demasiado, para encerrar, lembrar o que disse o Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, nós queremos que a confiança e as oportunidades que voltaram a animar os brasileiros tenham um impacto cada vez mais positivo sobre as relações que nos unem. O homem público deve, portanto, ter cuidado com o uso da palavra, pois como disse o saudoso professor Luiz Flávio Gomes, a “palavra é o vento que sopra para o norte ou para sul, pode nos aproximar ou nos afastar”. Assim, o homem público não pode fomentar o encerramento do isolamento social em arrepio ao que é orientado por cientistas, pois, em tempos de pandemia, a palavra tem o poder de matar.

Enfim, estamos em isolamento social na espera de um novo amanhecer. Esperamos um mundo melhor do que tínhamos. Assim, me pautando novamente no que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil precisa mudar, mas precisa de mudanças que não destrua as instituições, todas as mudanças devem permitir que as instituições se revigorem, se fortaleçam!

Marcio Evangelista Ferreira da Silva é juiz do TJDFT

Doutor e Mestre em Direito pelo UniCeub-DF

Especialista pela Harvard University (Justice)-EUA

Especialista pela Universidade de Napoli Federico II (Comparative Judicial Systems)-ITA