Tribunal Online: Riscos e perspectivas

Tiago Carneiro Rabelo
por Tiago Carneiro Rabelo — publicado 2020-06-18T10:12:02-03:00

O Tribunal é tido como o local físico onde ficam assentados os juízes para as sessões, bem como onde se dão as audiências judiciais e os julgamentos. Quando do avanço da informatização, as atividades se tornaram mais dinâmicas, com a transformação do analógico para o digital, inclusive, com as sentenças e os acórdãos sendo assinados via certificado digital em processos eletrônicos, atendendo aos diversos sistemas eletrônicos criados (E-Proc, E-Saj, PJe, Creta, ProJudi, Tucujuris, e-STJ, e-STF, entre outros).

A Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, possibilitou a inserção do processo eletrônico em todas as esferas do Poder Judiciário, aplicando-se “indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição” (BRASIL, 2006). Inclusive, o processo e suas comunicações de atos e peças processuais passaram a tramitar em rede (internet).

Nessa senda, dispõe o Código de Processo Civil (CPC) (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015) a respeito da prática de atos processuais eletrônicos também por videoconferência (art. 236, §3º), além de sustentações orais (art. 937, §4º) e depoimentos remotos (art. 385, §3º) e inserção de documentos em áudio e vídeo (art. 441). Coube, por fim, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) velar pela compatibilidade dos sistemas judiciários e disciplinar a incorporação progressiva das novas tecnologias (art. 196), posicionando os 91 Tribunais existentes como verdadeiros steakholders.

Considerando a sociedade digital vigente, têm-se novas abordagens de consumo e demais serviços, como, por exemplo, música, transporte e bancos – disponíveis em plataformas totalmente digitais. Portanto, há uma necessidade primária de adaptação e, posteriormente, de transformação, além da mera automação, tornando, em larga medida, o Tribunal físico em um espaço online, segundo Richard Susskind na obra intitulada Courts Online and the Future of Justice (2019). Aquele autor sustenta que o futuro da Justiça, por meio dos Tribunais, será aplicado em duas dimensões, a saber: 1) O julgamento online (online judging); e, 2) O tribunal estendido (extended court), com a tese de que o Tribunal é um serviço e não um lugar, adaptando-se, assim, às resoluções das disputas do século XXI.

É preciso atentar-se ao fato de que as novas tecnologias apresentam riscos e desafios quando internalizados os serviços judiciários. Contudo, no tempo vigente, sua aplicação foi catalisada pela pandemia do novo corona vírus e os efeitos da COVID-19. Logo, desde o início do isolamento social, se deram ajustes nos procedimentos para que a prestação jurisdicional não parasse e fosse efetiva, por meio da edição da Resolução n. 670, de 23 de março de 2020, do Supremo Tribunal Federal (STF) e da publicação da Portaria Conjunta n. 33, de 20 de março de 2020, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) – no âmbito distrital –, contribuindo para a celeridade e eficiência processuais.

Com o fito de minimizar os efeitos na sociedade, deu-se a iniciativa legislativa para facilitar o trâmite processual aos cidadãos que acessam a Justiça, com fundamento na Lei n. 13.994, de 24 de abril de 2020, que altera a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a fim de possibilitar a conciliação não presencial nos Juizados Especiais Cíveis (JECs). Conquanto, tal legislação tratando das sessões de conciliação, resta evidente que a possibilidade tecnológica também esteja disponível nas oitivas de testemunhas, bem como na realização das audiências de instrução e julgamento, desde que não implique em prejuízo a nenhuma das partes, tendo em vista que as sessões não-presenciais (por videoconferência) exigem acesso à internet, webcam, computador ou algum dispositivo móvel (aparelho celular ou tablet), entre outros recursos tecnológicos.

De fato, a evolução dos modelos supracitados, além das plataformas de disputa online (ODR), perícias online, mediação e conciliação online, uso da inteligência artificial aplicada aos processos, o plenário e as sessões virtuais devem estar ao lado dos profissionais do Direito, de modo colaborativo e utilitário ao jurisdicionado, sem a desumanização do sistema jurídico, garantindo a deliberação entre os membros do colegiado e na tribuna, bem como a valorização da sustentação oral do advogado, da manifestação do fiscal da lei e do amicus curie, evitando-se a monocratização da decisão.

Por fim, mediante a distopia apresentada entre a tendência de um tribunal online e a necessidade de se resguardar o ser humano, fica o questionamento de Susskind (2019), a saber: ante os desafios da construção de um Tribunal online, deve-se manter a tradição/humanidade das audiências físicas, mesmo que os tribunais online possam aumentar (e muito), de modo confiável, o acesso à Justiça? A tendência é que a resposta seja positiva, pois, o ambiente online é confiável e a Justiça pode ser garantida.

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Tiago Carneiro Rabelo é Analista Judiciário do TJDFT, professor da ESA/DF e autor da obra “Manual do Processo Judicial Eletrônico”. Especialista em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (ESMA/DF).