"Nós estamos aprendendo com essa crise a encontrar soluções diferenciadas e rápidas, com o uso da tecnologia"

Juiz assistente da Presidência - Biênio 2018 - 2020 - Paulo Giordano
por AB — publicado 2020-04-09T19:55:00-03:00

Giordano.jpgJuiz assistente da Presidência do TJDFT, Paulo Rogério Santos Giordano, que também é o titular do Tribunal do Júri de Brasília, está acostumado a grandes júris e grandes desafios. Auxiliar a administração da Casa na tomada de decisões relevantes e de impacto já não era tarefa fácil, mais difícil se tornou depois da inesperada pandemia causada pelo coronavírus, que ocasionou a adoção de uma série de medidas repentinas e inusitadas, mas como o próprio  juiz diz, “muito bem pensadas”. Nessa entrevista, o  magistrado fala sobre os desafios enfrentados pelo TJDFT nesse delicado momento e como eles estão sendo superados com a ajuda e participação de todos.

 

O TJDFT vem tomando uma série de medidas preventivas a fim de evitar a disseminação do coronavírus no âmbito do Tribunal e resguardar tanto jurisdicionados quanto magistrados, servidores e colaboradores. Quais são, no seu entender, as medidas mais relevantes que o órgão tem tomado?

Foram tomadas várias medidas. A mais importante delas foi fazer com que as unidades judiciais funcionassem de forma remota, o que restringiu consideravelmente a permanência dos servidores e do público nos diversos fóruns de Justiça do DF, mas não foi só isso. Os estagiários foram autorizados também a fazer trabalho remoto – desde que tenham a aparelhagem necessária – e até os terceirizados, que podem fazer trabalho remoto, foram autorizados a fazê-lo. Aqueles que não podem têm que comparecer ao Tribunal, mas nós reduzimos drasticamente até mesmo essa prestação presencial do trabalho dos terceirizados.

Para aquelas unidades que têm que funcionar presencialmente, pelo menos em parte, nós adotamos uma série de medidas salutares ao combate da disseminação do coronavírus. Exemplo é a redução a termo dos juizados especiais, no Fórum Leal Fagundes, para aquelas demandas em que o indivíduo não precisa ser representado por um advogado, pois a causa é abaixo de 20 salários mínimos. Nesse momento, essa redução está sendo feita de forma bastante criteriosa, para questões urgentes ligadas à saúde, mas assim mesmo com todo aparato de proteção, a fim de preservar não só o servidor como também o jurisdicionado.

O momento atual exigiu, mais do que nunca, a informatização de praticamente todos os serviços. Do ponto de vista tecnológico, o quão o senhor acha que o Tribunal estava preparado para adotar esse novo formato de prestação de serviços a distância?

As últimas administrações, principalmente as duas últimas, investiram pesado em tecnologia. De forma que o nosso Tribunal está muito bem preparado nessa área. Evidentemente, nada é perfeito! Com essa demanda, em virtude do coronavírus, nós fizemos o que era possível para acelerar esse processo tecnológico, impulsionando o avanço necessário. Muito antes da crise do coronavírus, já era planejada pela gestão e já havia sido iniciada a digitalização e inserção de todos os processos judiciais no PJe. Isso foi praticamente ultimado, uma vez que já estamos nos aproximando dos 100%, o que prova que estamos sim, preparados tecnologicamente. Mas é claro que algumas soluções precisam ser repensadas rapidamente. Nós precisamos, muitas vezes, diante das demandas que se apresentam, tomar decisões inéditas, e estamos aprendendo com a crise.

Além da questão de TI, quais os principais desafios que o Tribunal tem enfrentado diante dessa nova realidade?

Nosso maior desafio é concatenar as atividades do Tribunal com a tecnologia, visto que nem sempre elas podem ser feitas apenas com os aparatos tecnológicos existentes. Isso porque há algumas funções judiciais que não podem ser feitas a não ser presencialmente. Então o que nós estamos tentando fazer agora é acomodar essas atividades, não no sentido de cancelar todas elas, mas de fazer uma adequação para que elas possam ser realizadas ao menos em parte, ou então postergando sua realização, mas de forma a minimizar qualquer efeito nefasto. Exemplo disso são as audiências, que têm que ser presenciais, e o contato com o advogado, que muitas vezes também precisa ser presencial. Então, criamos canais de comunicação com os advogados, o que praticamente inexistia, não por falta de amparo tecnológico, mas porque não era da nossa praxe jurídica e estamos nos adequando.

A despeito das dificuldades enfrentadas, a produtividade no TJDFT parece não ter sofrido queda. É isso mesmo?

Embora os processos judiciais estejam digitalizados, conforme já enfatizei, alguns atos têm que ser praticados presencialmente. Ademais o próprio CNJ estabeleceu, em resolução, a suspensão dos prazos processuais. Então o processo não vai ter a mesma celeridade que ele teria antes, porque embora os juízes e servidores continuem trabalhando e praticando os atos processuais, os prazos para as partes não correm. Portanto, o processo é acelerado até um determinado ponto. A partir dali, salvo se a parte cooperar e quiser se manifestar para que o prazo corra, o processo terá que ser paralisado de qualquer modo. Mas a nossa produtividade tem sido muito alta. Tudo o que é possível fazer, e que não diga respeito à fluência de prazo processual, está sendo feito. E talvez até com mais celeridade do que antes.

Como juiz e como gestor, o senhor já está acostumado a ter que tomar uma série de decisões difíceis todos os dias. Mas como é ter que lidar com essa agilidade extrema exigida nesse momento, visto que praticamente a cada dia temos uma nova regulamentação, seja do Governo Federal, Governo local ou CNJ, à qual temos que nos adequar?

Nesse ponto, talvez o maior desafio da administração seja confrontar essa normatização externa ao Tribunal com as nossas atividades, modificando rapidamente e de forma interna os nossos parâmetros, nossos protocolos, nossos procedimentos, sem passar para o jurisdicionado e para os servidores a ideia de que a administração esteja a todo momento mudando o curso das coisas. Não é isso o que nós estamos fazendo. Nós estamos nos adequando. Só que as coisas têm acontecido muito rapidamente, os fatos se sucedem muito rapidamente, o que torna necessário agilidade e mudança, inclusive, de normatização interna. Mas é preciso ficar claro que isso não é uma mudança contínua de rumos da administração. Ao contrário, a administração tem um rumo só: fazer com que as unidades judiciais façam seu trabalho de forma a movimentar os processos o tanto quanto possível e que a administração também continue funcionando a contento para dar lastro para as unidades judiciais.

Em momentos como esse, permeados de dúvidas e às vezes entendimentos conflitantes, é preciso muitas vezes lançar mão de estratégias e ferramentas de conciliação para a adoção de certas medidas, sempre visando o bem comum. Esse também é um dos desafios que os gestores precisam enfrentar?

Aqui eu acho que o segredo é que a administração do Tribunal ouça não só os juízes e servidores das unidades judiciais – ao que toca aos problemas que se apresentam diante desses juízos – como também os servidores das áreas técnicas, que hoje são muito importantes para o funcionamento do Tribunal, como por exemplo, a área médica, a área de comunicação e outras. Ou seja, o gestor não pode achar que ele tem uma solução pronta pra tudo. As medidas que a administração do Tribunal têm tomado partem, eu não diria de um consenso, porque isso é muito difícil no âmbito de uma instituição tão grande quanto o TJDFT, mas de decisões muito bem pensadas e orientadas, após ouvir os reclamos dos juízes e dos servidores, principalmente da parte técnica. Foi exatamente por essa razão que ocorreram sucessivas modificações nas portarias que disciplinam o funcionamento de todas as unidades do Tribunal, conforme o andamento e o agravamento da crise e as necessidades que foram surgindo e que foram sendo encaminhadas e incorporadas pela administração, no sentido de propiciar o melhor funcionamento possível.

Do ponto de vista orçamentário, essa crise também está exigindo vários ajustes, com alguns reflexos que só conseguiremos perceber mais tarde. Quais os cuidados que estão sendo tomados nesse momento, na condução desse tema?

Funciona assim: nós sabemos que as contratações estão intimamente ligadas com a execução do orçamento. Nós temos as despesas que são obrigatórias e temos um espaço mais ou menos discricionário para as demais contratações, ou seja, para aquela parte do orçamento que é destinada, conforme os interesses primordiais do órgão. Para essas, nós temos o Comitê de Contratações, que é o ponto final de análise de todo um procedimento para aquisição de bens e serviços dentro da Casa. Esse comitê continua funcionando a todo vapor e nós temos orientado que todo trabalho que culmina nele continue sendo elaborado e executado pelas diversas unidades do Tribunal. Nós ainda não sabemos exatamente qual vai ser o reflexo disso tudo e se eventualmente nós teremos que modificar em parte o plano de contratações. Mas eu digo o seguinte: em função de um planejamento que vem sendo feito há algum tempo no Tribunal, e que inclusive vem sendo fartamente elogiado pelo TCU, eventuais prejuízos não serão significativos, porque vai ser possível fazer os ajustes necessários para contratar bem e executar bem o nosso orçamento, como já temos feito.

Para finalizar, qual o grande aprendizado que o senhor considera que esse momento está trazendo não só para o Judiciário, mas para o serviço público como um todo?

O grande aprendizado para o Tribunal é fazer com que as novas tecnologias se incorporem de forma muito mais intensa ao nosso dia a dia. Nós estamos aprendendo com essa crise a encontrar soluções diferenciadas e rápidas, com o uso da tecnologia. É esperado que esse novo pensar e esse novo agir influenciem o funcionamento do Tribunal mesmo depois da crise do coronavírus. Nesse sentido, eu queria enfatizar que esta gestão ultimou a nova minuta de resolução de teletrabalho, que vai ser encaminhada ao Tribunal Pleno para apreciação e eventual aprovação, e isso vai propiciar inclusive maiores índices de servidores realizando o teletrabalho. Quem sabe essa crise vai nos mostrar o quanto é possível produzir no teletrabalho, diminuindo ainda mais os custos do Tribunal e gerando benefícios para o servidor e para o jurisdicionado.