Direito à Honra - Andréa Neves Gonzaga Marques

por ACS — publicado 2010-04-05T00:00:00-03:00
O direito à honra, à reputação ou consideração social, abrangendo a honra externa ou objetiva e a interna ou subjetiva perfila como um direito de personalidade, que se reporta ao âmbito do direito civil, mas por ter sido recepcionado pela Constituição Federal (inciso X, do art. 5º, CF), como integrante dos direitos fundamentais, gera a exigência de sua observância, ou seja, um efeito inibitório (chilling effect) não só perante os particulares, mas também sobre a esfera pública.
Honra, proveniente do latim honor, indica a própria dignidade de uma pessoa, que vive com honestidade e probidade, pautando seu modo de vida nos ditames da moral. Para o jurista italiano Adriano de Cupis a honra é a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros (honra objetiva) e no sentimento da própria pessoa (honra subjetiva). A pessoa jurídica também pode ser objeto de ofensa ao direito à honra, pois poderá ter sua reputação maculada, ainda que esta não possua o sentimento da própria dignidade.
Entretanto, ainda que a conduta de determinado cidadão não esteja conforme a conduta que a sociedade ou a respectiva comunidade tenha adotado como parâmetro de honorabilidade ou probidade, ainda que se comporte de forma a não coadunar seus atos com sua dignidade, não há que desconsiderá-la. Nesse diapasão, há de ressaltar a lição de José Martinez de Píson Cavero:
Baseada a honra na dignidade da pessoa, inerente a sua própria condição, não se pode negar que, de acordo com o texto constitucional, o ataque à honra será aquele que o seja àquela dignidade, independentemente dos méritos ou deméritos ou qualquer outra circunstância: assim, chamar prostituta uma mulher pode ser constitutivo de delito de injúria se esta expressão ataca a sua dignidade pessoal, independentemente de que exerça tal "profissão", já que proferir tal expressão, em determinadas circunstâncias, pode-se considerar lesivo a sua dignidade, porquanto supõe desprezo ou deshonra.
Observa-se em nossa Constituição que o legislador não excluiu a limitação da liberdade de expressão, quando se tratar de direitos da personalidade, tais como o direito à honra (§ 1º, art. 220, CF).
A situação de tensão entre esses direitos e o direito à livre expressão vem sendo debatida nos tribunais de diversos Estados democráticos, já que valores de alta relevância para a manutenção da democracia como a liberdade de expressão e a preservação de direitos individuais, muitas vezes, se colocam em posição antagônica, a ensejar análise mais atenta em cada caso concreto. O que não se deve fazer é estabelecer um parâmetro para a resolução de colisão de direitos fundamentais, aferindo arbitrariamente os interesses em conflito.
Para Gilmar Ferreira Mendes o Tribunal Constitucional alemão já considerou, em algumas análises de casos concretos, que os valores constitucionais ora em comento (liberdade de comunicação e os direitos da personalidade) configuram elementos essenciais da ordem democrático-liberal (freiheitlich demokratische Ordnung) estabelecida pela Constituição alemã (Lei Fundamental), de modo que a nenhum direito ou princípio deve ser atribuída primazia absoluta em relação a outro. Afirma ainda aquele constitucionalista que na impossibilidade de uma compatibilização dos interesses conflitantes, há de se contemplar qual direito deverá ceder lugar, no caso concreto, para permitir adequada solução da colisão.
Nesse sentido, mencionamos a lição de Gilmar Mendes, verbis:
(...) Como demonstrado, a Constituição brasileira, tal como a Constituição alemã,conferiu significado especial aos direitos da personalidade, consagrando o princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional, estabelecendo a inviolabilidade do direito à honra e à privacidade e fixando que a liberdade de expressão e de informação haveria de observar o disposto na Constituição, especialmente o estabelecido no art. 5º, X.
Portanto, tal como no direito alemão, afigura-se legítima a outorga de tutela judicial contra a violação dos direitos de personalidade, especialmente do direito à honra e à imagem, ameaçados pelo exercício abusivo da liberdade de expressão e informação.

No entanto, devemos estar atentos para o fato de que a liberdade de expressão não poderá ser mitigada por pretensões de queixosos hipersensíveis , que exigem dos órgãos judiciários a análise de seus queixumes, sobrecarregando-os com questões solucionáveis, em tese, pelo "esforço interpretativo de compatibilização ou de harmonização" entre o direito à livre expressão e o direito à honra.
Para o constitucionalista lusitano Jónatas Machado, a liberdade de expressão deve ser amplamente protegida, sem prejuízo da existência de sanções constitucionalmente adequadas para as violações especialmente claras e graves dos diretos de personalidade. Até mesmo na doutrina constitucionalista norte-americana, que tem defendido caráter absoluto das liberdades de expressão e de imprensa, visando à manutenção e exaltação da democracia, não prevalece sempre a tese absolutista de enaltecer o direito à livre expressão em detrimento aos direitos de personalidade, tal como o direito à honra. "Às vezes, devemos reduzir as vozes de alguns para podermos ouvir as vozes de outros".
Não é à toa que constitucionalistas vêm adotando a teoria mencionada por Jónatas Machado, afirmando que os direitos de personalidade configuram limites constitucionalmente imanentes das liberdades de comunicação, sendo a inversa também verdadeira.
Relevante ressaltar que, muitas vezes, a relação de tensão havida entre tais direitos (honra e livre expressão) não consegue ser amenizada tão-somente por meio de apelo ao valor da dignidade humana, já que ambos nela se escoram.
Nesse sentido, vale lembrar a lição do constitucionalista chileno Humberto Nogueira Alcalá, verbis:
Nos caso de colisão do direito à liberdade de opinião e de liberdade de informação com o direito à honra ou o direito à privacidade deve realizar-se a ponderação de direitos, buscando reduzir ao máximo a eventual afetação de cada um já que ambos constituem aspectos derivados da dignidade da pessoa humana, de cada uma e de todas as pessoas.
Entre os direitos fundamentais não se pode falar de hierarquia de direitos como têm feito alguns de nossos tribunais superiores de justiça, senão de equilíbrio, já que tanto a honra, a privacidade, a liberdade de opinião e de informação se encontram no mesmo nível de direitos humanos e fundamentais protegidos pela Constituição.
O direito à honra, como os demais direitos de personalidade, não é absoluto, nem ilimitado. Prova disto encontramos na legislação penal pátria, pelo qual o limite da honra resta estabelecido, em alguns casos, pela exceptio veritatis, ou seja, a exceção da verdade, por meio da qual o agente deve provar a veracidade do fato que imputou.
Convém lembrar que tanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, como a Convenção Americana de Direitos Humanos protegem a pessoa de "ataques ilegais" à sua honra ou reputação. No entanto, conforme bem citado por Humberto Nogueira Alcalá, uma informação que afete a honra de uma pessoa será lícita e legítima, quando se refere a fatos de relevância pública que questionam a honradez de uma figura pública ou, de uma pessoa privada envolvida em tema de relevância pública e quando existe um interesse legítimo dos membros da sociedade em discutir assuntos que incidam diretamente naquela sociedade.
Para Alcalá, na área pública, a mácula sobre a honradez não se dá pelo simples fato de se expressar livremente, informando a sociedade sobre determinado ato praticado pelo agente, de forma a duvidar-se de sua honra ou probidade, mas "em tales casos las personas afectadas se deshonran em virtud de sus propios actos".
Expressar-se livremente é, antes de tudo, uma exigência da sociedade democrática, da qual exige-se o pluralismo, a tolerância e a mentalidade ampla. Dessa forma é que o sistema interamericano de direitos humanos enfrenta a eventual colisão de direitos fundamentais havida entre o direito à honra e a liberdade de expressão: a liberdade de se criticar o Poder Público de forma ampla e irrestrita é garantida pela liberdade de expressão, ainda que a crítica seja dura e de mal gosto.
Sobre a matéria, importa ressaltar o assunto com o relevo ofertado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a seguir descrito:

(...) É especialmente no caso da arena política onde a crítica política se realiza freqüentemente mediante juízos de valor e não mediante declarações exclusivamente baseadas em fatos. Pode resultar impossível demonstrar a veracidade das declarações, tendo em vista que os juízos de valor não admitem prova. De maneira que, uma norma que obrigue ao crítico dos funcionários públicos a garantir as afirmações fáticas têm conseqüências pertubadoras para a crítica da conduta governamental. Ditas normas sugerem a possibilidade de que quem critica de boa fé o governo seja sancionado por sua crítica. Ademais, a ameaça de responsabilidade penal para desonrar a reputação de um funcionário público inclusive com expressão de um juízo de valor ou de uma opinião, pode utilizar-se como meio para suprimir a crítica e os adversários políticos. Mais até, ao proteger os funcionários contra expressões difamantes, as leis de desacato estabelecem uma estrutura que, em última instância, protege ao próprio governo das críticas.
Diversas têm sido as Cortes Constitucionais que sustentam essa perspectiva de que o debate sobre tema público deverá ser amplo, desinibido, ainda que alcance ataques veementes, cáusticos e desagradavelmente agudos ao governo e seus funcionários e agentes.
Assim, se estabelecem limites sobre a capacidade do Estado de silenciar seus críticos, sobretudo a imprensa, por meio de procedimentos civis e criminais. A mais importante fonte dessa tese na doutrina constitucional norte-americana operou-se na decisão da Suprema Corte, em 1964, em New York Times v. Sullivan, pelo qual interpretou-se a Primeira Emenda da Constituição Americana (que preconiza a liberdade), conferindo-lhe o significado de que a imprensa não pode ser criminalmente processada por difamar o Estado como entidade abstrata. Aquela Corte limita ainda o poder de servidores públicos receberem indenizações em ações de difamação, eis que tais agentes não podem ser indenizados por afirmações tidas como falsas sobre desempenho de suas atividades, a não ser que provem que aquelas menções foram publicadas com conhecimento ou grave negligência (reckless disregard) sobre sua falsidade.
Dessa forma se mostra razoável a diminuição da proteção ao direito à honra de uma pessoa pública, sobretudo quando se constata a necessidade de transparência na divulgação de atos praticados por agentes públicos, não constituindo injúria qualquer excesso na publicação e menção daqueles atos. Por esta razão se mostra tão necessária à vivência democrática e pluralista a liberdade de expressão. Nesse sentido, Humberto Nogueira Alcalá afirma que a "faculdade das pessoas de emitir opiniões e realizar uma crítica acerca dos agentes e órgãos estatais (governo, administração, parlamento, tribunais de justiça), é inerente ao regime democrático."
No entanto, caberá aos juízes, realizar, in casu, a ponderação e analisar os conceitos de relevância pública e veracidade da informação. A ausência dessa relevância pública determina a prevalência do direito à honra sobre a liberdade de expressão. É relevante ressaltar que este critério tem sido adotado pelos tribunais internacionais de direitos humanos, tais como a Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Corroborando tal entendimento, tem sempre declarado o Supremo Tribunal Federal que "a proteção da privacidade e da própria honra não constitui direito absoluto, devendo ceder diante do interesse público, do interesse social" (voto do Min. Carlos Mário Velloso na Petição 577-DF, RTJ 148 (2):367, maio, 1994; e voto do Min. Eros Grau no HC 87.341-3/ PR, fevereiro, 2006).
No histórico julgamento do STF, no Habeas Corpus 82.424/RS, pelo qual discutiu-se o crime de racismo e anti-semitismo, propagado pela publicação de obra literária com referências preconceituosas e discriminatórias, nossa Suprema Corte declarou, verbis:
(...)
As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.

Em sentido subjetivo, deve-se realçar a necessidade de se determinar se o sujeito passivo da informação que macule a honra é pessoa de relevância pública (ou uma figura pública). A pessoa pública que adquire notoriedade pelo cargo que ocupa ou pela função que exerce perante o Estado, ou aquela que adquire notoriedade ou projeção por envolver-se com questões estatais, deve se sujeitar a limites mais amplos de críticas à sua honra, assumindo o risco que isso acarreta, do que um particular. Assim, o desenvolvimento da tolerância e pluralismo no regime democrático se diferencia dos regimes autoritários, já que naqueles as pessoas de relevância pública se convertem, conscientemente, em sujeitos passivos da proteção de sua honra em relação às suas atividades públicas.
Há que se notar que, em comparação ao particular, os agentes do serviço público possuem amplo campo de defesa perante a sociedade, para resguardar a sua honra e rebater as acusações proferidas, sobretudo quanto ao acesso aos meios de comunicação.
Neste sentido, apresentamos a clara manifestação do Tribunal Constitucional Espanhol, no caso em que a liberdade de expressão operacionalizada pelo jornalista José Maria García se opôs ao direito à honra do Presidente da Federação Espanhola de Futebol:
A crítica de uma conduta que se estima comprovada de um personagem público pode certamente resultar penosa - e às vezes extremamente penosa - para este, mas em um sistema inspirado nos valores democráticos, a sujeição a essa crítica é parte inseparável de todo cargo de relevância pública. E neste contexto, é claro que se trata - independentemente da justiça das apreciações realizadas - de avaliações de uma atuação concreta, e não de meros insultos ou desqualificações de sua função pública ditadas por um ânimo vexatório ou a inimizade pura e simples.

Mencionamos ainda o mesmo Tribunal Constitucional Espanhol, em sua Sentença 107/88, que versa sobre o tema em comento da seguinte forma:
"(...) o valor preponderante das liberdades públicas do art. 20 da Constituição somente pode ser protegido pelas matérias a que se referem e pelas pessoas que neles intervêm e contribuam, em conseqüência, a formação da opinião pública, alcançando, então, seu máximo nível de eficácia justificadora frente ao direito à honra, o qual se debilita, proporcionalmente, como limite externo das liberdades de expressão e informação, enquanto seus titulares são pessoas públicas, exercendo funções públicas ou resultam implicadas em assuntos de relevância pública, obrigadas por ele a suportar um certo risco de que seus direitos subjetivos da personalidade resultem afetados por opiniões ou informações de interesse geral, pois assim requer o pluralismo político, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe sociedade democrática. Pelo contrário, a eficácia justificadora de ditas liberdades perde sua razão de ser no suposto de que se exercitem em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e ajuizamento público são desnecessários (...)"

Dessa forma, para que a liberdade de expressão prevaleça sobre o direito à honra, em caso de colisão entre esses dois direitos, devemos considerar se o ato informado tenha relevância pública para a formação da opinião daquela respectiva sociedade ou se a pessoa afetada pela informação publicada era realmente pessoa que estaria sujeita à transparência e publicidade de seus atos e conseqüentemente, ao escrutínio público. Somente diante de tal análise poderemos ofertar maior ou menor amplitude do direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão ou, ao contrário, sobrepujar a livre expressão, tornando tênue o direito à honra.