O acesso e a efetividade da justiça ambiental - Juíza Oriana Piske

por ACS — publicado 2010-06-16T00:00:00-03:00
Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto*

A Constituição brasileira de 1988 deixou de lado o neutralismo do Estado de "Direito", evoluindo para ser "Estado Social" e de "Justiça", cujos princípios estão solenemente declarados na Carta Magna, assumindo os mais elevados valores da natureza humana, cujos postulados são acordes com a tradição romano-cristã. Em harmonia com o princípio do respeito à Dignidade humana, a Carta de 1988 desenvolve a idéia da responsabilidade objetiva em sede de danos ambientais.
A responsabilidade nos danos ambientais, além de objetiva, é integral e solidária. Qualquer medida tendente a afastar as regras da responsabilidade objetiva e da reparação integral é adversa ao ordenamento jurídico pátrio. A não admissão do princípio do risco integral vai contra o ordenamento ambiental. Nesse sentido, a responsabilidade civil deve ser vista à luz do Direito Ambiental e como instrumento de realização desse Direito.
Nem sempre é fácil identificar o responsável pela degradação ambiental, daí se justificar a "atenuação do relevo do nexo causal", bastando que a atividade do agente seja potencialmente degradante para sua implicação nas malhas da responsabilidade. Aplica-se, ademais, nessa área a regra da solidariedade entre os responsáveis, "podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis." (SILVA, 2000, p. 215).
Entre os tipos de reparação, encontram-se a indenização (para o que se cogita criação de fundos especiais) e a recomposição ou reconstituição do meio ambiente degradado (Constituição Federal, art. 224, § 2o). A propósito de fundos de indenização, Michel Prieur (1991, p. 736), afirma que experiências estrangeiras têm mostrado o grande interesse de tal mecanismo para proteção ambiental. Com efeito, segundo o ambientalista francês, "l?existence d?um tel fonds facilite l?indemnisation ou la restauration de l?environnement dans les cas où le pollueur ne peut pas être identifié ou em l?absence d?um droit patrimonial privé lésé".
No que concerne, à objetivação da responsabilidade civil por danos ecológicos, assistiu-se na França e na União Européia contínua evolução, que levou ao consenso dos Estados europeus em firmar, na Convenção de Lugano, um regime especial de responsabilidade por atividades perigosas ao meio ambiente. Vale registrar que na referida Convenção reconheceram os Estados europeus a especificidade do dano ao meio ambiente, bem como a aplicação de responsabilidade objetiva e solidária.
Por outro lado, observa-se atualmente, que o mundo da globalização econômica encontra-se pouco sensível aos assuntos ambientais, parece não perceber que dependemos de nossos sistemas naturais para sobreviver. Assim, verifica-se que a proteção ambiental não pode ser tarefa exclusiva do Estado, seja através dos Órgãos do Poder Executivo, seja através do Poder Judiciário, mas de todos, ou seja, os indivíduos, a sociedade civil, são obrigados a garantir, com responsabilidade, o direito de as gerações presentes e futuras usufruírem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Neste contexto as três vias de responsabilidade por degradação ambiental passam a ter uma dimensão de extrema relevância, no cenário econômico, político e jurídico mundial por denotarem, também, uma questão de sobrevivência humana.
O dano ambiental pode manifestar-se individual ou coletivamente. A base da responsabilidade por dano ambiental no Brasil é objetiva, tendo, ao nosso ver, como teoria prevalente a do "risco-proveito", que é decorrente do princípio do "poluidor-pagador" - um dos axiomas fundamentais do Direito Ambiental internacional. A despeito dos esforços desenvolvidos ao longo dos anos pelos adeptos da teoria do "risco integral", que trouxeram indubitavelmente o reconhecimento e maior rigor quanto às atividades degradadoras do meio ambiente, entendemos que o fato desta doutrina não permitir fatores excludentes da responsabilidade, neste ponto, se afasta da possibilidade de uma responsabilização justa e eqüânime nas pertinentes vias de responsabilidade.
Isto não significa que se esteja propugnando por um relaxamento do rigor no que concerne à responsabilidade objetiva por dano ambiental mas sim, por uma responsabilização que observe de forma ponderada os fatores excludentes de responsabilidade.
Acreditamos que, para equacionar a problemática da degradação ambiental, devem ser levados em consideração diversos fatores, dentre eles destacamos os seguintes:
1) conscientização ecológica e ambientalista, desde os primeiros anos de vida do cidadão, ou seja, começar pela infância, através de uma instrução e formação educacional voltada aos valores ambientais, sua importância, prevenção e preservação;
2) desenvolvimento de políticas públicas mais engajadas e uma efetiva fiscalização pelos órgãos de controle das atividades depredadoras ambientais, através da melhoria de condições materiais, instrumentais e aperfeiçoamento dos recursos humanos destes órgãos da administração;
3) incentivo à participação da sociedade em todos os seus setores, tais como: técnico-científico, político, econômico, jurídico e social, em eventos que possam discutir e apresentar alternativas para solucionar os fatores que possam levar a depredação ambiental e suas decorrências, a exemplo da situação que atualmente vivenciamos - a crise energética, que está na pauta do dia, mas com a qual teremos que conviver, talvez, por tempo indeterminado; a próxima crise, possivelmente, será a da água, novamente por falta de gerenciamento da atividade político-administrativa;
4) participação das populações que sofreram problemas decorrentes da degradação ambiental, se pronunciando civicamente, junto aos seus governantes, parlamentares e administradores nos três níveis da federação no sentido que tais autoridades apresentem maior rigor nas exigências técnicas quanto a licenciamentos e controle fiscalizatório das atividades depredadoras;
5) cobrança de impostos e taxas em face de atividade depredadora dos recursos naturais;
6) exigência legal, como ocorre em outros países, de seguro obrigatório em função de atividades que potencialmente causem danos ao meio ambiente, com o estabelecimento de valores indenizatórios mínimos.
Finalmente, observa-se que a sociedade vem clamando uma postura cada vez mais ativa do Judiciário, não podendo este ficar distanciado dos debates sociais, devendo assumir seu papel de partícipe no processo evolutivo das nações. Eis que é também responsável pelo bem comum, notadamente em temas como a dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais, a defesa dos Direitos de cidadania e, ainda, o direito ao acesso e a efetividade da Justiça Ambiental.

Referências

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