O Juizado Especial Criminal e os Crimes Ambientais - Juíza Oriana Piske

por ACS — publicado 2010-12-01T23:00:00-03:00
Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto*

A responsabilidade penal surge com a ocorrência de uma conduta omissiva ou comissiva que, ao violar uma norma de direito penal, pratica crime ou contravenção penal. Os crimes constituem-se ofensas graves a bens e interesses jurídicos de grande valor, de que decorram danos ou perigos próximos, de onde as duas categorias de crime - de dano e de perigo -, a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, acumulada ou não com multa. (SILVA, 2000).
As contravenções penais referem-se a condutas a que a lei comina sanção de menor monta, prisão simples ou multa. A lei é que vai apresentar o que é contravenção e o que é crime. O sistema legal brasileiro, comina para o crime pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternada ou cumulativamente com a pena de multa; enquanto contravenção é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, a pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternada ou cumulativamente. (SILVA, 2000).
Os crimes contra o meio ambiente ou crimes ambientais, só existem na forma definida em lei. Lembra José Afonso da Silva (2000, p. 272) que "O Código Penal e outras leis definiam crimes ou contravenções penais contra o meio ambiente. Todas essas leis foram revogadas pela Lei no 9.605, de 12.2.1998, que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Essa lei separou os crimes segundo os objetos de tutela, assim: crimes contra a fauna (arts. 29-37), crimes contra a flora (arts. 38-53), poluição e outros crimes (arts. 54-61) e crimes contra a Administração Ambiental (arts. 66-69)".
O art. 225, § 3o, da Constituição Federal brasileira, leva à conclusão de que o constituinte desejou punir criminalmente, inclusive, a pessoa jurídica que vier a praticar crimes contra o meio ambiente. A Carta Constitucional Brasileira atribuiu responsabilidade à pessoa jurídica consoante art. 225, § 3o, em razão de dar relevância excepcional aos delitos ambientais. Desta forma, a Lei no 9.605, de 12.02.1998, no art. 3o, declarou as pessoas jurídicas passíveis de responsabilidade penal, em cumprimento ao comando da Lei Maior. (FREITAS, 2000).
O legislador tornou expressa a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, consoante se verifica no art. 3º da Lei no 9.605, de 12.02.1998. Vale destacar o seguinte precedente, no Brasil, no qual houve acordo, em primeira instância, apresentado por Vladimir Passos de Freitas (2000, p. 209): "Em 19.06.1998, a Promotora Ana Paula F. N. Cruz ofereceu denúncia ao Juízo de Direito da Comarca de Jacareí (SP), contra pessoa jurídica, atribuindo-lhe o crime previsto no art. 55 da Lei no 9.605, de 12.02.1998. Segundo a inicial acusatória, a empresa, através de prepostos, executou a extração de minerais na estrada da Fazenda Conceição, proximidades do Rio Paraíba do Sul, pelo método de abertura de cavas e dragagem, sem possuir a necessária licença de funcionamento emitida pela Cetesb, Órgão ambiental do Estado de São Paulo. O processo foi extinto com transação entre as partes (Lei no 9.099, de setembro de 1995, art. 76), comprometendo-se a pessoa jurídica a recuperar a área degradada, em três etapas, no prazo de 135 dias. Outras denúncias estão surgindo em todo o território brasileiro, dando efetividade ao dispositivo penal."
No que tange às infrações penais ambientais, verifica-se que várias dessas sujeitam-se à Lei no 9.099, de 26.09.1995 (com ampliação da competência pela Lei no 10.259/01), visto que muitas delas tem pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Desta forma, ou são passíveis de transação, ou admitem suspensão do processo (arts. 76 e 89). Observa-se que a Lei dos Juizados Especiais alterou por completo o sistema processual penal no Brasil. Estima-se que em torno de 70 % dos crimes previstos no Código Penal estejam agora regulados por ela. A própria distribuição da justiça modificou-se demais, uma vez que se resolvem as controvérsias e os litígios mais em termos de conciliação do que de repressão. (FREITAS, 2000).
Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a aplicação da Lei dos Juizados Especiais está prevista no art. 27, da Lei dos crimes ambientais (Lei no 9.605, de 12.02.1998). Nestes casos, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de Direitos ou multa, prevista no art. 76 (transação penal) da Lei no 9.099, de 26.09.95, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.
O art. 28 da Lei no 9.605, de 12.02.98, também prevê a suspensão do processo, de tais crimes ambientais, aos moldes do art. 89 da Lei no 9.099/95, sendo que a declaração de extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Portanto, se o infrator se compromete a fazer algo, a punibilidade será extinta depois de verificado que ele procedeu consoante havia se comprometido. Por exemplo, se ele se obriga a replantar uma área degradada, passado o tempo de suspensão do processo (art. 89) será verificado se ele honrou o compromisso. Em caso positivo, a punibilidade será extinta; em caso negativo, o processo prosseguirá, mas podendo haver prorrogação do prazo, se o caso. É importante que as condições para gozar dos referidos benefícios da lei especial só sejam concedidas se o infrator procurar reparar o mal. Portanto, se por exemplo, ele polui um rio, a suspensão do processo terá como condição alguma atividade relacionada diretamente com a ação reprovável (por exemplo, prestar serviços em um parque).
Leciona Vladimir Passos de Freitas (2000) que o estudo da posição dos tribunais não pode ser realizado apenas levando em apreço a Constituição Federal de 1988, posto que o dano ambiental já estava previsto na Lei no 6.938, de 31.08.1981, cujo art. 14, § 1º, expressamente atribuía a obrigação de indenizar ao poluidor. De outra face, a via para tornar efetiva essa proteção ao meio ambiente foi possibilitada pela Lei no 7.347, de 24.07.1985, que trata da ação civil pública. Logo, diplomas legais antecederam a Carta Constitucional no tratamento do tema. Entretanto, foram recepcionados pela nova Constituição. A Lei Maior, pela abrangência do art. 225, complementado por outros dispositivos atinentes ao meio ambiente, veio realçar a noção da necessidade do dever de indenizar.
Para Vladimir Passos de Freitas (2000, p. 190), o Superior Tribunal de Justiça enfrentou um dos aspectos mais importantes da matéria, qual seja o de atribuir responsabilidade solidária a pessoas diversas. Acrescenta, ainda, o mencionado autor que, em sede de meio ambiente, "os danos por vezes são causados por diferentes poluidores. Muitas vezes é difícil, quase impossível, delimitar a conduta de cada um. Nestes casos, desde que demonstrada a responsabilidade civil de um ou de mais poluidores (...) o credor - no caso a coletividade - tem o direito de exigir de um ou de alguns dos devedores a reparação pelo dano ambiental."
Vale destacar importante precedente, oriundo da Comarca de Cubatão, SP, onde a poluição decorrente de atividades industriais tornou-se extraordinariamente grave. Segundo Vladimir Passos de Freitas (2000, p. 190-191), "O Ministério Público do Estado e a União dos Defensores da Terra (Oikos) ajuizaram ação civil pública contra diversas pessoas jurídicas atribuindo-lhes ação poluidora. (...omissis). As rés invocaram ilegitimidade de parte, porque a inicial não especificava a conduta de cada uma isoladamente. A preliminar foi rejeitada e o processo saneado. Houve recurso ao Tribunal de Justiça do Estado, ao qual foi negado provimento pela Sétima Câmara Civil. Sobreveio Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, que recebeu decisão denegatória. O acórdão foi de grande importância, pois, de forma pioneira, reconheceu a possibilidade de adicionar diferentes pessoas acusadas de dano ambiental, mesmo sem saber a específica responsabilidade de cada uma." Para ressarcimento de eventuais danos causados pelo lançamento de poluentes na atmosfera e nos rios, não se decidindo ainda sobre o mérito do pedido, deve o processo ter seu curso normal. Se buscados outros exemplos, verificar-se-ia que, atualmente, os juízes e tribunais vêm se sensibilizando cada vez mais diante da degradação ambiental. Os referidos exemplos demonstram a atenção que o Poder Judiciário vem dando às questões referentes ao dano ambiental.

Referências

BENJAMIN, Antonio Herman V. Crimes contra o meio ambiente: uma visão geral. In: CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ministério Público e democracia. Fortaleza, 1998. Livro de teses, t. 2, p. 391.

FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998.

MILARÉ, Édis. Ação civil pública em defesa do meio ambiente. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85 - reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 237-238.

SAMPAIO, Francisco José Marques, Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente. 2. ed. rev. e atualizada com a Lei 9.605/98. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000.