Regularização fundiária e urbanística - Juiz Carlos Divino Rodrigues

por ACS — publicado 2011-08-15T00:00:00-03:00
A pós-modernidade não trouxe apenas a complexidade das relações interpessoais e o estado das incertezas. Trouxe também a velocidade e o aumento das demandas. E tudo isso somado recai nas atribuições do Estado, pondo à prova sua capacidade para atendê-las.

Se essa complexidade é a marca maior do nosso tempo, os mecanismos de que se vale o Estado para acudir às demandas sociais crescentes são incipientes, obsoletas, atrasadas ou esbarram noutras limitações, até mesmo orçamentárias. Não raro, as políticas e as instituições caminham sem eleger um rumo comum, tornando ainda mais distante a realização da felicidade humana naquilo que depende da presteza do Estado.

A regularização fundiária e urbanística do Distrito Federal é um desses desafios. É questão com raízes históricas, perpassada por complexidade jurídica iniciada com o modelo da formação do território distrital no final dos anos de 1950 e estende seus nefastos efeitos até hoje, como o episódio que ficou conhecido como "A grilagem de terras no DF".

Com efeito, ao falar em "regularização" é necessário ter em conta que ela se refere a um conjunto de atitudes que levem as situações de fato hoje existentes a uma situação de direito, isso somado a um ideal de realização do bem comum. A regularização da qual se fala não é algo que se manifesta em ato único, mas em etapas sucessivas e em compartimentos públicos que se complementam. Exige, antes de tudo, que a descrição registral dos imóveis obedeça fielmente às diretrizes formais e materiais determinadas pela Lei nº 6.015/73, o que assim se pode ter por regularidade registral. Passa em seguida pelo acertamento fundiário propriamente, quando então estarão dissipadas incertezas a respeito da localização dos imóveis, de suas linhas poligonais e confrontações, da área e do cadastramento de dados em bases geoposicionadas por satélites, além da eliminação de incertezas a respeito do efetivo titular do direito de propriedade imobiliária. Está-se a falar, aqui, da regularização fundiária propriamente.

Então, alcançada a regularidade registral e urbanística, transfere-se aos técnicos em urbanismo essa base jurídica acertada e segura para que, depositando-a sobre suas pranchas de trabalho, venham a desenhar os projetos urbanísticos adequados para cada localidade, podendo então valorizar as premissas e diretrizes voltadas a assegurar a funcionalidade e a sustentabilidade da cidade, especialmente com respeito à preservação dos valores ambientais enquanto direito comum do povo, bem ainda o senso estético.

Somente assim, elaboradas as plantas de parcelamento regular, visando ao melhor aproveitamento ou conservação dos espaços, com a subsequente aprovação pela autoridade urbanística competente, tais projetos terão ingresso no Registro de Imóveis, nascendo então matrículas como base de registro para cada unidade imobiliária, resultante das concepções dos nossos melhores arquitetos e urbanistas. Fala-se, assim, da regularização urbanística.

No passo seguinte, o titular do direito real de propriedade desses terrenos que se criaram por fracionamento regular outorgará título ao beneficiário final, segundo os fins das políticas públicas ou de acordo com o interesse privado, respectivamente falando de terrenos públicos ou particulares que surgiram com o empreendimento finalmente regularizado.

Contudo, as ferramentas processuais legadas pelo Código de Processo Civil de 1973 muito deixam a desejar, quando são necessárias soluções formais mais amplas para a composição de conflitos de interesses mais complexos.

A instalação da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, notadamente em razão de sua competência especializada e a centralização das questões a ela inerentes, atua como um fórum novo, palco no qual a tradicional composição dos conflitos por meio contencioso pode ceder lugar à mediação judicial, com viés também para a mediação administrativa. Têm-se, assim, alternativa para esses conflitos de grande dimensão e complexidade, que em geral não teriam possibilidade de solução ideal nos estreitos limites formais e materiais de uma sentença.

O Poder Judiciário pode se oferecer como mediador desses conflitos nascidos das incertezas registrais e fundiárias e, resolvendo-os, viabilizar as subsequentes soluções urbanísticas e ambientais. Mas a mediação somente traz resultados se as partes a ela aderirem.