Efetividade - Princípio angular dos Juizados Especiais - Juíza Oriana Piske

por ACS — publicado 2012-08-09T13:57:00-03:00

 

As diretrizes constantes do artigo 2o da Lei 9.099/95 são lentes pelas quais os operadores do direito devem observar todas as disposições desse microssistema jurídico – os juizados especiais. É fundamental notar o alcance dos princípios da efetividade, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade em face dos objetivos traçados pela Lei dos Juizados Especiais. A efetividade do processo apresenta-se como terminologia usada para dar a noção de que o processo deve ser instrumento apto para resolver o litígio[1].

Não é segredo que o tempo é grande inimigo daquele que busca a reparação ou a proteção de seu direito. Diante de tanta burocracia geradora de dilações temporais, o jurisdicionado requer efetividade e rapidez processual. Uma justiça demorada é causa, também, do difícil acesso do cidadão à prestação jurisdicional. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais diz isso expressamente no § 1o do artigo 6o “(...) a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível”[2].

Rui Barbosadiscursando para seus afilhados, os bacharelandos de 1920 da Faculdade de São Paulo, lhes advertia: 

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.[3]

A tempestividade compreendida como sendo a utilidade da prestação jurisdicional para aquele que quis ver o seu direito salvaguardado, preocupa os estudiosos de todo o mundo, os quais buscam instrumentos novos para o combate da lentidão judiciária. As mudanças estão tomando corpo e tentando reestruturar o sistema processual brasileiro. Nesse passo, a Lei 9.099/95 representa instrumento de efetividade na solução das demandas. É fundamental abrir o Poder Judiciário ao cidadão. A justiça deve deixar de ser elitista, hermética e excessivamente técnica. Todos devem ter a proteção do juiz, guardião dos direitos fundamentais e dos direitos sociais do cidadão.

A Lei dos Juizados Especiais tem como princípio maior o da efetividade da justiça, mediante o acesso facilitado ao Judiciário. A efetividade apresenta-se como um princípio implícito, decorrente dos demais destacados no artigo 2o da Lei 9.099/95 (oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade), a ser perseguido por todos os operadores do direito visando à maior eficiência e à concreção dos direitos de cidadania.

O princípio da efetividade permeia a Lei dos Juizados Especiais como uma diretriz que, em conjunto com os demais princípios, norteia a interpretação da norma a ser balizada frente ao caso concreto. Trata-se de preceito jurídico. Segundo Geraldo Ataliba, “mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionada pelos princípios. Estes se harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecida, de modo a assegurar plena coerência interna ao sistema (a demonstração cabal disso está em J. M. Teran, Filosofia del Derecho, p. 146)”[4].

Vale lembrar o conceito de Luis Roberto Barroso, no sentido de que “a efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”[5]. Instrumentaliza-se a efetividade do processo, principalmente pela sua celeridade, uma vez que para o provimento judicial ser efetivo não basta reconhecer na pretensão a existência do direito material lesado, determinando a recomposição das coisas ao seu status quo ante, conferindo à parte a mesma satisfação que teria pelo cumprimento voluntário, não fosse o descumprimento pelo devedor. É o que ocorre, por exemplo, nos casos onde litiga o consumidor em face do fornecedor, por defeito no produto adquirido.

A morosidade na tramitação do feito pode acarretar a impossibilidade de ser a lide composta com a entrega ao consumidor de bem idêntico ao que adquiriu, sem os vícios de funcionamento, resolvendo-se a obrigação em perdas e danos, o que não importa necessariamente em ter o consumidor a mesma vantagem que lhe adviria pelo uso do objeto que tanto se lhe fazia necessário. Mencionada na Lei no 9.099/95 como princípio, a celeridade processual constitui instrumento do princípio da efetividade, sendo este o maior norteador desta nova Justiça do terceiro milênio.

Oriana Piske
Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Pós-graduação em: Teoria da Constituição; Direito do Trabalho; e Direito Civil pelo CESAP - UniCEUB.
Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA).

Referências 

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. 

BARBOSA, Rui. Rui Barbosa: escritos e discursos seletivos. 1. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. 

BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade das suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990. 

CAPPELLETTI, Mauro [et al.]. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. Título original: Acess to Justice: the worldwide movement to make rights effective: a general report. 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual: 3a Série. São Paulo: Saraiva, 1984. 


* Juíza de Direito (TJDFT). Mestre em Direito (UFPE). Pós-graduação em: Teoria da Constituição; Direito do Trabalho; e Direito Civil (CESAP/UniCEUB). Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA- AR).

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual: 3a Série. São Paulo: Saraiva, 1984.

[2] CAPPELLETTI, Mauro [et al.]. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. Título original: Acess to Justice: the worldwide movement to make rights effective: a general report.

[3] BARBOSA, Rui. Rui Barbosa: escritos e discursos seletivos. 1a. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 675.

[4] ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 6.

[5] BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade das suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 77.