O novo CPC e as normas fundamentais - Juiz Jansen Fialho de Almeida
Artigo publicado na edição do dia 6/4/2015 do jornal Correio Braziliense, caderno Direito & Justiça
Jansen Fialho de Almeida*
Com a sanção do projeto de lei pelo Executivo, de autoria do Legislativo, vigorará em um ano o novo Código de Processo Civil, fruto do trabalho de uma Comissão de 12 juristas, nomeada pelo Congresso Nacional para elaborar o anteprojeto, da qual fui membro, presidida pelo Min. Fux do STF. Uma das questões impostas pelo novo CPC é o direito das partes em obter em prazo razoável a solução da lide, incluída a atividade satisfativa (o cumprimento/execução do julgado, do título), ou seja, o recebimento da quantia, a entrega da coisa, a obrigação de fazer etc (art. 4º). Celeuma levantada pelos operadores do direito diz respeito à necessidade de fundamentação “detalhada” de todas as decisões judiciais. Quis-se com isso evitar que o juiz não observasse questões relevantes para o julgamento da lide que intervenha no seu resultado útil, até porque faltaria racionalidade, com manifesta inconstitucionalidade se tivesse de responder a um questionário ao alvedrio do postulante em coisas desafetas ao processo, como por exemplo, “a influência do latido do cachorro do vizinho que reside a 10 km do local de acidente de trânsito”, numa ação de dano moral. De mais a mais, com milhares de processos sob a sua responsabilidade, deve o Juiz proferir sentença objetiva e não um tratado minucioso sobre o assunto a ser julgado, o que retardaria a prestação jurisdicional. Para isso caberá ao julgador destacar na decisão que ficam prejudicadas as demais questões levantadas pelas partes, pois não alteram ou modificam o julgamento. Agora explicar o porquê e para que é, se me apresenta absolutamente teratológico, pena de todo processo se tornar uma consultoria infindável, com prejuízo à celeridade, mote do NCPC. E lembre-se que as normas e principalmente direitos fundamentais se aplicam também aos juízes e não só às partes, vigorando sua independência, pilar do Poder Judiciário, jamais um “cabresto”, em evidente desvio de finalidade da lei (art. 1º do CPC e 2º da CF). E não foi essa a intenção do legislador, tenho certeza, até porque eu mesmo estava lá fazendo o anteprojeto com os demais colegas. E cabe ao próprio judiciário interpretar e aplicar a lei, dando a última palavra, nos ensinamentos de Rui Barbosa: “mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade”. Doutrina e jurisprudência emoldarão esse aparente conflito, estabelecendo o equilíbrio. Na mesma linha, ouvir as partes previamente inclusive em matérias que deve apreciar de ofício, obviamente não se aplica em casos de extrema desnecessidade, tais como ausência de preparo, incompetência absoluta, falta de peça necessária a recurso, nulidade de citação etc. São mecanismos de equilíbrio e bom senso entre os princípios do contraditório e da razoável duração do processo, como previsto no direito comparado, tal qual o Código de Processo Civil Português (art. 3º, nº 3, “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”). Nessa linha moderna de pensamento, o legislador pátrio concedeu novos deveres aos juízes ao prescrever logo em seu início, nas Normas Fundamentais, que ao aplicar a lei, atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (art. 8º). Em verdade inseriu o legislador o que já prevê o art. 5º da LINDB (fins sociais e às exigências do bem comum), também um princípio fundamental da CF, no art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), e princípios da administração pública (proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência). A inovação real é que a partir daí determinou ao magistrado o poder/dever de aplicar mesmo nas relações de direito privado, uma gama de normas e princípios, neles inseridos os de natureza de direito administrativo ao caso concreto, no interesse da efetiva prestação jurisdicional com verdadeira e necessária distribuição de Justiça. Imagine-se, por exemplo, a gama de situações em que o julgador poderá aplicar o princípio da dignidade da pessoa humana e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para resolver uma controvérsia, hoje fundamentado na Constituição Federal e no Código de Processo Civil, por força legal expressa.
Talvez essa seja a grande e moderna inovação do CPC ao ampliar os deveres do Juiz sem que se cogite em ativismo judicial. Foi a vontade e deliberação do legislador autêntico no coro dos anseios sociais.
*Juiz de Direito do TJDFT, titular da 3ª Vara da Fazenda Pública do DF e membro da Comissão de juristas que elaborou o novo CPC