Paz em casa - Juíza Theresa Karina de Figueiredo Gaudêncio Barbosa

por ACS — publicado 2015-02-26T16:45:00-03:00

Artigo publicado na edição do dia 26/2/2015 do jornal Correio Braziliense, caderno Opinião, página 13.

Theresa Karina de Figueiredo Gaudêncio Barbosa*

Os juízes que se deparam com o tema dos conflitos familiares e da violência doméstica assistem a situações de violência extrema, marcadas pelo abuso das relações de afeto e parentesco, pela deslealdade nas relações íntimas de afeto e confiança. A violência doméstica exclui e segrega os integrantes da família, pois as vítimas são muitas vezes consideradas responsáveis pelas agressões que sofrem. É a mulher agredida quem “gosta de apanhar”, é a criança espancada quem “provoca” os pais. Obviamente os membros da família ficam apavorados diante da possibilidade da agressão e da exclusão e temem pela própria vida quando dependem da família para sobreviver emocional ou materialmente. Assim, todos são atingidos pela agressão a um deles dirigida.
Importa destacar que a violência intrafamiliar pode se dar tanto de forma omissiva, pela ausência de cuidados necessários ao desenvolvimento do indivíduo, alimentação regular, abrigo, quanto comissiva, pela prática de atos que violam a liberdade e a integridade física e psíquica da vítima, agressões físicas ou verbais. Esses atos são capazes de gerar sentimento de insegurança por parte dos membros da família.
No âmbito doméstico, as agressões decorrem da vontade de dominar e subjugar o mais fraco, da luta por poder dentro de casa. A maior parte dos ataques tem motivos banais como o espancamento de mulheres que se recusam a preparar o almoço ou a esquentar a comida dos companheiros, ou, no caso das crianças, o choro excessivo.
O processo judicial restaura a verdade dos fatos. Nele, o agressor é sentado no banco dos réus e assim é tratado. A vítima tem o direito de expor a dor, o sofrimento e exigir a reparação devida. Muitas vezes não se persegue o encarceramento do agressor, mas apenas a responsabilização pelos atos, de natureza cível ou criminal.
O juiz observa as partes com os olhos da lei, da equidade, da Justiça. A Justiça analisa tais casos dia após dia, noite após noite, e os diversos agentes envolvidos no amparo e proteção às vítimas desenvolvem sensibilidade especial para o tema. E, movidos pela empatia com os mais fracos nas relações sociais e familiares, buscam ajudar a restabelecer a linguagem de respeito entre os membros da comunidade familiar, propiciando o resgate dos sentimentos que a mantêm coesa e saudável.
O Poder Judiciário dedica a segunda semana de março deste ano ao tema Justiça pela Paz em Casa com o objetivo de incentivar ações de amparo à família e de prevenção de crimes no âmbito doméstico. Para tanto, serão promovidos debates, seminários e ações contra a desigualdade de gênero em todos os Tribunais de Justiça do país. A campanha pretende mobilizar a Justiça com o julgamento em mutirão de número expressivo de casos de violência contra mulheres, resposta do Estado aos índices ainda alarmantes de agressões no âmbito familiar.
Nesta semana dedicada à paz em casa, importa destacar que paz é palavra de sentidos múltiplos. O termo hebraico shalon deriva de radical que pode se referir ao estar intacto, completo, inteiro, ou ao ato de restaurar, apaziguar uma situação de conflito. Nesse sentido, a coerção do Estado Juiz precisa ser exercida na medida exata, para que as posições de cada membro da família sejam restauradas, para que haja condições de restabelecimento do núcleo familiar.
A tarefa tem sido confiada não só aos juízes que atuam em solução de conflitos de família e de violência doméstica, mas também aos advogados, promotores de justiça, psicólogos e assistentes sociais que trabalham em conjunto. A tarefa é das mais árduas, pois, ao longo da trajetória das famílias, muito foi perdido. É preciso resgatar as origens dos vínculos, lembrar aos envolvidos do amor que houve um dia e da fé que os motivou a constituir a família.
Esse objetivo move o trabalho de cada um dos agentes da Justiça, que buscam servir à restauração das famílias em conflito, para que nelas cada indivíduo reencontre seu valor e seu lugar. A partir do pertencimento ao núcleo, o indivíduo se apresenta à sociedade, e os vínculos constituídos a partir de então espelham a dignidade e a esperança trazidas de dentro de casa, da paz da própria casa.

 

*Juíza do Segundo Juizado Especial Cível, Criminal e de Violência Doméstica da Mulher do Paranoá