A mensagem e o mensageiro - Juiz Fernando Barbagalo

por ACS — publicado 2016-01-18T11:27:00-03:00

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, em 16/1/2016

É utopia pensar numa sociedade sem crimes. Mesmo em países mais desenvolvidos (sócio e economicamente) ocorrem delitos de toda a ordem. Igualmente utópico (ou inocente) é o pensamento majoritário no Brasil de que a punição penal pode diminuir e quiçá acabar com a criminalidade sempre crescente. Esse é um pensamento que está enraizado no inconsciente coletivo (bombardeado com notícias diárias sobre crimes violentos) e que atinge também, com frequência, os operadores do direito, os quais, sob o fundamento vago "proteção da sociedade", entendem que se está autorizado a prender (punir) as pessoas antes mesmo que sejam julgadas, negando direitos fundamentais dispostos na Constituição e na legislação vigente.

Ilustra exemplarmente esse pensamento, vídeo panfletário postado por um delegado de polícia do Distrito Federal em que, a pretexto de - alegações suas - "prestar um serviço de utilidade pública", tece críticas a uma decisão judicial que concedeu liberdade provisória a pessoas detidas por suposto crime de tráfico de drogas.

No vídeo em questão, foram convenientemente pinçados trechos da decisão judicial, não sendo lida em sua integralidade. Inicialmente, dá-se a entender que o delegado participou das investigações que culminaram com a prisão em flagrante do casal, fato desmentido posteriormente em sua página de relacionamentos na internet.

O delegado inicia seu desabafo "informativo" relatando caso de tráfico em que um casal foi preso (a autoridade desde já os trata por "casal de traficantes de drogas") com filmagens, depoimento de usuários "tudo dentro das exigências da lei e da Constituição", mas, no dia seguinte, foram colocados em liberdade pelo Judiciário .

Ele continua seu relato, informando que o juiz entendeu ser o flagrante regular. Ora, sabe-se que a regularidade do flagrante não impede a concessão da liberdade provisória, aliás, é pressuposto para análise e eventual concessão desta, pois, do contrário (se o flagrante fosse irregular), dar-se-ia o relaxamento da prisão ilegal (fato enfatizado pelo juiz na decisão, a propósito).

A autoridade policial chega ao cúmulo de afirmar que a liberdade provisória foi concedida "sem fiança", quando se sabe, ou se deveria saber (e informar aos incautos, leigos em direito) que a Constituição, no art. 5º, XLIII, consagra a inafiançabilidade do crime de tráfico (o que não impede a concessão de liberdade provisória, segundo entendimento do  STF ).

No entanto, não foi informado no vídeo que a prisão foi substituída por quatro medidas cautelares pessoais, tais como: comparecimento mensal e pessoal em juízo, proibição dos presos se ausentarem do Distrito Federal e de alterarem seus endereços sem prévia autorização judicial, além de recolhimento noturno da 0h às 5h, tudo em conformidade com os arts. 285, § 2º e 319, do CPP.

Omitiu-se também a quantidade de droga apreendida, que foi de 0,2 grama de crack. Foi omitido, outrossim, que a posição adotada pelo magistrado em questão encontra amparo nos tribunais superiores, podendo ser citados diversos precedentes com o mesmo posicionamento adotado por diversos tribunais brasileiros, incluindo, o STF2 e o STJ3.

Por fim, omitiu-se que todos os presos devem ser julgados e condenados antes de serem punidos. Sim, parece démodé, mas é exigência constitucional (art. 5º, LIV) e também, para desalento de muitos, são considerados inocentes antes de serem julgados (art. 5º, LVII) e sequer poderiam ser chamados, como o foram, de traficantes.

Há de se ter a compreensão de que não foi o juiz quem elaborou a Constituição nem as leis vigentes em nosso país, mas que se comprometeu a cumprir a Constituição a aplicar as leis, por isso, acredito que o delegado, algo comum nesses tempos, errou o alvo de sua crítica, mirou a mensagem, mas atingiu, injusta e inadvertidamente, o mensageiro.