Ilegalidade da Audiência de Custódia para Adolescentes - Juiz Márcio da Silva Alexandre

por ACS — publicado 2016-04-25T11:50:00-03:00

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em Direito e Justiça e no site do TJDFT, página da Imprensa - Artigos, no dia 25/4/16

Márcio da Silva Alexandre*

A Resolução 213/2015, oriunda do egrégio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), regulamentou e estabeleceu procedimento para a realização da audiência de custódia no território nacional. Embora não se tenha falado quase nada a respeito, alguns estados da federação já estão implementando o procedimento também para adolescentes apreendidos em flagrantes sob a acusação de envolvimento em ato infracional, o que se afigura ilegal, pelas razões a seguir expostas.

Inicialmente, convém observar que a audiência de custódia foi motivada por fatores bem específicos e distintos que se interrelacionam, quais sejam: 1) coibir abusos no momento da prisão; 2) demora exagerada na tramitação do processo de réu preso; e 3) combater a superlotação do sistema carcerário. Será que esse quadro ocorre também na delinquência juvenil?

Antes de perscrutar sobre a validade das causas da audiência de custódia dos imputáveis em sede infracional, vale destacar que a resolução traz apenas um único termo que pode estar ligado à temática da delinquência juvenil – apreensão – trazido no final do artigo 1º, repetido, salvo engano, uma única vez em todo texto, no inciso V do art. 8º. Interpretando-se de forma literal e sistematicamente, não há razão para se admitir que o documento institua a audiência de custódia para adolescentes.

Como se pode observar, o termo apreensão, nos dois momentos em que aparece na resolução, está referindo-se a um único indivíduo: “preso em flagrante”. Não há outra pessoa mencionada no artigo. E adolescente que é apreendido em flagrante jamais pode ser confundido com o preso em flagrante.

Lendo atentamente toda a resolução, desde seus “considerandos”, nenhuma linha sequer trata de adolescente acusado da prática de ato infracional. Todo o texto foi produzido sobre um único sujeito: o preso em flagrante! Só se mencionam aspectos que inexoravelmente estão ligados a imputável. Não se descreve nenhum elemento que esteja relacionado ao adolescente.

E o CNJ não fez alusão a situações relacionadas ao adolescente apreendido em flagrante porque é ciente de que o procedimento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado já sob a égide da CF/88, garante todos os direitos fundamentais ao jovem apreendido.

Em formato diverso do que ocorre com o imputável, após a apreensão do adolescente em flagrante, a autoridade policial pode liberá-lo ao responsável legal, se o crime não for grave. Sendo, deve apresentá-lo, no mesmo dia, ao MP, para o procedimento de realização da oitiva informal (arts. 173 a 175 do ECA. Vale ressaltar que o MP é o responsável pela fiscalização da atividade policial e detentor de poder de investigar as agressões supostamente praticadas contra os adolescentes – art. 129, VII e VIII, da CF/88, c/c art. 201, VII, do ECA.

Após a entrevista informal, o adolescente pode ter sua situação resolvida independentemente de processo judicial, mediante a concessão de remissão extrajudicial (art. 180, II, c/c art. 126, caput, ambos do ECA), instituto de competência exclusiva do MP (art. 201, I, ECA). Não se pode olvidar, ainda, que o promotor é também órgão do estado que legalmente tem o dever zelar pela proteção do adolescente, consoante previsão expressa nos incisos V e VII do art. 201, ECA. Ademais, em razão dessa atribuição excepcional, o MP aqui tem poder de fazer às vezes do Juiz, conformando, assim, o ECA com artigo 7º, inciso 5, do Pacto de São José da Costa Rica e com o art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.

Continuando: ainda que se entenda não cabível a remissão, se o Promotor desejar manter o adolescente internado – o que não se confunde com prisão – requer ao Juiz que seja decretada sua internação provisória (art. 174, ECA). No mesmo dia, sai a decisão judicial (art. 184, ECA). Sendo internado, o processo deve ser julgado no prazo improrrogável de 45 dias (art. 183, ECA). Nesse período, são feitas audiências de apresentação (interrogatório) e de instrução. No âmbito do DF, a audiência de apresentação pode ocorrer em até 3 dias, a depender da rapidez da intimação do responsável do adolescente.

À toda evidência, em face dessas colocações, tenho que, em relação ao adolescente, não existem as preocupações que motivaram a regulamentação da audiência de custódia no âmbito processual penal. A situação flagrancial do adolescente é bastante diferente. Passa ele pelo crivo da autoridade policial, do promotor de Justiça e do Juiz, no dia de sua apreensão. Há assim um controle triplo sobre ela.

Por fim, vale ressaltar que, ultrapassado prazo improrrogável, sem julgamento, o adolescente deve ser liberado da internação provisória de ofício pelo Juiz imediatamente, sob pena de vir a responder por crime previsto no art. 234 do ECA.

Diante desse quadro, certo é que os objetivos visados pela Resolução 213/CNJ já são alcançados pela observância do procedimento previsto no ECA, pelo quê não se vê vantagem em se adotá-la no âmbito do Direito Menorista. Além disso, a citada Resolução afronta os dispositivos que regulam a oitiva informal e a concessão remissão extrajudicial, razão por que é ilegal no tema.

 

*Juiz titular da Vara Regional de Ato Infracionais do DF