Novos deveres do juiz no Julgamento dos Recursos - Juiz Jansen Fialho de Almeida

por ACS — publicado 2017-02-06T10:15:00-03:00

Artigo publicado na edição do dia 6/2/2017 do jornal Correio Braziliense - Direito & Justiça e no site do TJDFT, página Imprensa - Artigos

Jansen Fialho de Almeida*


O presente texto busca trazer ao leitor algumas alterações pontuais no conhecimento e julgamento dos recursos em virtude da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
De início, cabe ao relator, antes de considerar inadmissível o recurso, propiciar que seja sanado o vício ou complementada a documentação (parágrafo único do art. 932). Neste particular, o legislador acolheu os anseios de milhares de advogados em prol dos jurisdicionados, isso porque muitos recursos não eram conhecidos e julgados no mérito por ausência de uma cópia de procuração ou um “carimbo”, certidão etc.

De igual modo, a não comprovação do preparo ou sua insuficiência agora podem ser supridas (art. 1.007). Porém, o col. Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez ressalva na aplicabilidade destes dispositivos, interpretando em conjunto com o art. 1.029, §3º, decidindo que nos recursos de sua competência somente será concedido prazo para que a parte sane vício estritamente formal (enunciado administrativo nº 6).

Outra mudança extremamente importante foi o dever de o tribunal, ao examinar a apelação, julgar desde logo o processo quando der provimento nos casos do art. 485 (em que o juiz sentencia sem resolver o mérito), ou decretar a nulidade da sentença com fundamento no princípio da congruência (seja quanto aos limites do pedido ou causa de pedir), ainda, omissão no julgado (citra petita); decretar a nulidade por falta de fundamentação, bem como, ao reformar a decisão que reconheça a prescrição ou a decadência, se possível, analisará o mérito (art. 1.013).

Em resumo, e isto precisa ficar cristalino na mente dos operadores do direito, principalmente nos tribunais de apelação, que ao se cassar uma sentença, seja de resolução do mérito ou não, deverá proferir-se outra, e jamais devolver ao juízo “a quo” para que se faça novo julgamento. Nisso as assessorias de segunda instância e escolas dos Tribunais devem criar cursos para que se rememore a prolação técnica na elaboração de sentenças monocráticas.

No cerne, perdiam-se anos com esse procedimento dos tribunais, não obstante o retorno à instância de primeiro grau para rejulgar o processo, na verdade estava punindo a parte, ora jurisdicionado, com a morosidade e burocracia na prestação da Justiça. O princípio da razoável duração do processo, com decisão de mérito justa e efetiva, agora está sendo rigorosamente obedecido (art. 4º do CPC e art. 5º, LXXVIII da CF).

Noutro giro, o agravo de instrumento sofreu modificação substancial. Antes se podia agravar de quase tudo no processo, retardando a atividade satisfativa da tutela jurisdicional. Na nova concepção as hipóteses de cabimento de AGI das decisões interlocutórias são “numerus clausus”, previstas no art. 1.015. Neste aspecto devem os tribunais se ater a nova regra e dar a interpretação literal, conforme a vontade do legislador originário, inadmitindo-se a abertura de exceções não elencadas no Código.

Tanto é verossímil que o próprio dispositivo acima citado, além dos casos indicados nos incisos I a XII só prevê no inciso XIII o seu cabimento em “outros casos previstos em lei”, tal como, por exemplo, leis especiais do mandado de segurança, ação civil pública, ação popular. Excepciona dessa forma também contra decisões interlocutórias proferidas em fase de liquidação de sentença, cumprimento de sentença, processo de execução e de inventário (parágrafo único do art. 1.015).

As decisões que deferem ou indeferem prova oral ou pericial, salvo se requeridas no bojo daquelas constantes no permissivo legal, não são mais agraváveis, sequer na via da impugnação pelo agravo retido (excluído do NCPC). Contudo, não se opera a preclusão, devendo ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta (art. 1.009 e §1º).

Ponto a ser observado diz respeito a saber qual recurso caberia da decisão interlocutória em que o juiz declina da competência para processar e julgar o processo, por entender absoluta (§1º do art. 64), especialmente quando recebe a petição inicial. A decisão não é agravável, como anteriormente demonstrado, por falta de prescrição legal. Aguardar posteriormente para que se decida qual o juízo competente em preliminar de apelação não se coaduna com a celeridade processual adotada pelo legislador.

Em realidade, não cabe realmente recurso algum, e isso se justifica dado que a jurisdição é una e a parte não escolhe o juízo que melhor lhe agrada, todavia lhe é destinado o denominado “juiz natural”, segundo disposição constitucional e outras normas legais (art. 44).

Cuidando-se de decisão que não exclui da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV da CF e art. 3º do CPC), apenas tem o condão dilatório da prestação jurisdicional, pois o juízo em tese incompetente remete os autos ao juízo competente para julgar a ação, sendo inadmissível o recurso de agravo de instrumento.

Na linha, se o juízo declinado não concordar com a decisão, poderá suscitar conflito negativo de competência (art. 66, II, e parágrafo único), assim como o poderá qualquer das partes e o Ministério Público, competindo ao órgão do respectivo tribunal julgar o conflito (art. 951).

Obviamente, se a decisão for manifestamente teratológica que cause dano irreparável, caberá ao prejudicado impetrar mandado de segurança contra o ato ilegal e abusivo, mas sempre excepcionalmente.

É de se destacar, por importante, que o novo CPC deu validade e eficácia às decisões proferidas por juízo absolutamente incompetente, conservando-as, até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente (§4º do art. 64). Dessa maneira, se pode em casos isolados e peculiares, mesmo o juízo que se declare absolutamente incompetente, com esteio no poder geral de cautela, deferir a tutela para sufragar dano iminente ou irreparável, para futura ratificação ou modificação pelo competente. O mesmo procedimento poderá fazer o juízo suscitado, caso entenda similarmente não ser o competente para dirimir a controvérsia.

Mantendo o foco no princípio da celeridade recursal, não existe mais preceito legal para que o relator do recurso de agravo de instrumento requisite informações ao juiz da causa. Esse cenário foi extirpado do código (art. 1.019). O prazo era de 10 (dez) dias, e protelava o julgamento sem qualquer necessidade. Hoje o juiz deverá prestar as informações se reconsiderar a sua decisão, ou de alguma forma a reformar ou vislumbrar importante fato novo para conhecimento do Tribunal, e ainda se proferir sentença antes do julgamento do recurso. Poderá o relator em situações pontuais requisitar informações, caso entenda necessário, especificando-as.

Enfim, essas modificações legislativas, com o tempo, demonstrarão a amplitude da revolução do processo civil, dentro de uma dinâmica e coerência de postulados jurídicos adotados.

 

*Juiz de Direito do TJDFT, titular da 3ª Vara da Fazenda Pública do DF e membro da Comissão de juristas que elaborou o novo CPC