Para o amigo corvo
Para o amigo corvo
Meu amigo Romano Corvo
Onde estará?
Sozinho no escuro,
Como jaguatirica,
Num galho de oiticica,
Escutando o coaxar
Dos sapos, ou da coruja
Seu aziago piar?
Estará espiando o mar,
Água salgada e suja?
O Corvo andará
Na ribanceira do riacho,
Para cima e para baixo,
Vendo a enchente passar?
Estará no meio do povo,
Nos mangues do Potengi,
Ou na foz do Aracati,
Pilotando jangada
Ou num barco pesqueiro,
Como qualquer aventureiro,
Sem fazer nada?
Ou no meio dos pescadores,
Na orla, na taberna da praça,
Cozendo peixe e distribuindo graça?
Ah! Por aí ele estará...
Sob argentino luar,
O Corvo costuma ficar
Avaliando filhotes
De Tartaruga,
Que, em grande lote,
Sem quepe e sem ruga,
Fogem da ignara aldeia,
Correndo n’areia,
No rumo do mar.
É instinto de sobrevivência.
E, para o Corvo, experiência
Ímpar a somar.
Sem lua cheia,
Noite soturna, chuvarada
Fria e espaçada,
À meia-noite e meia,
Galos a cantar,
Ou o som intermitente
Do maracá da serpente,
- Nada o perturbará -
Coisa alguma o afeta.
Na hora certa,
Escreve poemas,
Sem tinta, sem pena,
E sem pergaminho.
O dedo é que risca,
Ilumina, trisca
E abre caminho
Sobre a largueza suprema
Da areia branca da praia,
Alvaçã cambraia.
Solfejando, faz versos
Que sequer são decifrados,
Contudo, beijados,
Consumidos pelo universo,
E, lascivamente, lambidos pelo mar.
Mas, onde o Corvo estará?
No átrio brilhoso da catedral
Distribuindo esmola,
Ou fazendo marola,
Antes de pronunciar
Homilia inebriante e formosa,
Como um lídimo Januário,
No majestoso e nobre cenário...
Não, isso ele não fará!
Ali, o Corvo não assomará.
Logo no dia da mais importante
Das quatro festas!
Não! A tanto o Corvo não se presta.
O Corvo fez opção,
Não pelos santuários,
Pelos altares e púlpitos lendários,
Mas, pelos mais pobres,
Famintos e sedentos,
Pelos solitários,
Pelos mais truculentos,
Pelos uivantes ventos,
Pelos desassisados
E ultrapassados
De outros tempos.
No conforto da catedral
Ou do convento,
O Corvo não ficará.
Se estiver nas serras,
Saberá colher mangaba,
Manga, sapoti, goiaba,
Cajarana e catolé;
E até chegará pela chaminé,
Trazendo a promissão,
Tão alardeada,
De um bondoso Noel.
À la carte ou a granel,
No mar ou nas serras,
Nos confins da Terra,
Nas glórias dos Céus,
Sob virginal véu,
Nas ilusões malditas e fatais
Ou nas fossas abissais
Do oceano,
Corvo, o Romano,
Sempre foi e sempre será
Essencialmente anárquico.
Ele é o nosso oposto,
Que de janeiro a julho,
No silêncio ou no barulho,
Ou de dezembro a agosto,
Somos dogmáticos.
O Corvo é singelo.
Nós angariamos anelos
E somos emblemáticos.
Romano Corvo é solução,
É vida, alegria e canção;
Não busca prebenda,
Não almeja fazenda,
Pataca, vintena ou dobrão.
Nós somos estáticos.
O corvo é dinâmico,
A quintessência rabínica,
Sem tope e sem mímica,
Como o princípio quântico;
Nós, lerdos e problemáticos.
Eu gostaria de nascer de novo
E viver como o Corvo,
Alheio, excêntrico, apático,
Contudo, jamais verna!
Ele proveio livre da caverna
E ama a liberdade.
Seus limites: a fraternidade.
É o que sempre quis:
Autêntico, coerente e feliz,
Embora pareça lunático.
Desembargador Romão C. Oliveira
Presidente do TJDFT