Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Processo, gestão judicial e efetividade: por um novo campo de estudo

Juiz do TJDFT Fabrício Castagna Lunardi

por Juiz Fabrício Castagna Lunardi — publicado 24/05/2019

Nos últimos anos, tem havido uma série de reformas processuais, com o objetivo declarado de dar maior celeridade e efetividade ao sistema de justiça brasileiro. A mudança do paradigma normativo mais recente foi o Código de Processo Civil de 2015. Contudo, o que se vê, na prática, é o aumento da burocracia processual, com a ampliação de prazos e o aumento de atos processuais.

Desse modo, as respostas por meio de reformas no sistema judicial não se revelaram suficientes, talvez porque estiveram centradas em um modelo de pensamento dogmático-jurídico que não consegue se afastar da burocracia processual, a demandar mais juízes, mais servidores, mais estrutura judicial.

Em contraponto, mecanismos de gestão judicial, administração da justiça, gestão da inovação e inovações tecnológicas têm trazido esperança de que o processo judicial pode se tornar mais célere e efetivo.

O processo judicial eletrônico, a ênfase dada à gestão judicial e aos centros judiciais de solução consensual de conflitos, a inteligência artificial e o fomento de boas práticas têm sido ferramentas amplamente difundidas para buscar maior efetividade da Justiça brasileira.

A Pesquisa Justiça em Números 2018 mostrou que, durante toda a série histórica, o ano de 2017 foi o de menor crescimento do estoque de processos. Com efeito, “durante o ano de 2017, ingressaram 29,1 milhões de processos e foram baixados 31 milhões”.[1] A produtividade também aumentou: “Em 2017, foi o primeiro ano em que o volume de baixados superou o patamar de 30 milhões de casos solucionados”.[2]

Apesar de esses dados trazerem alguma esperança, os déficits de gestão são constatados em diversas Varas Judiciais. Segundo o Relatório Justiça em Números do CNJ, no ano de 2017, a “taxa de congestionamento do Poder Judiciário se manteve em patamares elevados”, em 67,9%, mas com uma pequena redução de 4,2% em relação ao ano anterior.[3] Aliás, à exceção da Justiça Militar, todos os segmentos de justiça conseguiram reduzir suas taxas de congestionamento.[4]

Desse modo, é preciso dar a devida centralidade às técnicas e ferramentas de gestão, que são capazes de impactar no sistema judicial como um todo, e que parecem estar sendo responsáveis por minimizar os problemas de congestionamento processual e aumento de acervo no Judiciário. Enfim, sobretudo diante de tempos de restrições orçamentárias, é preciso fazer mais com menos.

O Conselho Nacional de Justiça tem mostrado que o déficit de planejamento e de gestão são responsáveis por grande parte da ineficiência do Judiciário nacional, bem como que medidas de gestão cartorária, gestão de pessoas e gestão processual são fundamentais.

De outro lado, os índices de confiança e de satisfação dos cidadãos com a Justiça brasileira atingem níveis muito baixos, de 25%, segundo recente pesquisa[5]. Isso reforça a conclusão de que o Judiciário brasileiro precisa dar uma prestação jurisdicional mais rápida e efetiva, o que precisa ser feito, principalmente, pela melhoraria seus métodos gerenciais de processos.

Embora muitas das técnicas e estratégias de gestão do setor privado e da Administração Pública em geral possam ser aplicados às unidades judiciais, é imprescindível conhecer as especificidades do sistema de justiça brasileiro e a realidade das Varas Judiciais, a fim de que se possa propor medidas de gestão e criar ferramentas capazes de efetivamente melhorar a qualidade do gerenciamento dos processos judiciais.

Desse modo, é imprescindível investigar os principais problemas no processo judicial em termos de morosidade, burocracia processual, custos para o Estado e falta de efetividade, a partir de pesquisas empíricas e análise comparativa com sistemas de justiça de outros países, considerando, de forma abrangente, a complexidade que cerca o problema, incluindo, sobretudo, os seguintes aspectos: a burocracia judicial e o cenário de constante modificação na legislação processual; análises comparativas com sistemas de justiça de outros países, buscando-se ferramentas para enfrentar a morosidade processual e o déficit de efetividade; investigações sociológicas sobre a percepção da sociedade acerca do processo judicial e do Judiciário; a imprescindibilidade de desenvolvimento e aplicação de mecanismos de gestão de conflitos e desburocratização do processo judicial; a transformação de uma cultura de burocracia para uma cultura de efetividade processual; a necessidade de aprimoramento dos institutos jurídico-processuais diante do processo judicial eletrônico e das novas ferramentas tecnológicas, sempre com o propósito de propor melhorias na prestação jurisdicional e de tornar o processo um mecanismo mais efetivo e adequado para a solução de conflitos.

Nesse ínterim, é também preciso investigar, com metodologias de pesquisas empíricas, as dinâmicas internas ao sistema de justiça brasileiro, bem como identificar os problemas, os entraves e os gargalos institucionais e práticos que geram inefetividade processual e afetam o Poder Judiciário na otimização do processo e do julgamento, propondo alternativas viáveis aos seus modos de funcionamento e aos pontos de ineficiência identificados.

Portanto, é preciso criar um outro campo de estudo, que não isole o direito processual da prática judicial, que não dissocie a prática judicial dos mecanismos de gestão e que, muito além de uma efetividade jurídico-dogmática, torne o processo um instrumento com efetivamente prática.

[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf>. Acesso em: 22 mai 2019. p. 73.

[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf>. Acesso em: 22 mai 2019. p. 73.

[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf>. Acesso em: 22 mai 2019. p. 90.

[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf>. Acesso em: 22 mai 2019. p. 90.

[5] DATAFOLHA. Grau de confiança nas instituições. Instituto Datafolha, abr. 2019. http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2019/04/15/e4dfasfas453434vfa423vavsxfd429b35922gci.pdf. Acesso em: 22 mai 2019.

*Juiz de Direito do TJDFT Fabrício Castagna Lunardi

Doutor e Mestre em Direito pela UnB