O papel dos juizados especiais na pacificação de conflitos sociais

Juíza de Direito Substituta do TJDFT Acácia Regina Soares de Sá
por Acácia Regina Soares de Sá — publicado 2020-09-01T08:00:00-03:00

A criação dos juizados especiais foi prevista no art. 98, I da Constituição Federal e disciplinada pela Lei n.º 9.099/95.

Inicialmente, a ideia de sua criação era de facilitar o acesso à justiça, uma vez que dispensava a cobrança de custas em primeira instância, bem como a necessidade de advogado para a propositura da, nas causas cíveis que não ultrapassassem o valor de 20 (vinte) salários-mínimos.

Com o passar do tempo e sua consolidação, foram instituídos, no ano de 2009, os Juizados Especiais da Fazenda Pública, através da Lei n.º 12.153/09, coadunando com os princípios da celeridade e efetividade.

No entanto, com o transcorrer do tempo, o papel dos juizados especiais passou a ir muito além de um instrumento de garantia de um maior acesso à justiça e à solução mais célere das questões postas em juízo. Mas, principalmente, tem a função de prevenir a transformação de pequenos problemas do cotidiano em conflitos maiores, aí incluídos os delitos, inicialmente de menor potencial ofensivo, em grandes tragédias.

Isso porque, muitas das vezes, as questões levadas aos juizados especiais, não se restringem a questões puramente jurídicas onde as partes litigam para ver ser direito prevalecer, mas vão muito além disso, as partes querem ter a oportunidade de ser ouvidas, expor sua indignação, às vezes sentimentos frustrados, mágoas, enfim, situações que ultrapassam o direito positivado.

Nos juizados especiais criminais, muitas vezes uma perturbação ao sossego, uma queixa por som alto ou por uma ameaça, mais do que a comunicação de um delito, traz em seu bojo a necessidade da parte de ser ouvida, de desfazer um mal-entendido ou um conflito familiar.

Nesse diapasão, o papel dos sujeitos que atuam nos juizados especiais: conciliadores, juízes, promotores, defensores e advogados é muito mais do que tentar conciliar, defender o direito que entende ser o correto e ao final decidir, mas também têm o papel de buscar o verdadeiro motivo pelo qual a parte ajuizou aquela ação ou prestou a queixa.

Muitas vezes uma notícia de ameaça pode ser traduzida em um drama familiar que, por não ter sido resolvido, gera diversos conflitos, na qual apenas uma decisão judicial que vier a homologar uma transação penal ou, ao final, aplicar uma pena, não irá pôr fim ao referido conflito, que, posteriormente, poderá ocasionar uma tragédia maior.

Nesse ponto está a grande importância dos juizados especiais na pacificação dos conflitos, isso porque em uma situação como a acima relatada cabem aos sujeitos que atuam nos referidos juizados perceberem o real motivo da lide e então, a partir da daí, tentar solucioná-lo, através de diminuição da animosidade entre os litigantes e posterior conciliação.

Tal conduta pode vir a evitar que uma queixa-crime por uma injúria se transforme, futuramente, em uma tentativa de homicídio.

Nessas situações, muitas vezes conceder à vítima a possibilidade de dizer ao autor do fato o quanto o ocorrido o incomodou e como se sentiu, falar acerca de eventuais mágoas existentes e, em contrapartida, conceder ao autor do fato a oportunidade de se explicar, pacifica os ânimos e permite que as partes, de fato, resolvam seu conflito.

Tais situações, apesar de mais nítidas nos juizados especiais de competência criminal, também ocorrem nos juizados de competência cível onde, às vezes, a cobrança de uma dívida esconde alguma desavença familiar ou mágoa que necessita ser esclarecida e superada.

Não raras vezes, a referida cobrança é apenas um meio de “deixar as coisas em pratos limpos”, uma vez que sua origem não é meramente patrimonial, mas advém de uma relação afetiva terminada, de problemas familiares ou até de uma briga entre vizinhos.

Nesse diapasão, podemos concluir como é importante papel de pacificador social dos juizados especiais, já que a questão a ser resolvida pode não se limitar a dizer quem tem o dever de arcar com o pagamento da dívida, nem quem tem razão entre os vizinhos, enfim, de dizer o direito, mas sim buscar resolver o conflito e com isso evitar que as partes continuem beligerantes.

Assim, ouvir sempre as partes e tentar, a cada audiência perceber o real motivo da indignação, mágoa, beligerância é o caminho para que o direito, através dos juizados especiais, cumpra sua função de pacificação social.

Acácia Regina Soares de Sá é juíza de direito substituta do TJDFT,  especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL e mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB.