Somos bem maiores do que o vírus

Juiz de Direito Substituto Lucas Sales da Costa
por Juiz Lucas Sales da Costa — publicado 2020-04-22T08:53:53-03:00

Já escrevi, certa vez, sobre a ausência de maiores vínculos de solidariedade na espécie humana. O contexto era diferente, e, à época, eu me referia a gestos de hipocrisia ou a ações puramente mecânicas ou matemáticas que insistiam, para o meu lamento, em praticar a generosidade quase exclusivamente nos dias tradicionais de festejo, especialmente no Natal ou no fim de ano. 

O tempo hoje, em dias de temido coronavírus, mostra-se duro, duríssimo, mas igualmente simbólico e promissor, como em toda crise, aliás, costuma acontecer. 

Toda moeda tem suas duas caras. Todo evento produz o positivo e evidencia o negativo. O paradoxo sempre foi inevitável e é vivenciado na prática, não apenas, portanto, na linda filosofia chinesa do Yin-Yang. 

Num misto de ânsia e saudade da rotina do cotidiano, a pergunta de todos é a mesma: “Até quando?”. 

Podemos combater o questionamento com doses de otimismo e esperança. 

A hora de agradecer nunca foi tão presente. O instante de autorreflexão nunca exigiu tanta força. A hora é de agir com prevenção e cuidado consigo e com todos. 

A humanidade reclama constantemente. O ser humano está sempre brigando e questionando-se de tudo e em face de todos. Isso é uma constatação das coisas como elas são, e não a minha opinião. 

Que atos de doação e coletivismo você tem desempenhado fora de períodos curtíssimos em que dar presente ou praticar nobreza é a coisa mais fácil do mundo? O que você tem valorizado no seu contexto familiar? De que forma tem tratado colegas, amigos e parentes? Você já se perguntou a respeito da chance que tem de contribuir, neste difícil momento de clausura e solidão, em favor daquela pessoa que lhe presta serviços formais ou informais tão relevantes? Em favor, simplesmente, de quem não tem o que você possui? Claro, ninguém é obrigado a nada, mas o momento é esclarecedor do quanto dependemos dos outros para simplesmente existir. 

O instante é promissor. Cômodo e simples é reclamar o tempo todo, postulando, por exemplo, férias quando se trabalha com dignidade e saúde e pedindo agora, vejam só, o retorno desesperado à normalidade quando se pode, obviamente com obstáculos, exercer a gratidão num momento de descanso e paz da vida agitada que já não conseguimos controlar nem respirar. 

Para os que têm fé, Deus oferece nestes tempos uma bela oportunidade de fazermos diferente a partir de então. A crise tem elementos relativamente fáceis de detectar, e ela passa. Ela sempre passa. Ninguém disse, nem poderia dizer que será fácil. 

Momentos únicos na história servem para provocar atitudes e gestos também inéditos. A circunstância é sublime, mas precisamos aproveitá-la. Sair dela da mesma forma como se entrou será desperdiçar a mágica que as grandes lições da vida podem produzir. 

Se o combate é duríssimo, a vitória, por outro lado, pode ser muito mais prazerosa. Depende de mim, de você, de todos. 

Somos bem maiores do que o vírus. 

Lucas Sales da Costa

Juiz de Direito Substituto