As mudanças na LIA e as eventuais violações ao princípio da igualdade

Juíza de Direito Substituta do TJDFT Acácia Regina Soares de Sá
por Juíza Acácia Regina Soares de Sá — publicado 2021-08-12T10:18:00-03:00

A Câmara dos Deputados aprovou em 16 de junho o substitutivo ao PL nº 10.887/18 que trata das alterações à Lei nº 8.429/92, que trata dos atos de improbidade administrativa.

O projeto trouxe várias alterações ao diploma legal acima mencionado, e algumas importarão em inovações positivas; no entanto, outras são questionáveis, inclusive sob o ponto de vista constitucional, uma vez que criam privilégios em relação aos demais indivíduos.

Nessa direção, podemos citar o exemplo do artigo 16, §11, que estabelece uma ordem de prioridade para a penhora de bens diversa da prevista no artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC), isso porque a referida codificação prevê, em primeiro lugar, a penhora de dinheiro ou aplicações financeiras, a fim de prestigiar o princípio da maior efetividade processual. No entanto, o projeto de lei que prevê as alterações na Lei nº 8.429/92 prevê a priorização de veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo [1] .

Assim, é possível verificar que, por via reflexa, é estabelecido um privilégio aos réus nas ações de improbidade administrativa em relação aos demais réus nos processos cíveis e criminais, uma vez que a garantia do sustento e da manutenção da atividade empresa empresária deve ser garantia a todos os indivíduos que integram a sociedade e não apenas aos réus das ações de improbidade administrativa que, eventualmente, podem ter causando danos a uma parte da coletividade, e não apenas a uma outra pessoa, como ocorre em uma parcela dos processos com efeitos interpretes.

De igual modo, podemos observar também essa violação do princípio constitucional da igualdade em relação ao artigo 17, 10-F, II, do projeto de lei em comento, o qual prevê que será nula a condenação proferida em processo em que tenham sido indeferidas provas requeridas pelo réu, isso porque está em confronto com o trazido no artigo 370 do Código de Processo Civil [2] e, da mesma forma, no artigo 400 do Código de Processo Penal (CPP) [3] .

Nesse caso, vemos que tanto no processo civil quanto no processo penal é possível ao juiz, já tendo elementos suficientes para julgar a causa, indeferir provas, garantido, em consequência, a duração razoável do processo; no entanto, no caso das ações de improbidade administrativa, pela redação do projeto aprovado na Câmara dos Deputados não se mostra possível o juiz exercer tal faculdade.

Desse modo, pelos exemplos acima trazidos, é possível, então, observar que alguns pontos trazidos pelo projeto de lei em comento violam o princípio constitucional da igualdade entre os indivíduos que compõem a sociedade, isso porque concedem aos réus das ações de improbidade administrativa privilégios não garantidos à coletividade, sem que haja justificativa hábil a configurar uma hipótese de aplicação do princípio da igualdade material.

[1] PL nº 10.887/18, www.camara.leg.br .

[2] Artigo 370 - Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Artigo 400 - Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no artigo 222 deste Código , bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

§1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias .

Acácia Regina Soares de Sá é juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul, mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub, coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do Centro Universitário de Brasília - Uniceub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura - Enfam.